A menção a restrições da concorrência ou a comportamentos anticoncorrenciais remete-nos – em termos mais imediatos e intuitivos – para aspetos concretos da oferta comercial das empresas, como sejam o preço dos seus bens ou serviços, os seus territórios de atuação, os clientes, os descontos praticados, as quantidades produzidas, entre outros. Mas essa face, porventura mais visível e intuitiva, dos comportamentos anticoncorrenciais está longe de ser a única relevante.
Com efeito, as empresas não concorrem apenas enquanto oferentes de bens ou serviços no mercado, mas concorrem igualmente a montante, ao nível do aprovisionamento de bens ou de serviços de que necessitam para a sua atividade, aí se incluindo a concorrência pela força laboral.
Nos últimos anos, as autoridades de concorrência vêm prestando uma atenção crescente a acordos ou outras práticas restritivas no mercado laboral, nomeadamente, acordos de não contratação (no jargão inglês, “no-poach”) ou mesmo acordos de fixação de salários (neste caso, excecionados cenários – legítimos – de negociação coletiva entre associações representativas de empregadoras e trabalhadores, enquanto parceiros sociais), pelo impacto adverso que tais práticas podem ter sobre os salários (mantidos em níveis artificialmente baixos), sobre procura pelo input trabalho (que se vê reduzida em virtude daqueles acordos), menor dinamismo do mercado laboral e impacto negativo sobre os níveis de produção, produtividade e inovação das empresas.
Em Portugal, a primeira investigação sobre estas práticas incidiu sobre um acordo celebrado entre a Liga Portuguesa de Futebol Profissional e 31 clubes da Primeira e Segunda Ligas, ao abrigo do qual os aludidos clubes se comprometiam a não contratar futebolistas que rescindissem unilateralmente o respetivo contrato de trabalho, evocando questões provocadas pela pandemia Covid-19. Esta decisão condenatória envolveu aplicação de um total de coimas na ordem dos €11 milhões, ainda não confirmada judicialmente.
Em janeiro de 2024, a AdC voltou a anunciar a aplicação de sanções por práticas de práticas de não contratação (“no-poach”), desta feita, na área da consultoria tecnológica.
O fenómeno não é uma especificidade nacional. A Comissão Europeia tem em curso uma investigação no setor das entregas online de bens alimentares e outros bens de consumo, em que uma das práticas sob investigação é, justamente, um eventual acordo de não contratação entre os envolvidos.
Esta mesma entidade veio explicitar publicamente, num “Policy Brief” datado de maio deste ano, a sua posição de que os suprarreferidos acordos de não contratação e os acordos de fixação de salários serão, em regra, restrições graves da concorrência, equiparáveis a cartéis de compradores e dificilmente passíveis de justificação.
No caso específico dos acordos de não contratação (expressão lata que abrange acordos de diferentes configurações: não contratação em sentido estrito, isto é, uma proibição pura e simples de contratar, ativa ou passivamente; não solicitação, isto é, a mera proibição de abordagem ativa de trabalhadores), a Comissão Europeia reconhece que, na génese do recurso a estes acordos, podem estar objetivos legítimos das empresas, como a necessidade de preservarem o investimento feito na formação dos seus trabalhadores ou de assegurarem a proteção de segredos de negócio. No entanto, na medida em que tais objetivos possam ser devidamente acautelados com base em alternativas menos restritivas, nomeadamente em acordos celebrados diretamente entre as empresas e os seus trabalhadores, o recurso à não contratação dificilmente poderá considerar-se justificado.
Na Suíça, uma investigação preliminar sobre trocas de informação relativas a condições laborais, foi considerada indiciadora de concertação entre entidades empregadoras envolvidas. A prática abrangia vários setores de atividade, de entre os quais o bancário. A autoridade da concorrência suíça, apercebendo-se da abrangência da prática, optou pela adoção de um guia de boas práticas pelo qual as empresas se poderão orientar para assegurarem a licitude das suas condutas (evitando o risco de sanções).
Entre nós, a AdC publicou igualmente, em 2021, um Guia de Boas Práticas, com o objetivo de sensibilizar as empresas, os profissionais de recursos humanos e outros envolvidos em processos de recrutamento, para os riscos de acordos anticoncorrenciais e para as boas práticas no âmbito da contratação de trabalhadores e definição de condições salariais.
O contexto que antecede torna especialmente premente a aposta, pelas empresas, na formação e sensibilização internas para esta temática, na ponderação de estratégias competition compliant para salvaguarda dos seus interesses na preservação ou retenção de trabalhadores e, ainda, na implementação de mecanismos de prevenção de riscos jus concorrenciais no contexto da definição de políticas salariais e nos procedimentos de contratação.