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“Há uma transformação gigante do ponto de vista do consumidor. O consumidor quer ter poder para decidir”

"Há uma transformação gigante do ponto de vista do consumidor. O consumidor quer ter poder para decidir"

Sebastião Lancastre, CEO e fundador da easypay, esteve à conversa com a DISTRIBUIÇÃO HOJE, abordando a transformação ocorrida nos últimos anos na área dos pagamentos. Defendendo estarmos a viver a era do poder do consumidor, este especialista em pagamentos diz-nos também que a aposta da empresa, em 2023, irá para a área das subscrições. Confira toda a entrevista nas linhas em baixo.

O panorama mundial em termos de pagamentos tem vindo a alterar-se de forma profunda com a introdução de novas tecnologias e nova regulação. Como têm visto a evolução do ecossistema?
Com duas perspetivas completamente diferentes. Temos uma primeira perspetiva que está relacionada com tudo o que diz respeito à tecnologia e segurança. A indústria, de uma forma geral, tem alguma atenção e se calhar recebeu melhor essas recomendações do que outras inovações que o mercado quis apresentar. Portanto, podemos falar de strong customer authetication (SCA). Todos nós fomos impactados e passámos a sentir isso na pele no dia a dia em dois momentos. No momento em que chegamos ao banco e queremos fazer uma consulta dos últimos movimentos e eles dão-nos um token e dizem para fazer a autenticação. Em termos de segurança, email e password são fracos. Por isso, pedem-nos uma OTP (One Time Password). No caso dos pagamentos à distância, a SCA também apareceu. É uma obrigatoriedade na Europa, não é no resto do mundo. A Europa está, no fundo, a dizer ao resto do mundo como se devem fazer transações à distância, com resultados extraordinários. A fraude com cartões teve um decréscimo de 85% nestes primeiros meses de implementação. De facto, se, por um lado, é um pouco maçador, porque nos obriga a saltar de apps enquanto estamos a fazer compras, por outro, consegue muito mais segurança. Em Portugal ainda demos um nó maior, porque pusemos o MB WAY no meio. No princípio causou alguma confusão. Mas houve outro problema, apesar de residual. As pessoas que não têm smartphone, como é que fazem compras à distância? Não fazem. Foram excluídos. Está a trabalhar-se numa tecnologia que lhes permita fazer compras. Mas acho que tudo o que foi o pacote da PSD2, que fomos obrigados a implementar, o SCA foi o que teve mais visibilidade e sucesso. Há duas coisas que acreditava que iam ser muito importantes e acho que foram um flop. A iniciação de pagamentos… basicamente havia a ideia que em vez de utilizar o cartão podíamos usar a conta bancária para fazer pagamentos, quer no ponto de venda quer à distância. Nem no ponto de venda nem à distância isto resultou. Porquê? Porque a user experience é, pura e simplesmente, horrorosa. Para que é que vou carregar em três botões, pôr quatro passwords se posso apresentar o meu cartão e já paguei. Portanto, acho que a iniciação de pagamentos foi um nado-morto. Com alguma distância, podemos dizer que os incumbentes foram muito espertos e deram um nó cego nas recomendações que fizeram as autoridades. O processo foi tornado tão complexo que morreu. O segundo serviço que foi um flop foi a agregação da informação financeira. Acreditei que podia ser muito interessante. Sou multibancarizado, por múltiplas razões. Achei que podia ser muito interessante ter uma app onde carregasse num botão e, no fundo, fosse beber todas as transações que tinha feito em todo o lado, em todos os bancos. Só que, mais uma vez, os bancos foram espertos e também deram um nó cego. Obrigaram, no fundo, que as credenciais tivessem de ser renovadas de 90 em 90 dias. Renovar uma credencial é simplesmente horroroso, ninguém tem paciência para o fazer de 90 em 90 dias. É mais fácil ir ao banco, fazer o download dos ficheiros e juntar tudo. Eram estas perspetivas que gostava de dar.

Mas, na prática, a conclusão é?
A conclusão é sempre a mesma: Quem manda é o consumidor. Podemos ter grandes ideias, o produto ser bom, mas se sobretudo o consumidor não quiser usar, a ideia vai morrer.

