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Legal Insights

A polivalência do direito de arrependimento: proteção do consumidor e desenvolvimento de negócio

70% dos consumidores admite comprar marcas que entendam as suas necessidades

Qualquer empresa ou profissional que hoje venda bens ou preste serviços em linha a consumidores conhece o direito de arrependimento: a possibilidade de o consumidor, livremente e num determinado prazo, se desvincular do contrato celebrado. Trata-se, sem dúvida, de uma figura central na defesa do consumidor, daí a relevância do conhecimento das suas fronteiras, dos seus requisitos e das consequências do seu incumprimento.
O direito de arrependimento visa proteger os consumidores, de forma acrescida, designadamente nos contratos à distância ou celebrados fora do estabelecimento comercial (por exemplo, realizados pela Internet, telefone, na rua ou “porta a porta”), por se considerar que, nessas situações, o consumidor pode não ter tido consciência exata do que estava a contratar, mas também porque pode ter sido alvo de uma abordagem comercial agressiva. Esta proteção faz particular sentido quando o consumidor é abordado, por uma destas vias, pelo próprio profissional e faria, nos primórdios da Internet, sempre que os contratos fossem celebrados por esta via, menos familiar para os consumidores. Poder-se-á, contudo, questionar se fará sentido ainda hoje, perante a difusão do comércio eletrónico e o aumento da literacia dos consumidores em termos de direitos e cautelas na utilização de meios digitais de contratação.
Certo é que o direito de arrependimento não só se mantém consagrado na lei portuguesa como tem vindo a ser crescentemente robustecido e ampliado. Em particular, enquanto na Lei de Defesa do Consumidor de 1996 se previa um prazo de 7 dias (úteis) para exercício deste direito, no Regime da Contratação à Distância de 2014, esse prazo foi alargado para 14 dias (seguidos) e, em 2022, com a entrada em vigor do diploma que transpôs para o direito nacional a “Diretiva Omnibus”, foi inclusive ampliado para 30 dias (seguidos) no caso de contratos celebrados no domicílio do consumidor ou no âmbito de excursões organizadas.
Aliás, os consumidores contam com idêntico nível de proteção em toda a União Europeia, na Islândia e na Noruega, sempre que o vendedor ou prestador de serviços se encontre num desses locais (independentemente da localização do consumidor). Ou seja, mais do que uma proteção dos consumidores europeus, trata-se de um dever de qualquer profissional europeu.
O direito ao arrependimento tem fonte legal, mas vários profissionais conferem-no voluntária e contratualmente, incluindo na venda em estabelecimento comercial, ao permitir a troca imotivada do bem comprado durante um certo prazo.
O direito ao arrependimento não se confunde com o direito legal à devolução de produtos ou serviços em virtude de defeito nos mesmos. Ao invés, este direito assiste aos consumidores mesmo que os bens ou serviços sejam totalmente conformes com o contratado, e sem que o consumidor tenha sequer de justificar a sua decisão; daí que seja designado de arrependimento. Basta que o contrato seja celebrado, à distância ou fora do estabelecimento comercial, entre um consumidor e um profissional, para que o consumidor, dentro do prazo legal, possa livremente comunicar que afinal não pretende manter o contrato, seja de forma expressa (p.e., através de formulário próprio, e-mail ou carta registada com aviso de receção), seja de forma implícita (p.e., devolvendo o bem, contanto que disso conserve prova).
E qual a posição dos profissionais perante o direito de arrependimento?
Os profissionais podem, nalguns casos, limitados, opor-se ao exercício deste direito, designadamente quando estejam em causa serviços que já tenham sido prestados, bens ou serviços sujeitos a flutuações de mercado, produtos perecíveis, produtos selados por razões de higiene ou saúde e personalizados para o consumidor.
Fora destes casos, os profissionais não podem impedir o exercício do direito pelo consumidor (embora devam exigir que sejam observados os requisitos legais), e têm de informar previamente o consumidor, no seu website ou nos termos contratuais, sobre a sua existência, prazo e modo de exercício (sob pena de extensão do prazo legal para 12 meses) e sobre os eventuais custos a suportar pelo consumidor com a devolução dos bens (sob pena de poderem terem de assumir tais custos), bem como a obrigação de reembolsar o consumidor de todos os pagamentos recebidos no prazo de 14 dias a contar da comunicação do arrependimento (sob pena de terem de devolver os montantes em dobro). Além do mais, a violação de qualquer destes deveres do profissional é punida em sede de contraordenação económica grave, com coima de até 24 000€, consoante a dimensão da empresa.
Contudo, o direito de arrependimento (legal ou contratual) não representa apenas um ónus para o profissional. Em nossa opinião, é um meio eficaz de angariação e manutenção da clientela, e de reforço da notoriedade e credibilidade do profissional, na medida em que a prática tem demonstrado que um consumidor satisfeito e confiante tende a voltar a comprar e a comprar mais.
Caberá, pois, ao profissional inteirar-se sobre os exatos contornos do direito de arrependimento para o poder encarar nesta dupla perspetiva: cumprimento de dever legal e desenvolvimento de negócio.

 

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