Se houve algo que a covid-19 trouxe ao retalho foi uma aceleração da relação dos consumidores e as empresas através do digital. Foi preciso reinventar soluções, estar mais próximo dos consumidores e permitir uma melhor experiência do e-commerce. Houve quem tivesse criado alternativas de compras online fruto das novas necessidades e alguns estudos indicam que esta tendência veio para ficar e que a fase pós pandemia continuará a ter adeptos das compras online.
A pandemia de covid-19 tem alterado a forma como o consumidor passou a comprar. A DISTRIBUIÇÃO HOJE já publicou alguns estudos e artigos e também já ouvimos representantes de várias empresas e consultoras ao longo destes meses vividos entre Estado de Emergência, situação de calamidade, confinamento e desconfinamento gradual, com a retoma de algumas atividades profissionais e escolares. Segundo um relatório divulgado em outubro e assente numa investigação levada a cabo em nove países, pela United Nations Conference on Trade and Development (UNCTAD) e pela NetCoom Suisse eCommerce Association, foi possível analisar o impacto que a covid-19 tem no consumo. E, se por um lado vivemos uma crise sem precedentes a nível mundial, por outro, as novas tecnologias têm permitido que as marcas e os comerciantes vendam os seus produtos aos seus clientes e mantenham os seus negócios, ainda que parcialmente.
O relatório apresenta a forma como os cerca de 3.700 consumidores de nove países (Brasil, China, Alemanha, Itália, Correia do Sul, Rússia, África do Sul, Suíça e Turquia) adotaram o e-commerce e começaram a sentir-se confiantes nesta alternativa ao consumo presencial. Percebeu-se também que os negócios com uma forte presença digital e uma perspetiva a longo prazo terão mais oportunidades de ter sucesso no futuro, numa era pós-covid-19 que, para já, ainda não é equacionada nem previsível.
Através da realização de um total de 1.600 questionários, percebeu-se que as mudanças nos hábitos de compra terão impacto na forma como o consumo se irá desenrolar no futuro. “As compras online aumentaram de 6 a 10 pontos percentuais na maioria das categorias de produtos”, pode ler-se no relatório. Por outro lado, concluiu-se que “os consumidores em economias emergentes foram os que mais transitaram para as compras online”. Os países desenvolvidos têm, por norma, uma maior participação de consumidores online ativos, facilitada pelo acesso alargado de internet, o que permite comparar o comportamento do consumidor em diversos países e perceber até que ponto as tecnologias podem facilitar o crescimento das economias emergentes.
Segundo a pesquisa, a maioria dos inquiridos da China, da Turquia e da Coreia do Sul fizeram compras online com mais frequência desde o aparecimento da covid-19. “Por outro lado, um menor número de consumidores da Alemanha e da Suíça aumentou o total de compras online.” Percebeu-se também que em todos os países, as pessoas com estudos ao nível do Ensino Superior e as mulheres são as mais propensas a fazer mais compras online. “Os consumidores dos 25 aos 44 anos revelaram um aumento mais forte em comparação com os mais jovens”, refere o relatório.
Categorias vencedoras
Do total de compras realizadas por e-commerce, os produtos eletrónicos ou ligados às tecnologias de consumo, as ferramentas de bricolage e jardinagem, os produtos farmacêuticos ou ligados à área da saúde representam as categorias com maior crescimento ainda que o gasto médio mensal por cliente tenha diminuído. Por outro lado, os cosméticos, produtos de higiene pessoal, de alimentação e bebidas foram as categorias que mais cresceram durante a pandemia. Em contrapartida, os setores do turismo e viagens sofreram um grande impacto com um gasto médio por consumidor online a cair em 75%.
No que respeita às plataformas de comunicação mais utilizadas, o Zoom e o Microsoft Teams foram as mais utilizadas pelos inquiridos da Alemanha, da Rússia, da Itália, da África do Sul, da Turquia e da Suíça. O uso de plataformas como o WhatsApp e o Facebook Messenger permaneceu relativamente constante na China onde se verificou também o aumento de plataformas de comunicação internas, como o WeChat, o DingTalk e a Tencent Conference.
