Não há dúvida de que o impacto da transição ecológica tem influência na experiência do consumidor. Mas que marcas estão alinhadas com as novas escolhas dos clientes? E como se posicionam para não defraudar o consumidor consciente? O tema vai estar em discussão no Global Customer Experience e a Too Good To Go será uma das empresas a falar sobre a sua atuação no mercado. Maria Tolentino, Country Director desta plataforma em Portugal, sublinha o crescimento da marca e a cooperação do retalho para esta nova tendência de consumo.
A Too Good To Go é uma plataforma digital que surgiu com o objetivo de rentabilizar alimentos não vendidos, promovendo o combate ao desperdício alimentar. Como surgiu este projeto em Portugal, quais os objetivos e como tem sido abraçado pelas empresas e consumidores portugueses?
Antes de falar de Portugal creio que é importante fazer um breve enquadramento, a nível global do nosso projeto. A Too Good To Go é uma empresa de impacto social com certificação B Corp e foi criada com a missão de inspirar e empoderar a comunidade a combater, em conjunto, o desperdício alimentar. O projeto foi lançado em 2016 e, até aos dias de hoje, crescemos em mais de 81 milhões de utilizadores registados e 145.000 parceiros comerciais ativos (desde supermercados, lojas, restaurantes e fabricantes, entre muitos outros) em 17 países na Europa e na América do Norte.
A nível nacional chegámos em outubro de 2019 e, em apenas quatro anos, já contamos com mais de 1,6 milhões de utilizadores e mais de 3.900 estabelecimentos parceiros. Creio que os números falam por si. Os portugueses e as empresas estão a ganhar cada vez mais consciência do que desperdiçam e do que isso significa não só para o seu orçamento familiar e empresarial, como para o ambiente. Já salvámos mais de 3 milhões de Surprise Bags por todo o País, o equivalente a ter evitado a emissão de 7.500 toneladas de CO2e (estima-se que 40% de todos os alimentos produzidos sejam desperdiçados a cada ano, o que causa cerca de 10% das emissões globais dos gases de efeito estufa produzidas pelo ser humano – WWF, 2021).
 “O projeto foi lançado em 2016 e, até aos dias de hoje, crescemos em mais de 81 milhões de utilizadores registados e 145.000 parceiros comerciais ativos (desde supermercados, lojas, restaurantes e fabricantes, entre muitos outros) em 17 países na Europa e na América do Norte.”
A inflação teve impacto no orçamento dos consumidores, que viram o seu poder de compra reduzir consideravelmente. De que forma este fenómeno se refletiu no número de consumidores da Too Good To Go em Portugal?
Os números do ano transato são muito esclarecedores na relação inflação versus aumento do número de utilizadores Too Good To Go e os deste ano também não ficam atrás. Em 2022, os preços dos produtos alimentares aumentaram cerca de 12,2% devido à inflação (dados publicados pelo Instituto Nacional de Estatística – INE) e, de acordo com dados do Eurostat, a poupança das famílias portuguesas caiu 32 vezes comparando com 2021. Os hábitos de consumo tiveram obrigatoriamente que mudar e a Too Good To Go foi prova disso. Em 2022, em Portugal, aumentámos em 42% o número de utilizadores que adquiriram alimentos, o que se traduziu em mais de 1,1 milhões de Surprise Bags salvas em todo o País.
Já em 2023, e referente aos primeiros sete meses do ano, foram salvas (face ao período homólogo do ano transato) mais 46,6% de refeições através da nossa aplicação e com isso cresceu, naturalmente, o total de inscritos (mais 37,8%) – dados referentes aos registos efetuados entre janeiro e julho de 2023.
Com a crescente procura dos consumidores por produtos mais éticos e sustentáveis – demonstrando mais preocupação com estas questões –, que papel assumem estas soluções nos diferentes setores de atividade?
Os portugueses estão cada vez mais cientes, e com isso mais exigentes, no que às políticas de sustentabilidade diz respeito. Contudo, há um longo caminho ainda por percorrer. Antes de mais, a solução para ajudar a combater este problema passa, a meu ver, por lembrar a necessidade da constante educação e consciencialização do consumidor sobre o impacto das suas atitudes no ambiente. Mas esta consciencialização é também fulcral nas organizações. Hoje o consumidor, o colaborador, o pai/mãe querem saber quais as políticas de responsabilidade social e ambiental pela qual se rege a empresa onde trabalha; o que é ensinado aos seus filhos, se os produtos que compram são resultado ou não de reciclagem. Muitos já são aqueles que preferem aceitar a proposta de emprego daquela empresa com resultados comprovados em RSC/Ambiental em detrimento da que nada faz ou mostra fazer; que deixam de comprar determinado produto em virtude das suas condições de fabrico e/ou cultivo não estarem em consonância com os seus princípios. É essencial que as empresas, para manterem as suas operações − e nós continuemos a poder (sobre)viver neste nosso planeta Terra −, adotem uma postura cada vez mais ativa e não reativa.
“Os portugueses e as empresas estão a ganhar cada vez mais consciência do que desperdiçam e do que isso significa não só para o seu orçamento familiar e empresarial, como para o ambiente.”
Continua a ser essencial a consciencialização através de campanhas nas escolas, nos meios de comunicação e nas comunidades. Reforço: estamos num bom caminho, mas ainda falta fazer muito, acima de tudo, no que à mudança de mentalidades diz respeito.
Estarão os comerciantes, particularmente no setor do retalho, conscientes desta nova tendência de consumo? Atualmente, a Too Good To Go conta com quantos parceiros?
Estão conscientes, claro que sim! A Too Good To Go trabalha com os mais diversos parceiros, desde cadeias de super e hipermercados (como a Auchan, Minipreço, Continente), a restaurantes, hotéis (como o Vila Galé) ou lojas como o Celeiro, a Padaria Portuguesa e a Gleba. A nível nacional trabalhamos com mais de 3.900 parceiros e, a nível global, com 145.000 (num total de 17 países).
Como tem corrido este projeto do ponto de vista da rentabilidade?
A nível de receitas posso apenas referir que em 2022 a nível global, o último trimestre do ano, apresentou um Ebitda positivo e estimamos que o mesmo venha a acontecer no final de 2023 (tendo em conta os mercados e produtos que estão no nosso radar de negócio). Estes resultados são prova de que é possível fazer um ‘scale up‘ do negócio enquanto marcamos também diferença do ponto de vista social, na luta contra o desperdício alimentar, trabalhando em novas soluções e lançando iniciativas com o objetivo de gerar mais consciência para as temáticas associadas ao nosso negócio.