Um estudo desenvolvido na Fundação Champalimaud indica que a escolha das filas das caixas de supermercado pode envolver uma série complexa de cálculos mentais, como o número de clientes em cada fila, o número de artigos que cada pessoa tem ou a velocidade do colaborador na caixa.
Em vez de se comprometer com uma única estratégia, o ser humano é capaz de calcular várias alternativas de decisão em simultâneo. “Há quem conte o número de clientes em cada fila e escolha aquela que tem menos pessoas, também há quem estime o número de artigos que cada pessoa tem no seu carrinho de compras. Há quem rapidamente considere não apenas as pessoas que estão na fila, como também o número de artigos e até mesmo a velocidade da pessoa na caixa”, sugere o estudo levado a cabo pela Fundação Champalimaud e desenvolvido pelos investigadores Fanny Cazettes, Zachary Mainen e Alfonso Renart.
Os autores apresentaram um conjunto de experiências realizadas num setup de realidade virtual. Para o efeito, desenharam um “mundo virtual para ratinhos” pensado com base no desafio de procura de alimento, “algo para o qual o cérebro destes animais evoluiu e se tornou exímio”, relata a Fundação Champalimaud. Neste contexto, os investigadores podem estudar as estratégias de decisão usadas por estes animais. Por exemplo, “qualquer zona neste mundo virtual pode oferecer água de uma forma inconsistente, ou seja, de um momento para o outro pode secar e deixar de dispensar água por completo. Os ratinhos tinham então de decidir quando sair de um determinado local e ir para outro em busca de mais água”, explica o estudo.
“Ao contrário da nossa experiência nas filas das caixas do supermercado, descobrimos que o cérebro pode realmente executar várias estratégias de contagem diferentes ao mesmo tempo.” – Zach Mainen
Para resolver a tarefa de maneira otimizada, a melhor estratégia seria que estes animais aprendessem a contar o número de tentativas consecutivas falhadas para obter água num determinado local e trocar de local quando o número de erros consecutivos fosse suficientemente grande. No entanto, existiam várias estratégias alternativas para processar a série de tentativas bem e mal sucedidas, incluindo, por exemplo, calcular a diferença entre o número de tentativas bem e mal sucedidas. “Cada estratégia combina erros e tentativas bem-sucedidas ao longo do tempo de uma maneira particular e, portanto, tem uma ‘assinatura do tempo decorrido’ – designado de ‘variável de decisão’ – que pode ser comparado com o tempo decorrido entre padrões de atividade cerebral.”
Os investigadores registaram a atividade de grandes grupos de neurónios individuais numa parte do cérebro conhecida como córtex pré-motor, enquanto os ratinhos realizavam a tarefa. De seguida, procuraram combinações dos perfis temporais de atividade dos neurônios pré-motores que poderiam assemelhar-se às variáveis de decisão associadas às diferentes estratégias.
Os resultados mostraram que, apesar de cada ratinho se concentrar na sua própria estratégia, os seus cérebros não. A investigadora Fanny Cazettes explica que “embora a atividade no córtex pré-motor refletisse a computação que o animal estava realmente a usar, ela também refletia variáveis de decisão alternativas úteis para a mesma tarefa e até mesmo variáveis de decisão úteis para outras tarefas”. Zach Mainen, um dos autores seniores do estudo, acrescenta: “Ao contrário da nossa experiência nas filas das caixas do supermercado, descobrimos que o cérebro pode realmente executar várias estratégias de contagem diferentes ao mesmo tempo, o que nos remete para o conceito de superposição na mecânica quântica.”
Embora ainda haja muito por ser explorado nesta área, este estudo fornece uma base importante para investigações futuras: “Estas descobertas têm implicações importantes para a nossa compreensão sobre como o cérebro processa e seleciona variáveis de decisão em ambientes complexos. E podem ainda ter implicações para o desenvolvimento de sistemas de machine learning mais flexíveis e adaptáveis, o que poderá ser particularmente útil em situações onde há um alto grau de incerteza ou complexidade”, conclui Zach Mainen.