Portugal está, na análise que é possível fazer, a aproximar-se dos standards mundiais em termos de boas práticas e alargamento do mercado? Estávamos atrasados?
Evidentemente. Posso dizer-lhe que sendo membro convidado para participar no Fórum de Pagamentos, um órgão consultivo do Banco de Portugal, onde estão representados todos os setores e principais organizações e bancos, recordo-me de a determinada altura se ter criado um grupo de trabalho para ver se podíamos acelerar o uso de contactless. Havia uma série de bloqueios, mas acho que o principal bloqueio que havia estava relacionado com o facto de as pessoas demorarem muito tempo a mudar os seus comportamentos. Só quando são confrontadas com um evento grave, como foi a covid e a pandemia, é que mudam o seu comportamento. Passámos de um momento em que ninguém usava contactless, para um momento em que toda a gente os adotou. Isso fez explodir completamente a tecnologia, só que a tecnologia já existia. Se não existisse, iríamos mesmo ter de pôr o cartão e tocar com os dedos no teclado. Porque havia a tecnologia, explodiu a utilização. Hoje, temos alguma dificuldade em imaginar o que seria 2019. Foi há 24 meses, 30 e poucos meses… Nessa altura não usávamos contactless. A pandemia fez dar uma volta de 180 graus e passámos a usar esta tecnologia e, hoje, por exemplo, sendo fã destas tecnologias, há dois meses que estou a experimentar sair exclusivamente com o telemóvel. Isto hoje já é possível, mesmo em Portugal. É cada vez mais raro o sítio onde nos obrigam a pagar com dinheiro.

Contactless? Passámos de um momento em que ninguém usava contactless, para um momento em que toda a gente os adotou”

Mas qual é a sua conclusão? Estamos atrasados?
Vamos um bocadinho atrás, mas a pandemia obrigou­‑nos a acelerar no que diz respeito a este tipo de pagamentos. Seja no retalho, no ponto de venda, seja à distância, no e-commerce.

Em termos de contactless, há também a questão da segurança…
A segurança nunca está assegurada a 100%. Todos os dias assistimos a ações de phishing. Ainda há alguns dias, um amigo me ligava porque lhe tinha acontecido uma destas ações por ter clicado num botão onde não devia ter clicado. Por muita informação que as pessoas tenham, porque estão numa situação de stress ou de distração, cometem ações que não devem. Há alguns mecanismos que a indústria tem para proteger os utilizadores, mas, de facto, temos de ter consciência que ao ativar o contactless nos cartões, no fundo estamos a autorizar que um terceiro, se apanhar o cartão, possa fazer compras. É por essa razão que deixei de usar cartões e uso o relógio ou o telefone. Nesse sentido, estas ferramentas, pelo menos a mim, dão uma sensação de maior segurança. Mas também temos de olhar para a fraude propriamente dita, mas ela é muito reduzida. É um daqueles exemplos em que a conveniência é muito superior à eventual fraude que pudesse existir.

Aqui no contactless… O problema era o consumidor que não estava recetivo ou eram os próprios comerciantes que não renovavam os seus terminais?
Era o conjunto. Quando estamos a falar de grandes números não há só uma razão. O primeiro aspeto: os cartões não tinham contactless. Depois, nem todos os terminais aceitavam contactless. À parte disso, ainda havia a pequena guerra, vamos dizer assim, entre MB WAY, Visa e Mastercard. Andávamos entre apps a decidir como íamos pagar. Isso também teve de ficar clarificado. Mas havia outra questão. Os consumidores estavam habituados a inserir o cartão e pôr o PIN… São eventos extraordinários, como foi a pandemia, que fazem as pessoas mudarem comportamentos. A partir de agora, acharia difícil andar para trás. Eu, enquanto consumidor, quando estou na linha do supermercado, sem mala… só não ter de tirar a carteira do bolso e com o relógio pagar tudo, é de uma conveniência inacreditável. Fico a pensar como é que nem toda a gente tem isto. Dá segurança e é hiperconveniente.

