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Retalho

Miguel Pina Martins, presidente da AMRR: “Cada dia de portas fechadas é mais um prego no caixão do sector do retalho e da restauração”

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No dia em que foi recebida pela Comissão de Economia Inovação Obras Públicas e Habitação, no Parlamento, para alertar para impacto económico para os lojistas, bem como para o desemprego inevitável, caso não haja alterações à lei das rendas ou uma repartição justa dos custos suportados durante o fecho dos centro comerciais, a DISTRIBUIÇÃO HOJE, entrevistou, em exclusivo, Miguel Pina Martins, presidente da Associação de Marcas de Retalho e Restauração (AMRR).

Tudo em vésperas de se conhecer a decisão do Governo em abrir – ou não – os Centros Comerciais na Área de Lisboa e Vale do Tejo.

 

Certo é que, segundo as palavras de Miguel Pina Martins, “a esmagadora maioria dos associados da AMRR não tem condições financeiras para se manter para além do mês de julho”. Por outras palavras e fazendo as contas, “são 300 mil postos de trabalho que estão em risco”.

Apresentaram, recentemente, um estudo ao Governo e ao Presidente da República. Hoje vieram à Assembleia da República alertar a Comissão de Economia, Inovação, Obras Públicas e Habitação. Quais são, efetivamente, os principais problemas levantados AMRR?
Tivemos a oportunidade de apresentar ao Sr. Presidente da República um estudo que demonstra a falta de equidade na partilha de sacrifícios entre senhorios e lojistas. Por cada 175.000 euros de prejuízos para os lojistas, os senhorios registam apenas 1.000 euros. Tivemos a oportunidade de transmitir ao Sr. Presidente da República que as marcas estão a ser profundamente afetadas por esta crise sem precedentes e que o estudo entregue mostra claramente que não está a haver partilha de sacrifícios.

 

Apresentámos ao Governo nove medidas para salvar o sector de retalho e de restauração, entre as quais a flexibilização das rendas durante o período de encerramento forçado e período subsequente, IVA em prestações e prorrogação do layoff. Temos reunido quase semanalmente com membros do Governo e reunimos com a Comissão de Economia da Assembleia da República.

Não é possível olhar apenas para redução de custos de pessoal das lojas que, mesmo em layoff, a entidade patronal paga 20% do ordenado, mantendo a inexistência de receita, mas todos os outros colaboradores que mantêm trabalho, como armazenistas, distribuição, serviços administrativos e financeiros, além de custos constantes em telecomunicações, eletricidade, seguros ou serviços administrativos.

 

A reabertura dos centros comerciais na área metropolitana de Lisboa foi adiada, pelo menos, até dia 4 de junho. O que significa isto para os lojistas representados pela AMRR?
O adiamento da reabertura dos centros comerciais na Área Metropolitana de Lisboa (“AML”) apertou ainda mais o nó na garganta num setor com milhares de postos de trabalho. Respeitamos muito as decisões científicas, mas há duas notas que devo sublinhar: a primeira, é de que os Centros Comerciais são locais controlados e especialmente higienizados, cuja abertura evita que se empurrem as pessoas para locais sem o mesmo nível de controlo; em segundo, não escondo que criou estupefação em muitos associados o adiamento da reabertura dos Centros Comerciais em contraponto com a reabertura (e bem) de outros setores.

Esta decisão vem agudizar ainda mais o sofrimento de um setor, já de si, em dificuldades?
A decisão em relação à AML revela-nos duas dimensões. Uma dimensão com impacto imediato em que cada dia de portas fechadas é mais um prego no caixão do sector do retalho e da restauração. E uma dimensão de negociação com os centros comerciais para o médio prazo.

 

Na dimensão imediata o sector vive uma situação dantesca. A esmagadora maioria dos associados da AMRR não tem condições financeiras para se manter para além do mês de julho e, caso a situação se prolongue, apenas 7,3% dos associados tem meios para evitar uma insolvência nos próximos 12 meses. Imagine qual será o impacto social que esta situação pode revelar? São 300 mil postos de trabalho que estão em risco.

Quanto à dimensão de médio prazo, esta situação em Lisboa revela-nos que as pressões exercidas pelos centros comerciais sobre os lojistas são inaceitáveis e reveladoras de uma total ausência de sentido de cooperação. É aceitável que os centros comerciais exijam aos lojistas a assinatura de contratos de longo prazo assentes neste contexto de incerteza?!

Os lojistas, de forma geral, estão preparados para a reabertura?
Estamos prontíssimos para receber os nossos clientes num ambiente de total segurança sanitária.

As lojas e os restaurantes são dos locais mais seguros para ir. Os nossos trabalhadores receberam a devida formação. Fizemos investimentos muito significativos para que todos os Portugueses se sintam seguros nas nossas lojas.

Quais foram as principais medidas tomadas pelos lojistas espalhados por Portugal para a reabertura?
Queremos voltar a servir as pessoas e queremos que as pessoas voltem a sentirem confiança nos nossos estabelecimentos. Para isso, os lojistas adotaram planos de contingência específicos. Estão implementadas as medidas essenciais recomendadas pela DGS, desde o distanciamento físico, o álcool gel disponível, a limpeza e a desinfeção de superfícies e produtos, colaboradores com máscaras. Tudo está assegurado, só faltam mesmo os clientes!

