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Seguir o caminho dos dados

Seguir o caminho dos dados

A Inteligência Artificial (IA) é, atualmente, utilizada por mais de um quarto dos retalhistas mundiais. E embora seja importante que o setor se foque no customer experience, os retalhistas não devem ignorar a aplicabilidade da IA na cadeia de valor, já que oferecerá ganhos operacionais significativos e sustentará a experiência oferecida ao consumidor.

Recorda-se do filme Matrix? Pois bem, a Inteligência Artificial (IA) que fazia parte desse filme de 1999 (quem não se lembra da escolha que “Neo” tem de fazer entre o comprimido azul e o comprimido vermelho) já não faz parte do futuro, mas sim do presente.

 

De acordo com um estudo recente da Capgemini, mais de um quarto dos 250 maiores retalhistas do mundo, em 2017 (lista elaborada pela Bloomberg), já integraram a IA nas suas organizações, embora só 1% consiga atingir o máximo da tecnologia em escala.

O estudo da Capgemini “Retail superstars: How unleashing AI across functions offers a multi-billion dollar opportunity”, mostra que a maioria dos players focam o seu esforço na utilização da IA nas vendas e no marketing ou em usos demasiado complexos, embora as conclusões do estudo indiquem oportunidades claras quando a IA é empregue em toda a cadeia de valor.

 

Certo é que, anualmente, os retalhistas deverão gastar mais de 6,5 mil milhões de euros até 2022, tudo para proporcionar uma melhor experiência ao consumidor e cliente, embora os números da consultora indiquem que as poupanças poderão ultrapassar os 265 mil milhões de euros no futuro, caso escalem a utilização da IA a toda a cadeia de valor logística.

Os “Qs” da IA
As questões que se colocam aos retalhistas são: Como é que poderão garantir a criação de valor a partir dos investimentos estratégicos em IA? Quais são as utilizações que apresentam maior valor acrescentado? Como desbloquear todo o potencial da Inteligência Artificial? Onde é que a Inteligência Artificial deverá ser, efetiva e estrategicamente, incorporada?

 

Em Portugal, praticamente todos os players do retalho estão conscientes da importância das soluções apresentadas pela Inteligência Artificial e das oportunidades que pode trazer. Mas antes, eventualmente, há que perceber competências devem ter os retalhistas em mente para implementar a IA e estarem preparados para os vários desafios?

Para Jorge Reto, as competências necessárias talvez não seja a maior preocupação”. Para o Head of Google Cloud em Portugal, o que os retalhistas devem escolher “é o caminho”. Ou seja, “ou têm uma enorme quantidade de dados, históricos, comportamentais, de mercado, muita informação que possa ser trabalhada por Data Scientists e possam criar os modelos de dados, e neste caso têm que procurar competência de Data Analysts, ou avançam para modelos pré-treinados onde grande parte do trabalho e do motor de IA está já feito e neste caso focam a desenvolver somente o modelo com base nas suas necessidades”, indicando que “este é o caminho mais lógico a seguir”.

 

No Lidl, por exemplo, acredita-se que “o investimento em Inteligência Artificial potenciará um conjunto de melhorias não só na experiência dos nossos clientes e qualidade de trabalho dos nossos colaboradores, em linha com o que estes valorizam, mas também na satisfação das necessidades dos fornecedores”, refere Dionísio Santos. Para o diretor de IT do Lidl Portugal, os desafios de implementação dizem, sobretudo, respeito “à comunicação de sistemas e a desafios logísticos”.

Na Sonae, a estratégia passa por “desenvolver competências, quer internamente, quer através de parcerias, que nos permitem acelerar esse desenvolvimento”, reconhecendo Pedro Santos, diretor de e-commerce da Sonae MC, que “a IA tem no retalho uma multiplicidade de aplicações, muitas delas ainda numa fase muito incipiente de exploração”.

Investir para poupar
Uma das dessas aplicações é a poupança que se poderá vir a conseguir através da utilização da IA e o responsável pelo e-commerce do maior retalhista a atuar no mercado português admite que “a capacidade preditiva das necessidades dos consumidores em constante mudança, com recurso a modelos de inteligência artificial, poderá contribuir progressivamente a redução de custos logísticos e potenciar o desenvolvimento de soluções ambientalmente mais sustentáveis”.