Relativamente aos meios de pagamento disponíveis, os consumidores da maioria dos países preferem os meios tradicionais à disposição online. “Os consumidores chineses pagam sobretudo com smartphone, recorrendo a aplicações como o Alipay ou o WeChat Pay Swiss”, lê-se no relatório.
A grande maioria dos inquiridos dos nove países demonstram uma maior preferência pela entrega ao domicílio das compras que adquirem online. “Os consumidores de economias emergentes demonstram focar-se no essencial e adiam despesas maiores”, revela o estudo. São também estes que assumem a possibilidade de fazer compras online com maior frequência no futuro. Nestes países, a utilização de internet para encontrar informações relacionadas com a saúde também tem vindo a crescer.
E, se por um lado, os consumidores chineses e turcos expressam uma forte preferência pelo e-commerce em detrimento das compras em lojas físicas, os consumidores italianos, alemães, suíços e russos assumem uma opção equilibrada entre o retalho físico e digital.
Ao que indica esta pesquisa, as mudanças vieram para ficar e a maioria dos entrevistados assume que, no futuro, terá um comportamento semelhante relativamente às compras online.
Ganhar a confiança dos consumidores
Também a Nielsen tem vindo a abordar esta tendência de consumo sobretudo no período de confinamento em que as alternativas eram mais escassas. No começo de outubro, a consultora veio demonstrar que no começo da pandemia de covid-19 houve uma grande dependência das compras online por vários consumidores de todo o mundo. Seis meses depois, assistimos a uma dependência dos consumidores pela experiência de compra omnicanal.
Ao analisar diferentes grupos de consumidores, a Nielsen concluiu que o e-commerce acaba por ser mais crítico para aqueles cujo orçamento mensal foi reduzido e ficou mais limitado devido ao desemprego, a situações de lay-off ou outras. “Mesmo que ocasionalmente optem por compras em lojas físicas, tornaram-se muito dependentes do online”, avança a Nielsen. Por outro lado, são também eles “que pesquisam ativamente os preços, os produtos e as promoções que possam corresponder à sua capacidade económica mais reduzida. São esses que pesquisam e compram online com mais frequência para obter as melhores ofertas sem ter de incorrer em custos de viagens”, assinala Ailsa Wingflield, diretora executiva da Global Connect da Nielsen.
Segundo o Estudo “Shopper shifts to a new normal wave 2”, 9% dos consumidores faziam compras online de forma regular antes da pandemia de covid-19. Mas à medida que a movimentação de pessoas começou a ser mais restrita e houve uma obrigatoriedade de confinamento, a adoção do e-commerce disparou subindo a percentagem para 27% de pessoas que fizeram compras online pela primeira vez. “Em maio de 2020, 44% dos consumidores afirmavam que compravam através de e-commerce todas as semanas, 23% relatava que esta opção era utilizada várias vezes por semana. Para os consumidores mais restritos (com menos orçamento para o consumo), estes indicadores são ainda mais significativos: 31% são novos consumidores, 30% compram online várias vezes por semana, contra 18% de consumidores isolados. Outro dado interessante diz respeito ao facto de 20% de consumidores restritos usarem agora regularmente o online como o seu canal mais frequentado.
Como forma de ganhar a confiança dos clientes, os retalhistas adquiriram novos desafios, como por exemplo, entender de que forma é que os consumidores utilizam as compras online e esforçarem-se para proporcionar boas experiências de compra, tanto no online como no offline, para que os consumidores voltem.
Novos tempos, novas necessidades
A GfK Portugal também já apresentou algumas conclusões de um estudo sobre as mudanças significativas que têm ocorrido nos últimos meses no mercado global de bens de consumo eletrónicos. A pesquisa, realizada pela GfK, em mais de 70 países em todo o mundo, com base no painel de retalhistas para os mercados de bens de consumo eletrónicos, fotografia, telecomunicações, tecnologias de informação, equipamentos de escritório e os segmentos de grandes e pequenos eletrodomésticos, veio demonstrar que, apesar da volatilidade da atual conjuntura, o mercado está a recuperar impulsionado pelas transformações no comportamento de compra dos consumidores, nomeadamente através de uma maior aquisição de produtos online”, revela a consultora.
