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P&R a António Soares(ex-ICA CEO): “O everyday low price é algo muito complicado

P&R a António Soares(ex-ICA CEO): "O everyday low price é algo muito complicado

Poucos portugueses ligados ao retalho alimentar tiveram uma experiência internacional tão rica como António Soares. Esteve 10 anos no grupo Jerónimo Martins, em Portugal, Londres e Polónia. Depois foi convidado pelo grupo Ahold para tomar conta da ICA nos países do Báltico. Daí rumou para a Noruega.Depois de 13 anos no exterior, António Soares volta a Portugal com a ideia de ajudar empresas portuguesas a internacionalizarem-se para o Báltico e Escadinávia.

Depois de uns anos na Noruega regressa este ano a Portugal. Uma vez por cá quais são os seus planos

Tenho algumas ideias para dar apoio à industria portuguesa nos mercados internacionais que conheço bem. Vi alguns casos de sucesso de produtos portugueses a serem vendidos nesses países, principalmente no retalho alimentar. Para além da vantagem da Escandinávia não estar em crise ou estar a viver uma crise muito suave. Exportar para países em que a crise está tão mal ou pior que a nossa não vale a pena.

Outra das ideias é fazer aquilo que realmente gosto que é desenvolver conceitos de loja. E tenho a hipótese de me juntar a uma agência de design francesa com quem já trabalhei em projetos no Báltico e na Escandinávia que vê com bons olhos a cooperação entre a componente de gestão e a componente de design e ver como isso pode contribuir para a parte estratégica do negócio. Desenhar lojas não significa sucesso garantido a não ser que exista todo um acompanhamento de gestão que faça por isso. Ou seja, estou a explorar ideias nestes duas vertentes.

 

Alguma dessas ideias pode passar por voltar a estar ligado ao grupo Jerónimo Martins, por exemplo? 

Quando uma pessoa se torna expatriado por opção aceita riscos e mudanças de um dia para o outro, por  isso não tenho ideias fixas nem pré-estabelecidas. Se existirem ideias interessantes posso ver-me a funcionar junto um grupo qualquer, português ou internacional. E em termos de geografias estou vulnerável ao sentimento de aventura que agora começa a estar presente dentro de mim.

 

Ao fim de quase 14 anos no exterior volta a Portugal que, apesar da crise está muito evoluído no que respeita ao retalho alimentar, concorda?.  

Durante anos fomos beber a França os conceitos de retalho alimentar e acabamos de nos juntar àquilo que considero ser, ainda, o mais avançado retalho alimentar da Europa. Apesar dos problemas que o Carrefour. Quer queiramos, quer não  eles foram sempre mais avançados nas grandes superfícies que o resto da Europa. No caso do supermercado, o grupo Jerónimo Martins teve sempre grandes aliados onde se tiraram grande ideias, não só na parte de conceito de loja mas principalmente na parte da gestão. E isso faz com que um profissional de retalho alimentar português seja bem vindo no estrangeiro e tenha sempre valor a acrescentar às discussões que estão a ser feitas. Eu não era melhor nem pior do que os meus colegas que ficaram em Portugal.

 

E como vê a crise económica a afetar o setor do retalho alimentar?
O retalho alimentar é sempre o último a entrar em crise. Acaba por ser na primeira fase beneficiado pelo facto pessoas deixarem de frequentar os restaurantes e voltarem a comer em casa e, muitas vezes, antes de se começar a sentir um verdadeiro impacto a crise volta para trás. Esta que vivemos em Portugal já se sente há muito tempo e o alimentar começa a sentir-se. As crises acabam por ser mais ingratas para um hipermercado que vê as vendas reduzirem no não alimentar e que serviam para ajudar a ter margens e ser competitivo no alimentar. A grande superfície acaba por ser a primeira a sofrer na crise e há um regresso à compra local e uma certa facilidade em não mexer no carro e passar a ir ao supermercado de bairro. Ao fazer-se isso o supermercado de bairro tem de baixar os preços e já não pode ter a proximidade paga como premium. Na Noruega, apesar de ser um país rico, nunca deixaram morrer a proximidade e nem houver nenhum hipermercado vingasse.Tem a ver com uma questão cultural, o povo norueguês não passa duas horas a comprar comida, ou para comprar seja o que for. São extremamente ligados à natureza e não querem perder tempo. Quando lá estive medimos o tempo que um consumidor, em Oslo, passa dentro uma loja alimentar é em média de 6 minutos. Vimos nas nossas lojas e nas lojas dos concorrentes. As pessoas usavam as lojas como a sua dispensa, iam 4,5 vezes por semana à loja ir buscar qualquer coisa para o jantar, o que fez com que o alimentar de proximidade continuasse a ser suportado e se desenvolvesse no sentido de ter preços à altura. Surgiram uns soft discount com conceitos muito parecidos com os que havia em Portugal, como o Dia, etc. Criamos, na ICA, modelos um pouco mais sofisticados mas com preços agressivos e muita eficiência, possibilitando trabalhar as lojas com poucas pessoas. Aliás, a simplicidade do conceito ajuda a que se franchisasse facilmente. Mais uma vez uma questão cultural, o escandinavo não gosta de trabalhar para outras pessoas, gosta de ter o seu negócio, gosta de ser o franchisado, que é algo que não se vê a evoluir muito em Portugal, sobretudo no mercado alimentar, e isso, por si só, é um campo a questionar.