Reconhecendo que a implementação deste tipo de tecnologia é ainda “prematura” para a realização de previsões de poupança, do lado do Lidl o principal objetivo é passa, em primeira instância, por “elevar o grau de satisfação do nosso cliente, potenciando o nosso modelo de negócio”.

Em vez de poupança, Jorge Reto prefere indicar “ganhos no aumento da produtividade, na retenção de clientes e aumento das vendas”. Ou seja, é o outro lado da receita, não na poupança, mas sim nos ganhos e aumentos de resultados. “No entanto é verdade que se conseguem ganhar milhares de euros com otimização, por exemplo, dos stocks e distribuição, onde utilizada a IA se conseguem otimizar enormemente a gestão e com isso a poupança de milhares de euros”, defende o responsável pela Google Cloud no nosso país.

Se a poupança é um dos focos principais, a rentabilidade do investimento faz parte do “b-a-ba” de todo e qualquer negócio. Por isso mesmo, o estudo da Capgemini aponta para o facto da implementação da IA estar (excessivamente) focada em projetos demasiado complexos e não tanto em projetos “quick win” que poderão ser mais facilmente escaláveis.

Os dois retalhistas ouvidos pela DISTRIBUIÇÃO HOJE são unanimes na abordagem que fazem a esta questão e focam os holofotes no consumidor. Se no Lidl, o foco está “sempre na qualidade ao melhor preço”, o que leva a insígnia a considerar relevante, numa primeira fase, a melhoria do serviço ao cliente, criando assim laços de fidelização a médio longo prazo com os diversos públicos, Dionísio Santos salienta, também, o tipo de processos que permitem, por exemplo, a “otimização da disponibilidade de mercadoria em loja”.

Na Sonae a regra é a mesma e passa por “melhorar a experiência e a proposta de valor para os nossos clientes, utilizando a tecnologia e modelos de Inteligência Artificial para facilitar esse processo”. Por isso, Pedro Santos reforça que “o foco de um retalhista deve ser sempre a experiência do cliente”.

A voz discordante nesta questão da complexidade dos projetos vem do lado da Google, com Jorge Reto a considerar que “hoje temos vários modelos e acesso a IA de forma muito simples e com modelos acessíveis em que se podem implementar projetos rápidos (Quick Wins), à medida que os resultados vão aparecendo”, indicando que chegados a este ponto, “sim pode-se avançar para projetos mais complexos”. Considerando que a grande complexidade dos projetos de IA vem da quantidade de dados necessários para construir modelos de IA, Jorge Reto salienta que “hoje temos muitos modelos já pré-treinados e preparados para serem utilizados”, concluindo que, neste aspeto, “não vale a pena reinventar a roda”.

Humano vs Máquina
Muitos são, contudo, cautelosos quando se fala de Inteligência Artificial e todas as vantagens que poderá trazer ao negócio, com receio/medo da perda de emprego para as máquinas e a substituição da força laboral humana por máquinas a aparecer em primeiro plano. Tratando-se de uma tecnologia com uma multiplicidade de aplicações, muitas delas ainda por explorar, o responsável pelo e-commerce da Sonae MC está “confiante que é e vai continuar a ser geradora de postos de trabalho qualificados quer diretos quer indiretos”.

Seguir o caminho dos dadosPositivo tem sido, no entanto, o efeito que a IA tem na diminuição das reclamações por parte dos clientes e na evolução das vendas, reconhecendo Jorge Reto que os retalhistas estão a implementar modelos de IA principalmente para “customer care” e “customer experience”, Ou seja são soluções que permitem, por exemplo, identificar o tipo de “tom” que um cliente utiliza numa conversação, seja por e-mail ou numa conversa telefónica com o centro de apoio a clientes. Na opinião do responsável da Google, “esta identificação permite melhor adequar a resposta ao cliente conforme a sua satisfação ou insatisfação”, referindo ainda o melhor entendimento e posicionamento dos produtos, de forma a que a oferta seja, de facto, personalizada e que este “percorra o percurso que mais lhe interessa”. “Existem muitos exemplos, todos eles ligados à melhoria da experiência do utilizador e, por consequência, a sua maior satisfação e aumento das vendas”, termina Jorge Reto.