O mercado tem mostrado cada vez maiores oscilações, com produtos a verem as suas vendas descer em 6%, como as telecomunicações, e outros com um crescimento expectável de 15% em valor, como é o caso dos equipamentos de escritório e consumíveis. Neste último, a mentalidade dos consumidores sofreu uma mudança de “eu quero” para “eu preciso” em relação a produtos que permitem trabalhar a partir de casa. O teletrabalho veio assim trazer novas necessidades de consumo no sentido de ter os produtos necessários para trabalhar. Também o segmento de pequenos eletrodomésticos acelerou após o confinamento com uma recuperação de +9% em valor para o ano de 2020. Da mesma forma, os bens de consumo eletrónicos (-1% em valor) e os grandes eletrodomésticos (-2% em valor) resultado da necessidade de se passar mais tempo em casa.
A GfK Portugal analisou também as diferenças entre as várias economias destacando que “os países desenvolvidos estão a saber lidar com o impacto que a pandemia está a ter em comparação com as economias emergentes. Por exemplo, a Europa, com uma taxa de crescimento de +5%, demonstra a capacidade de investir em bens de consumo, mesmo em tempos de crise. Do outro lado do mundo, espera-se que os países asiáticos emergentes desçam em -6%, uma vez que o clima económico afeta diretamente a capacidade de gastar dos consumidores”, revela a consultora.
As vendas de produtos com importantes benefícios de simplificação, saúde e bem-estar aumentaram substancialmente e a pandemia adicionou um valor significativo aos produtos que prometem facilitar a vida dos consumidores e que permitem a gestão do seu tempo em casa de forma mais eficiente. É o caso dos robots de cozinha que viram o seu valor duplicar no período entre maio e julho de 2020, face ao período homólogo de 2019 ou as máquinas de lavar loiça que aumentaram 16% face ao mesmo período. A médio-prazo é esperado um crescimento continuado destes produtos.
Entre maio e julho de 2020, houve uma aceleração das vendas de dispositivos de tratamentos de ar com vendas acima dos 20% em comparação com o período transato.
“À medida que a higiene começa a desempenhar um papel mais importante no dia-a-dia dos consumidores, espera-se que as máquinas de lavar roupa com função de vapor para matar bactérias e vírus continuarão a vender significativamente. Estas registaram um crescimento de 32% em valor, de maio a julho de 2020, em comparação com o período homólogo”, prevê a GfK Portugal.
E em Portugal?
O estudo de mercado “Experiência de compra online e de operações last mile”, divulgado em setembro passado pela Deloitte confirma que o contexto da pandemia tem alavancado o comércio digital em Portugal de forma exponencial. Através da análise a 160 operadores portugueses relativamente ao seu desempenho na vertente digital e nas operações logísticas, foi possível identificar oportunidades que permitirão aos diferentes setores prosperar nestes novos tempos.
“A compra online é, para uma fatia significativa da população, o novo normal. O acesso a partir de casa a um mercado global é uma realidade avassaladora e, todos nós, enquanto consumidores, elevamos os padrões de utilização do digital para níveis surpreendentes. Queremos as lojas na palma da nossa mão. Queremos que as máquinas que nos servem se lembrem que somos humanos. Não aceitamos não encontrar o que procuramos e, acima de tudo, não queremos esperar”, defende Pedro Sousa Pinto, associate partner da Deloitte Portugal. É inevitável, acrescenta: “A experiência de compra no digital é hoje uma variável preponderante na equação para não ser levada de forma séria e consistente por todas as organizações que queiram singrar neste novo mundo do retalho”.