 

Falando no tema que vai apresentar no inRetail Congress, no próximo 8 de novembro, o que é que o mercado português pode aprender com o mercados do Báltico e da Escandinávia?

Vejo em Portugal uma tendência muito grande para chamar a atenção através de campanhas demenciais, que é algo muito difícil de voltar para trás. O “everyday low price” é algo muito complicado, principalmente porque é difícil de comunicar, não é excitante, não é sexy. No entanto, na ICA conseguimos lançar uma cadeia de soft discount e, aos poucos, chamar a atenção do consumidor para certas referências para depois se ajustar o “everyday low price” para um leque de produtos maiores. Acho que, sendo a proximidade um argumento importantíssimo, e havendo alguns dos operadores portugueses muito bem posicionados para lutar por isso, poderão ter um dia que admitir que um “everyday low price” menos louco acaba por deixar mais beneficio no bolso do consumidor. A “loucura”  acaba por contrair hábitos de armazenamento de bens que não são necessários de imediato, e durante meses o consumidor não vai à loja comprar, e isso, financeiramente é uma estupidez. A família que paga mais impostos, que tem de vender o carro ou que tem desemprego perde mobilidade e vai atacar o tamanho da compra média pois não consegue andar com 40 sacos de plástico debaixo do braço. A compra média baixa e não se justifica ir a hipermercado. Se já não se justifica  jogar com a proximidade, para quê estas campanhas loucas se o consumidor já está fatalmente ligado ao supermercado?

 

 

Por falar em promoções, esteve certamente atento à promoção do 1 de Maio do Pingo Doce, qual a sua opinião?

Sim, ainda não estava cá mas telefonaram-me logo. Vai ao encontro daquilo que disse anteriormente, acho que toca um nervo que dispara comportamentos irracionais, comportamentos que podem vir a destruir valor em loja. As lojas esvaziam-se de tal maneira que primeiro que se estabelece a cadeia exige um certo sacrifício dos fornecedores e dos empregados de loja.

 

 

Ainda em relação às questões dos hipers e supers, o hipermercado tem futuro ou tem os dias contados?

Aquilo que se vê a nível europeu, principalmente, está a surgir o surgimento de conceitos híbridos. Ou seja, entre o hiper e o super nasceu um compacto de três mil metros quadrados com uma pequena oferta de não alimentar a ter mais sucesso que o hipermercado, embora se peça cerca de 40 minutos para fazer compras nesse espaço, sendo que no hipermercado pode durar hora e meia. As crises fazem com que as pessoas deixem de fazer as compras de impulso, e por isso pode ser que o hipermercado de 10 mil metros não faça parte do futuro, talvez sim em mais formatos condensados. No Báltico tinha duas lojas de nove mil metros quadrados, reduzi-as para cinco mil, arranjei parcerias de não alimentar para colocar num lado e outro da loja, ninguém deu pela diferença e as vendas subiram 20%. O sucesso daquilo foi tremendo, deixei a funcionar 33 lojas que faziam metade dos lucros da companhia no Báltico.

 

 

E como é o relacionamento entre Produção e Distribuição, quer na Noruega ou na Suécia?

Há as sementes da mesma violência que existem em todo o lado. E há sempre ondas de legislação para proteger o pequeno comércio e o produtor. Em todos os países por onde estive. E acabam sempre por surgir as figuras do código de conduta para tentar amenizar o ambiente e reduzir a necessidade de fazer leis mais agressivas contra os grandes grupos económicos. Na Polónia, nos três países do Báltico e na Escandinávia, não existiam grandes diferenças.

 

*António Soares será orador no inRetail Congress com a apresentação especial: “Noruega – Reaprender o retalho numa Europa sem crise” 

 

**Leia a entrevista na íntegra na edição de Outubro da DISTRIBUIÇÃO HOJE 

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