Este efeito da IA na diminuição das reclamações por parte dos clientes e na evolução das vendas visa, segundo o Lidl “conhecer mais aprofundadamente os hábitos de consumo e interesses dos consumidores, adaptando a oferta às suas necessidades e gerando uma proximidade da relação”, revela Dionísio Santos.

Do lado da Sonae, por sua vez, tem sido notório os clientes valorizarem soluções que lhes permita fazer as suas compras de forma mais cómoda, fácil e rápida. Por isso, “o trabalho contínuo na melhoria da proposta de valor para os nossos clientes e foco nas suas preferências e necessidades, traduz-se naturalmente em benefícios para o negócio, quer em termos de satisfação, quer em vendas”, explica Pedro Santos, concluindo que este panorama “dá-nos uma enorme confiança no futuro”.

Os projetos de IA

Aplicação Smart Continente / Sonae
Lançada em 2018, a app oferece uma experiência única e personalizada a cada cliente e permite construir o seu carrinho de compras em qualquer lugar, de forma rápida e eficaz usando voz, texto ou leitura de códigos de barras. Apresenta resultados de pesquisa personalizados com recurso a um algoritmo de Inteligência Artificial que aprende com o cliente em cada interação, recomendando produtos e promoções de acordo com as preferências individuais.

Disponível para iOS e Android, a app Smart Continente permite ainda a integração com o Google Home e a Amazon Alexa, sendo pioneira numa solução de compras compatível com estes dois assistentes virtuais.

Sistema self-checkout e ChatBot / Lidl
Lançado no início de janeiro de 2018 com um piloto na loja Lidl Lisboa – Alvaláxia, as Caixas de Pagamento Rápido (CPR), foram concebidas para lojas com muita adesão, permitindo que os clientes com poucas compras tenham um atendimento mais rápido e simples, sem necessidade de se dirigirem a uma caixa para efetuar o pagamento.

Para além desta solução, o Lidl está, também, a modernizar as caixas de pagamento, permitindo aos clientes uma maior interação com os equipamentos, nomeadamente na leitura de códigos de barras e/ou QR-Codes permitindo a acesso a ferramentas como o Lidl Shop&Go. Esta é uma aplicação gratuita e está disponível para Android e iOS, permitindo uma ida às compras ainda mais rápida, já que, não só existe uma caixa disponível para os clientes que usam a aplicação, evitando esperas, como, à medida que vão efetuando as suas compras, podem colocá-las de imediato no saco, não havendo necessidade de colocar os artigos no tapete. Permite ainda criar listas de compras (uma funcionalidade disponível também fora da loja – sendo possível fazer a lista de compras ainda em casa, por exemplo), encontrar a loja Lidl mais próxima, registar os artigos de forma autónoma e futuramente resgatar cupões.

Utilizado na campanha online de solidariedade animal “A Família Não se Abandona”, em 2018, este ChatBot consistia num sistema de resposta automática aos fãs do Facebook, que pretendiam contribuir para a campanha. Este tinha a capacidade de gerar diferentes conversas com os fãs, ao responder de forma diferenciada a cada conversa iniciada. O mesmo BOT permitia dava sugestões de atividades ou informações relacionadas com o tema “animais”, como: restaurantes onde levar o seu cão, sugestões de hotéis que aceitem animais, entre outros. Por fim, permitia ainda aos internautas deixarem o seu testemunho, tendo o Lidl Portugal recebido cerca de 4.000 histórias.

Apesar de terminada a campanha, o Lidl decidiu continuar a tornar os animais parte da família, mantendo o compromisso de ajudar uma associação por mês, por cada registo feito no BOT.

Google Cloud / Google
A Google é a maior empresa de IA do mundo, todos nós utilizamos produtos Google diariamente que têm embutidos em si tecnologia de IA, desde o Gmail ao Google Maps, passando por muitos outros produtos. A Google Cloud é o “a montra tecnológica” da Google para as empresas, onde disponibilizamos ao mercado e às empresas toda a tecnologia que a Google desenvolveu para sua utilização. Talvez o melhor exemplo sejam as nossas soluções de Auto Machine Learning (Auto ML) que permitem às empresas utilizar modelos pré-treinados de IA e assim arrancar muito mais rapidamente para projetos.

 

*este artigo foi orginalmente publicado na edição 472 da revista DISTRIBUIÇÃO HOJE

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