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Legal Insights

Transparência e confiança: o papel dos marketplaces na defesa do consumidor

Transparência e confiança: o papel dos marketplaces na defesa do consumidor

O setor da distribuição está em constante evolução, impulsionado pelo avanço tecnológico e pela tendência crescente da preferência dos consumidores pelas compras online. Esta mudança de paradigma tem exigido das empresas uma adaptação contínua, seja por iniciativa própria ou por imposição legal, no sentido de desempenharem um papel cada vez mais relevante na proteção do consumidor.
Neste contexto, a transposição da Diretiva (UE) 2019/2161 (“Diretiva Omnibus”) para o ordenamento português – através do Decreto-Lei n.º 109-G/2021, e da Lei n.º 10/2023 – trouxe consigo mudanças muito relevantes (e muito dispersas), que têm de ser implementadas pelas empresas, não apenas, mas em particular por aquelas que operam através de canais online.
As novas regras implicam alterações substantivas a diferentes regimes (cláusulas contratuais gerais, práticas com redução de preço, práticas comerciais desleais nas relações com os consumidores, contratos celebrados à distância e fora do estabelecimento comercial, indicação de preços e a lei da defesa do consumidor).
No que respeita às relações de consumo no ambiente digital, as alterações são particularmente interessantes do ponto de vista do consumidor, e certamente desafiantes para as empresas no que toca à sua implementação. Apesar das alterações serem, em regra, transversais, é evidente a preocupação com a proteção dos consumidores no contexto das compras realizadas através de marketplaces.
Com efeito, as preocupações de um consumidor quando realiza uma compra através de um marketplace são bastante específicas, incluindo preocupações de segurança nas transações, proteção de dados, confiabilidade e rastreabilidade do vendedor, qualidade dos produtos adquiridos, existência de políticas de proteção do consumidor, autenticidade dos produtos, qualidade do serviço de apoio ao cliente, avaliações de outros compradores, etc.
A Diretiva Omnibus tentou mitigar algumas dessas preocupações, criando obrigações adicionais para estes operadores, que se traduzem fundamentalmente num dever de manter os consumidores mais informados sobre vários aspetos.
A introdução de requisitos adicionais de informação inclui medidas como, por exemplo, a divulgação dos critérios de classificação das propostas apresentadas ao consumidor em resultado de uma pesquisa, bem como a sua importância relativa; a clarificação de que as propostas apresentadas, incluindo a disponibilidade e características do bem ou serviço são exclusivas do marketplace; informação sobre a comparação de propostas; e a identificação do estatuto profissional dos vendedores, onde aplicável.
Estas medidas têm como objetivo promover a transparência nas transações comerciais online, fornecendo aos consumidores informações essenciais para tomarem decisões informadas e protegerem os seus direitos.
No que respeita a requisitos de informação em relação a bens ou serviços digitais (e estes não são exclusivos dos marketplaces), é particularmente interessante salientar o dever de informar os consumidores sobre a garantia de conformidade (incluindo o prazo, serviços pós-venda, etc.), e sobre a funcionalidade deste tipo de bens e/ou serviços, tais como o modo de utilização e a presença de restrições técnicas. Os consumidores devem ainda ser informados sobre quaisquer aspetos relevantes sobre a compatibilidade e interoperabilidade dos bens e serviços.
Este dever de informação é fundamental para que os consumidores tenham poder de escolha, estejam protegidos contra práticas desleais e fraudulentas, e possam exercer os seus direitos de forma eficaz. Com efeito, a informação adequada promove a transparência, a confiança e uma relação saudável entre os consumidores e os marketplaces, beneficiando ambas as partes.
E é certo que se observa uma tendência clara de atribuir um papel cada vez mais interventivo e responsabilizador aos marketplaces em matéria de defesa do consumidor. Por exemplo, desde o ano passado que está prevista a responsabilidade solidária destes operadores (nos casos em que estes sejam considerados parceiros contratuais do vendedor) pela falta de conformidade dos bens, conteúdos ou serviços digitais por si disponibilizados.
Não obstante, estes operadores enfrentam desafios significativos, desde a gestão de um elevado volume e diversidade de informações, à garantia de conformidade de catálogos extensos de artigos vendidos por terceiros e à implementação de mecanismos nos seus sites que permitam cumprir os novos requisitos (em particular no que respeita aos resultados das pesquisas).
E atenção que as coimas podem ser elevadas: até 24 000 € no caso de uma grande empresa (com mais de 250 trabalhadores) ou até 4% do volume de negócios anual do infrator (com teto máximo de 2 milhões de euros), se se tratar de uma infração generalizada ao nível da UE.
Resta-nos ver em que medida estas mudanças irão ter, na realidade, um impacto relevante no consumidor e até que ponto serão benéficas na promoção de uma relação de confiança entre estes e os marketplaces.

 

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