Em linguagem futebolística diria que Cavaco com o seu tão inesperado quanto necessário discurso deu a todos os partidos uma “cabazada”, pondo-os em sentido, chamando-os por fim “à pedra” das suas responsabilidades. Finalmente, o presidente assumiu-se como tal e exerceu não só os poderes para que foi investido mas também a sua primeira vocação: ser o garante da estabilidade e do equilíbrio entre as aspirações políticas e as aspirações sociais. E, fosse qual fosse a decisão tomada pelo presidente, esta seria sempre aplaudida por uns e criticada por outros. A história do velho, a criança e o burro está constantemente a repetir-se nas nossas vidas e, por maioria de razão, na vida dos políticos.
Devíamos, é verdade, viver numa Democracia, entendendo-se por esta, o governo do povo para o povo. Mas não vivemos. Lamentavelmente, o nosso actual regime é uma Partidocracia, ou seja, é um governo dos partidos para os partidos. E aqui entra o presidente com uma decisão que vem com dois anos de atraso pois já devia ter sido tomada na situação de crise que precipitou o País para o resgate. Mas enfim…mais vale tarde que nunca.
(Já alguém reparou que se o Estado Português fosse uma empresa, para além de ser ingerível, já tinha ido à falência há muito tempo? Qual a empresa que aguentaria a mudança do seu CA de dois em dois anos? Qual a empresa que aguentaria a realização diária de Assembleias Gerais nas quais, os 230 representantes dos dez milhões de accionistas, se combatiam entre si com o objectivo de derrubar o CA eleito pela maioria?)
Por isso, acho que esta decisão corresponde ao mais profundo sentir dos portugueses de bom senso que não estão comprometidos ou contaminados por partidos, por corporações, por grupos de interesses ou pela opinião publicada. O que os portugueses querem é que aqueles que estejam no governo, seja quem forem, se entendam, trabalhem em conjunto, resolvendo os problemas e fazendo uma gestão séria da res publica. E que, para tal, desenvolvam parcerias, promovam sinergias, estabeleçam formas de cooptição, isto é, cooperem e compitam, em simultâneo, como cada vez mais no mundo das empresas se faz.
Há um tempo para a luta política e um tempo para a negociação e para fazer acordos sobre o essencial esquecendo obrigatoriamente o acessório. Esta questão de um acordo de salvação nacional tem de ser vista como um parâmetro fundamental do nosso futuro colectivo e não como uma mera variável de uma equação partidária. Adaptando um jargão jurídico diria mesmo que na actual situação mais vale um mau acordo entre partidos que o fantástico litígio em que estão envolvidos.
E pensando bem, quais são, na realidade, as diferenças entre PS e PSD, para além das pessoas? Será assim tão difícil dialogar e chegar a um acordo? Como diz a vox populi: se queres ir rápido vai só, se queres ir longe vai acompanhado.
Sabemos que ao BE e ao PCP não lhes interessa nada uma solução estável para o país (pois um acordo entre os outros partidos obrigá-los-ia a fazer uma travessia no deserto por muitos e bons anos) mas tão só aproveitar o descontentamento popular para, através das eleições ganharem maior número de deputados e, dessa forma, auferirem mais dinheiro do Estado para financiar as suas actividades partidárias. Ambos têm perfeita consciência que nunca serão governo nem terão de se defrontarão com a responsabilidade de resolver os problemas do país.
Com este acordo o PS terá a garantia de eleições daqui a um ano para as quais se poderá preparar com o objectivo de, aproveitando o desgaste do governo, ganhar uma maioria absoluta (??). Com este acordo o PSD e o PP não passarão pela humilhação de serem apeados de imediato ou de serem substituídos por um governo de iniciativa presidencial e ganharão mais um ano para recuperar da situação confrangedora em que se encontram de modo a manterem ainda a esperança de, em 2014, não serem eleitoralmente cilindrados.
Por outro lado, estes partidos darão, finalmente, um bom exemplo à sociedade portuguesa e ao mundo; gerando-se estabilidade e confiança e obtendo-se consequentes ganhos de eficiência; os juros da divida diminuirão; o acesso ao mercado ficará facilitado e mais barato; e juntos, prosseguindo o mesmo objectivo, terão muito mais força para alterar certas condições do nosso resgate, tais como, os prazos de pagamento e os níveis de juros.
Sabemos que não existe alternativa. Infelizmente, os Estados europeus meteram-se na boca do lobo e estão reféns dos mercados. Quem terá tido a peregrina ideia de fixar que os estados europeus só se poderiam financiar junto dos mercados, cuja natureza, como todos sabemos, é puramente especulativa? Hoje, tal como as empresas também os países concorrem entre si. E, nesta corrida aos mercados existem condições de desigualdade muito acentuadas entre países que contribuem para cavar ainda mais o fosso entre si. Mas, na actual conjuntura político-financeira não está nas mãos portuguesas mudar a situação. Terá de ser a Europa, no seu conjunto, a mudar as regras deste jogo, caso não queira comprometer, irremediavelmente, o seu futuro.
Por isso este acordo em Portugal será importante no curto prazo mas não suficiente no longo prazo. Um outro acordo mais amplo e mais profundo a nível europeu será imperioso. Um acordo que reforce a todos os níveis a coesão europeia e que crie, final e irrevogavelmente, os Estados Unidos da Europa.
Acordos precisam-se. Com urgência. O povo português e todos os europeus dão alvíssaras.
José António Rousseau
www.rousseau.com.pt