É pacífico que certos acordos entre operadores que atuam a níveis diferentes da cadeia de produção/distribuição (i.e., acordos verticais) podem melhorar a eficiência económica, ao facilitar a coordenação entre as empresas participantes e, assim, diminuir custos de transação e/ou otimizar as vendas e os níveis de investimento.
Devido ao facto de tais ganhos de eficiência compensarem eventuais efeitos anticoncorrenciais, a União Europeia aprovou o chamado Regulamento de Isenção por Categoria para Acordos Verticais (Regulamento (UE) 2022/720 da Comissão, de 10 de maio de 2022, “Regulamento”), que visa isentar a aplicação das regras do Direito da Concorrência a acordos verticais que cumpram determinadas condições. O Regulamento e as respetivas Guidelines entraram em vigor em meados do ano passado e vieram substituir aqueles que vigoravam desde 2010, incorporando os últimos 12 anos de jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia (“TJUE”) e adaptando-se às novas realidades de e-commerce.
O conceito de “sistema de distribuição seletiva” consta, então, do Regulamento e é possível qualificá-lo como um sistema em que o fornecedor se compromete a vender os bens ou serviços a distribuidores selecionados através de critérios (objetivos e predominantemente qualitativos) definidos por contrato e, por sua vez, os distribuidores aceitam a sua vinculação a esses critérios e obrigam-se a vender apenas a consumidores finais ou a outros distribuidores autorizados, limitando o seu âmbito de distribuição.
Assim, estamos perante um instrumento jurídico que assenta na ideia de privilegiar uns distribuidores em detrimento de outros – o que é aceitável do ponto de vista do Direito da Concorrência se respeitados os requisitos do Regulamento – e permite que os fornecedores controlem a distribuição dos seus produtos.
Porém, um dos requisitos impostos pelo Regulamento é que um fornecedor não possa proibir um seu distribuidor de vender os produtos através da internet. Com efeito, o impedimento da utilização efetiva da internet é classificado como uma restrição grave (à concorrência) e, nessa medida, não beneficia da isenção conferida pelo Regulamento.
Apesar de só ter passado a constar expressamente no Regulamento a partir de 2022, este tema não é novo e já decorria da jurisprudência do TJUE desde 2011. Foi no caso Pierre Fabre (C‑439/09, de 13.10.2011) que o TJUE clarificou inequivocamente que, no âmbito de um sistema de distribuição seletivo, a proibição pura e simples, imposta por um fornecedor a um distribuidor, de recorrer à internet para a venda dos seus produtos constitui uma restrição da concorrência que não beneficia da isenção dada pelo Regulamento.
O mesmo já não pode ser dito acerca dos marketplaces, cuja restrição de utilização por um distribuidor, imposta pelo fornecedor, é legítima; tal como decorria do caso Coty Germany (C-230/16, de 06.12.2017), onde se estabeleceu que os fornecedores podem efetivamente impedir os seus distribuidores de comercializarem produtos de luxo em marketplaces, por forma a preservarem a imagem de luxo desses produtos.
Extrapolando os argumentos concretos quanto aos produtos de luxo, as Guidelines do Regulamento alargam esta proibição e esclarecem que “os fornecedores podem querer restringir a utilização de mercados em linha por parte dos seus compradores, por exemplo, para proteger a imagem e o posicionamento da sua marca, para desencorajar a venda de produtos contrafeitos, para assegurar a prestação de um nível suficiente de serviços pré‑venda e pós-venda ou para assegurar que o comprador mantém uma relação direta com os clientes”.
O que também fica agora esclarecido é que as restrições podem variar entre a proibição total da utilização de marketplaces e restrições à utilização dos mesmos que não cumpram determinados requisitos qualitativos (o que, em última instância, pode, de facto, proibir a utilização de mercados em linha, caso nenhum seja capaz de cumprir os requisitos). Qualquer que seja a forma que a restrição assuma, portanto, poderá beneficiar da isenção por categoria estabelecida pelo Regulamento.
Em suma, verificamos que um sistema de distribuição seletiva, cumprindo os requisitos do Regulamento, é um instrumento jurídico que permite aos fornecedores privilegiarem certos distribuidores e, nesse âmbito, na medida em que não proíbam, direta ou indiretamente, a utilização efetiva da internet, podem proibir a utilização de marketplaces para a comercialização dos seus produtos.