Em sociedade, as empresas assumem uma missão evidente: contribuem para a criação de emprego, satisfazem as necessidades dos consumidores e são motores do crescimento económico, da competitividade e da autonomia estratégica dos Estados. Se pensarmos na União Europeia como um “bloco”, as empresas contribuem, ainda, para integração do mercado único. Este “bright side” tende a ser esquecido ou verdadeiramente preterido por uma visão negativa e cética injustificada.
No todo do tecido empresarial europeu, o ecossistema retalhista assume particular preponderância. Além de ser “grande” – em termos de emprego, número de empresas e contributo para o valor acrescentado da União –, a sua qualidade de “interface” e de ponte, seja com a maioria dos ecossistemas industriais (entre os quais o agroalimentar, o têxtil e o turístico), seja entre fornecedores e consumidores, torna-o “especial”.
Por um lado, a maior competitividade do setor retalhista tem a potencialidade de se repercutir positivamente na economia no seu todo. Por outro lado, e pelo seu particular posicionamento como “intermediários”, os operadores retalhistas assumem‑se como players fundamentais para assegurar a transparência, a sensibilização e a coordenação dos vários intervenientes da cadeia de valor.
No contexto das duas grandes transformações em curso – digital e ecológica –, é natural a aposta da União Europeia na resiliência do ecossistema retalhista, a qual recentemente renovada através de um documento de trabalho intitulado “Cocriação de uma via de transição para um ecossistema retalhista mais resiliente, digital e ecológico”.
Os dois choques consecutivos a que o setor retalhista se viu sujeito e aos quais “vem resistindo” – a saber, a pandemia, primeiro, e a agressão da Rússia à Ucrânia, depois – motivam a aposta na resiliência numa dúplice dimensão: i) negativa (de resistência a futuros choques) e ii) positiva (de participação e contributo positivo do setor para uma transição digital, verde, justa, equitativa e democrática).
No que se refere à transformação digital, espera-se do tecido empresarial a continuidade e a intensificação da aposta nas vendas multicanal e na exploração das vantagens da Inteligência Artificial, da computação em nuvem ou da blockchain, combinando as tradicionais lojas físicas com serviços em linha, no contexto de uma experiência de compra sem descontinuidades. Inclusive as lojas físicas poderão ver o seu “papel” reconfigurado, uma vez transformadas em showrooms, onde a tecnologia não deixará também de assumir presença, através dos sistemas de pagamento contactless ou da introdução da realidade aumentada para que o cliente possa experimentar roupas e testar produtos.
Já no plano da sustentabilidade e da transição verde, além da adaptação das operações da empresa e da respetiva cadeia de valor (no contexto de um dever de diligência em matéria de sustentabilidade), espera-se, ainda, a capacidade de sensibilização do consumidor para produtos e serviços mais sustentáveis e circulares, através de estratégias de marketing.
Tudo isto se repercutirá em vantagens sociais não despiciendas. E tudo isto poderá ser monitorizado através de indicadores claros que evitam o digital – e o greenwashing.
Mas tudo isto vem, em contrapartida, associado a enormes custos, num momento em que para a grande maioria das empresas (PME), a viabilidade financeira e a sobrevivência no curto prazo são a prioridade. Com efeito, segundo estimativas divulgadas pela Comissão Europeia, assegurar uma transição digital, ecológica e de competências do ecossistema retalhista da UE exigirá um investimento entre 155 e 230 mil milhões de euros até 2030.
Das empresas, pode esperar-se muito. Mas não se pode esperar tudo. Não, num contexto de forte inflação, subida dos preços da energia e escassez de produtos básicos. A importância social do ecossistema retalhista, mais do que respeitada através da proibição de medidas restritivas desproporcionadas, deverá ser apoiada positivamente através de medidas estaduais.
Se a União Europeia lidera pelo exemplo, importa que os Estados-Membros a acompanhem. Senão no investimento, pelo menos nos enquadramentos normativos e regulatórios que adotam.
Com efeito, em 2022, a Comissão Europeia publicou uma atualização do Indicador de Restritividade no Comércio Retalhista (“IRR”), ilustrando as diversas restrições à criação de estabelecimentos retalhistas e ao funcionamento diário das lojas. Mais recentemente, veio recordar que, pese embora o contexto de crise e a prossecução de objetivos de política pública possam justificar a adoção de medidas restritivas, estas devem ser adequadas aos objetivos prosseguidos, não ultrapassando o necessário para os atingir, o que deve ser compaginado com o facto de as restrições à entrada e ao exercício da atividade retalhista dificultarem a inovação e a criação ou a adaptação dos modelos de negócio às exigências da dupla transição.
Dos Estados exige-se, pois, e além do apoio ao investimento financeiro em infraestruturas, tecnologia e competências, a criação das condições para um ambiente empresarial favorável e para um enquadramento regulatório business-friendly, com particular atenção às PME.
Apoiar as empresas não significa abandonar as pessoas. Mas abandonar as empresas pode significar esquecer as pessoas (que através delas ou graças a elas se realizam).