Como principais conclusões, este estudo de mercado indica que a velocidade de carregamento e estabilidade visual dos websites dos operadores portugueses apresenta-se, de forma generalizada, inferior à recomendada, afetando a experiência de compra do consumidor. No entanto, 95% dos operadores em Portugal dispõe de websites responsivos permitindo ao consumidor realizar as suas compras online em dispositivos tablet e mobile e encontrar canais digitais adaptados.
O relatório revela que “os consumidores valorizam experiências com menos cliques, pelo que os operadores deverão possibilitar a compra sem necessidade de registo e fomentar one page check-out (disponíveis em 61% e 47% dos websites, respetivamente). Os meios de pagamento também são fatores valorizados pelos shoppers. Assim, os operadores deverão diversificar as opções de pagamento, adaptadas aos diferentes perfis de consumidores, e apostar na implementação de métodos digitais, como por exemplo, o MB Way (35% dos operadores disponibilizam este método de pagamento), cada vez mais valorizado pelos consumidores portugueses. E, se há uns anos, com a crise económica europeia, as promoções ganharam terreno, nestes novos tempos, a situação é idêntica. “O consumidor é altamente suscetível a descontos e 81% dos operadores portugueses respondem a esta tendência apresentando uma categoria dos seus websites dedicada a artigos em promoção”, conclui o estudo.
72% dos operadores apostam na sugestão de produtos complementares durante o processo de compra online, para proporcionar uma melhor experiência e maximizar a probabilidade de vendas adicionais. Por outro lado, os comentários e as classificações de produtos são tendências ao nível da experiência do consumidor e valorizados no processo de decisão de compra, sendo, no entanto, funcionalidades apenas disponíveis em aproximadamente 40% das lojas online.
Percebeu-se com esta pesquisa que os clientes valorizam a disponibilização de stock disponível nas suas lojas, uma vertente que poderá contribuir para a deslocação diretamente às lojas físicas e refletir-se no aumento de compras espontâneas adicionais. Também a velocidade de entrega é essencial para quem opta pelo e-commerce sendo considerado um dos fatores mais diferenciadores e essenciais no momento de compra. “Os operadores portugueses demoram, em média, 3,5 dias a entregar os produtos comprados online”, indica o estudo. Destaque ainda para o facto de “20% dos operadores nunca cobrarem qualquer custo ao consumidor pelo serviço de entrega e a vertente de entrega mediante um valor mínimo de encomenda apresenta uma expressão considerável, podendo ser explorados novos modelos que permitam diluir os custos operacionais”.
No que respeita ao click&collect, apenas 54% dos operadores disponibiliza aos consumidores a possibilidade de recolha em loja dos produtos adquiridos, que remete para uma oportunidade de redução de custos para os operadores e que poderá resultar em vendas adicionais nas lojas físicas. Os consumidores procuram flexibilidade e versatilidade na logística de devoluções, mas apenas 52% dos operadores dispõe de canais integrados, permitindo a devolução de produtos através de qualquer canal disponibilizado (independentemente do canal de compra).
O estudo de mercado da Deloitte, intitulado “Experiência de compra online e de operações last mile”, demonstra que mais de metade dos operadores analisados possibilitam que os consumidores realizem as suas encomendas online sem necessidade de criar uma conta de utilizador nos websites, sendo esta prática muito comum no setor de eletrónica e telecomunicações (93% dos operadores). Esta opção revela-se muito valorizada, principalmente por consumidores que contactam com determinada empresa pela primeira vez, bem como por aqueles que privilegiam uma experiência seamless e ágil, o que pode gerar um aumento da taxa de conversão de até 45%. Por outro lado, empresas que optam por colocar a obrigatoriedade de registo (mais frequente no setor alimentar e de bebidas), conseguem obter informações e dados dos consumidores, histórico de compras e determinadas preferências, e dessa forma, poderão desenvolver campanhas de marketing direcionadas, recomendar produtos e obter feedback dos seus clientes. De forma a conseguir este tipo de informações, os operadores procuram cada vez mais alternativas para acelerar o processo de registo, sendo cada vez mais frequente, nos websites, a disponibilização de opções de registo de cliente através dos dados de conta associadas às redes sociais (como por exemplo, Facebook e Google).