Também os retalhistas, entre outros setores que lidam com o público, têm convergido para novas soluções. Hoje é essencial garantir múltiplas possibilidades na hora de pagar. Ainda há trabalho para fazer neste âmbito?
Não tenho dúvidas nenhumas sobre isso. O pagamento, no fundo, é o culminar de uma transação bem-sucedida. Ainda que entre numa loja, se não fizer o pagamento, não houve transação. É um momento central. Já me aconteceu estar numa loja e peço vários conjuntos de um produto e eles não têm na loja. A resposta foi fazer a encomenda e pagamento no tablet, para entrega no dia seguinte em casa. Eu achei fantástico. Portanto, há uma transformação gigantesca no retalho. Claro que as grandes insígnias têm músculo financeiro para fazer esta transformação. Os pequenos retalhistas têm de ficar um pouco à espera que estas soluções sejam desenvolvidas e fiquem a um preço mais acessível. Não tenho é dúvidas que este é o caminho. Primeiro, as lojas serem mais montras de produtos que posso comprar e receber em casa. Para as lojas também é positivo, porque não têm de pôr as mercadorias dentro da loja. Só têm de assegurar o transporte até casa do consumidor. Isto é muito mais barato do que repor stock em loja. Há também uma grande transformação na forma como vamos todos fazer compras. Independentemente disto, o pagamento é o fecho da venda. Isto significa que a experiência de pagar tem de ser sem fricção. É nisso que trabalhamos todos os dias.

“O pagamento é o fecho da venda. Isto significa que a experiência de pagar tem de ser sem fricção. É nisso que trabalhamos todos os dias”

Há pouco falou da possibilidade de sairmos de casa sem dinheiro. Sente que o futuro do sistema bancário e de pagamentos será sem dinheiro físico?
Eu não tenho dúvidas. O futuro será sem dinheiro físico. A pergunta que faço é: No último ano, quantas pessoas viu a passar um cheque? Se calhar, nenhuma. Portanto, se calhar, daqui a cinco anos é isso que vai acontecer com o dinheiro físico. Já digo isto há algum tempo, que o dinheiro físico vai verdadeiramente desaparecer. Vai desaparecer porque acaba por não fazer sentido. É mais rápido fazer pagamentos digitais do que estar a contar moedas. Há poucos negócios onde ainda faz sentido haver dinheiro. É mais barato aceitar pagamentos em dinheiro, dizem os retalhistas. Mas porquê? Porque os bancos não cobram o manuseamento do dinheiro. No dia em que passarem a cobrar, passa a ser um instrumento de pagamento mais caro. Há uma transição que digo que está acontecer na base de vasos comunicantes, um a descer e outro a subir. Voltando ao Fórum de Pagamentos, há uma equipa de trabalho que estuda, por exemplo, como podemos reduzir a utilização de cheques e reduzir a utilização do dinheiro, embora haja um segmento significativo da nossa população, pela idade e menor preparação escolar, que tem de poder fazer compras com estas formas mais tradicionais. Mas sabemos que isto, a longo prazo, terá cada vez menos expressão.

“É mais rápido fazer pagamentos digitais do que estar a contar moedas. Há poucos negócios onde ainda faz sentido haver dinheiro”

Mas isso é justo ou estamos a criar um fosso para os menos incluídos neste tipo de tecnologia?
Estamos, claro. É por isso que o tema tem de ser decidido por humanos e não por robots. Nós olhamos para estas sensibilidades todas e tentamos encontrar um equilíbrio que sirva a todos. Apesar de tentarmos esse equilíbrio, e é por isso que o cheque não foi eliminado, a realidade é que as estatísticas mostram que os cheques estão em declínio. Às tantas, o custo de manusear cheques vai ser exorbitante e um dia chegamos à conclusão que não compensa mais. Não posso ter um sistema de tratamento de cheques para receber 100 por ano. Há sempre um momento em que a parte económica vai falar mais alto. Até lá, temos a obrigação de deixar as pessoas serem livres na hora de pagar. O que não há dúvida é que estas tecnologias tornam-nos a vida mais fácil. Até há pouco tempo andava com uma carteira com cartões e um porta­‑moedas. De há alguns meses para cá não uso.