Qual a taxa de quebra esperada para as lojas, uma vez que é expectável uma quebra nas visitas aos centros comerciais?
A grande maioria dos nossos associados está de portas fechadas há praticamente três meses. Durante este período as receitas foram inexistentes.

A sobrevivência de muitas marcas e lojas está, no imediato, na capacidade de cooperação e partilha de sacrifícios que os centros comerciais estejam dispostos a assumir, na capacidade do Governo adotar medidas legislativas que possam salvar 300 mil postos de trabalho e, como disse, no regresso dos clientes às lojas e aos restaurantes. Só após o impacto ou não destas três variáveis será possível apresentar a dimensão das quebras.

Na opinião da AMRR a reabertura dos espaços comerciais já deveria ter acontecido mais cedo?
Se o lockdown deveria ter sido mais curto ou não é uma questão que compete às autoridades políticas e de saúde avaliar. O que lhe posso dizer é que, no que diz respeito ao sector do retalho e da restauração há muito que estamos preparados para voltar a servir os nossos clientes dentro das regras de segurança.

Qual a vossa análise relativamente a esta crise e que reflexo está a ter nos vossos associados?
A nossa esperança é que os nossos piores pesadelos não se confirmem. E que os casos de catástrofe que já assistimos neste sector sejam apenas passageiros. Mas a inflexibilidade demonstrada por alguns centros comerciais e senhorios faz-nos temer o pior.

As rendas nos centros comerciais parecem ser o maior obstáculo a ultrapassar. Falando, claramente, o que pretende a AMRR?
A AMRR pretende que os sacrifícios sejam justamente repartidos. Propusemos, em relação ao mês de março, pagar 30% da renda mínima e 30% das despesas comuns. Quanto a abril e maio, e uma vez que as lojas estiveram encerradas durante todo o período a proposta é ainda assim pagar 30% das despesas comuns. Em relação à reabertura, uma solução coerente e justa será a partir do dia de abertura existir uma remuneração que tenha como base apenas percentagem contratada, ou seja um valor variável.

As ajudas pretendidas englobam, assim, Governo e operadores dos centros comerciais? Que parte do “sacrifício” fica do lado dos lojistas?
Como referi inicialmente, por cada 175 mil euros de prejuízo registado pelos lojistas, os proprietários de cada loja apresentam apenas 1000 euros de prejuízo. É um desequilíbrio insuportável para quem está há quase três meses proibido de levar a cabo a sua atividade comercial.

É urgente corrigir-se este enorme desequilíbrio, quando todos os agentes económicos estão a ser chamados a responder a um desígnio quase patriótico de promover uma rápida retoma económica. O que consideramos justo é que haja uma maior participação dos senhorios neste esforço que é exigido aos lojistas. Para isso, basta que os senhorios aceitem a isenção de pagamento de rendas enquanto as lojas estiverem fechadas por decisão do governo. Esta medida significaria que por cada euro sacrificado pelo senhorio, o lojista teria de suportar apenas 13.

É preciso ter presente que o encerramento das lojas não significa a inexistência de despesas por parte dos operadores económicos. Além das rendas (33% da despesa média de cerca 75 mil euros – nos dois meses e meio de encerramento), os lojistas pagam aos colaboradores (28%), incluindo os do layoff, a mercadoria perdida (16%), os custos fixos (14%) e suportam outras despesas (9%).

O digital parece ter sido uma das grandes transformações de diversos setores que se viram privados do contacto com o shopper. O que foi feito pelos associados da AMRR neste campo?
Os associados da AMRR adaptaram-se como não poderia deixar de ser. Mas temos de ter a capacidade de olhar para a nossa realidade e ter bem presente os hábitos de consumo dos portugueses. Assistimos a um ligeiro aumento do consumo através das plataformas digitais, era inevitável. Mas não o suficiente para atenuar a crise empresarial em que todos os nossos associados se encontram.

Como esperam o regresso dos visitantes dos centros comerciais após este período de confinamento?
Temos noção que o regresso desejado não acontecerá de um dia para o outro. Sabemos que muitos portugueses estão ainda assustados e assumem comportamentos sociais que os afastam dos seus hábitos mais comuns antes da pandemia. Cabe-nos demonstrar aos portugueses que temos os nossos locais são seguros e que podem regressar sem receios.

Será um visitante mais de saudades de visitar o centro comercial ou será um shopper a fazer compras nos lojistas?
Acredito que o primeiro contacto, o primeiro dia de regresso será uma espécie de prospeção de mercado, em que os clientes verificam as condições em que os espaço se encontram. Após esse primeiro contacto as pessoas vão voltar a ganhar confiança e a partir dai, espero, voltem a ter um contacto regular com as marcas e as empresas que estão ansiosas por os receber.

Como anteveem o resto do ano de 2020?
Se nada for feito do lado do Governo e se os centros comerciais se mantiverem irredutíveis em partilhar sacrifícios, antevemos um ano trágico. Sem precedentes na história do setor português do retalho e da restauração. A resiliência é uma das grandes virtudes deste setor, mas, infelizmente, como demonstra o estudo que desenvolvemos, apenas 7,3% dos associados tem meios para evitar uma insolvência nos próximos 12 meses.

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