Vemos as novas gerações a ganhar poder devido à sua relevância para o negócio das empresas. Esta é também uma fonte de pressão para os retalhistas?
Vou dar-lhe um exemplo. Há três anos, foi se calhar a primeira vez que ouvi falar em Buy Now Pay Later (BNPL) e nós, no final do ano passado, quando desenhámos o plano para 2022, decidimos que este ano a easypay teria de ter uma oferta desta. E já temos. Isto, na prática, quer dizer que chegou pela pressão das gerações mais novas e que, no fundo, não é mais que uma reinvenção do cartão de crédito. Basicamente, é como comprar um produto a prestações. Eu sempre tive cartão de crédito, desde os 18 anos. Nunca gastei dinheiro que não tinha, mas usava o cartão para, no fundo, às vezes, poder antecipar uma compra qualquer que me poderia dar jeito. Só que o cartão de crédito ficou com uma conotação negativa grande, associada ao endividamento. Hoje, o que vemos é que 90% dos cartões são de débito e apenas 10% de crédito. O BNPL, o que vem trazer é outra vez o crédito, mas aplicado a cartões pré-pagos ou de débito e, obviamente, também aos de crédito. Isto permite chegar a um carrinho de compras e comprar em prestações, sem ter de fazer nada. Sou eu, enquanto consumidor, que decido isto. Há uma transformação gigante do ponto de vista do consumidor. O consumidor quer ter poder. É ele que quer decidir o que quer fazer com aquele pagamento e não quer que ninguém lhe impinja nada. É muito importante que, no momento de pagar, seja eu a decidir como vou pagar, quer seja a prestações ou não, sem a loja ter de saber. Isto é extraordinário. Ao se oferecer este produto, o que vemos? Quem é que o adotou? Gerações mais novas e público feminino. Ou seja, os homens têm uma forma de comprar e de pagar completamente diferente. 85% dos pagamentos com BNPL são feitos por mulheres. Este meio de pagamento parcelado, que era uma expressão muito usada no Brasil, está a chegar à Europa trazido pela Klarna, mas foi rapidamente copiado por outros players. Nós acreditamos que nos próximos anos este tipo de pagamento terá crescimentos muito acentuados. Portanto, todas as lojas vão ter de oferecer um BNPL, no ponto de venda ou na sua oferta de e-commerce.

"Há uma transformação gigante do ponto de vista do consumidor. O consumidor quer ter poder para decidir"

Num país com baixa literacia financeira, com baixo poder de compra, não é um risco também para as entidades bancárias e consumidores comprometerem-se com este tipo de soluções?
Não. A solução tecnológica que está implementada protege-nos disso. Se eu quiser fazer uma compra a prestações de 90 euros, eu vou fazer o cativo dos 90 euros, mas só cobro 30. No mês seguinte, cobro mais 30. Numa compra de 90 fiz um cativo de 60. Tirei 30 e fiz um cativo de 60. No último mês cobro 30 e liberto tudo. Há alguma segurança pelo facto de a pessoa ter de ter um limite disponível para se poder fazer determinada compra. Acabámos de passar pelo regresso às aulas, depois das férias. Se esta solução de BNPL já estivesse disseminada, podia ter ajudado muitas famílias a ultrapassar o momento do regresso às aulas. Quanto à literacia financeira… Estas soluções são para pessoas que terão de ter alguma sofisticação. Temos de ir a uma app, fazer um onboarding digital, numa primeira vez. Estas coisas, no fundo, ficam disponíveis para quem tem acesso a tecnologia e para os mais novos que fazem isto de olhos fechados. De alguma maneira, acho que o sistema está protegido, quer pela solução tecnológica, quer pelo tipo de consumidor que usa este método de pagamento.

Estamos a falar muito sobre o consumidor, mas este tipo de ferramentas, como as que apresentam, possibilitam que tipos de ganhos para os comerciantes?
O sucesso da easypay comprova isso. O momento do pagamento, o checkout, vamos dizer assim, no fundo, o desafio que estamos a concretizar é que possa ser diferente de acordo com o tipo de consumidor. O que tentamos é que quando os meios de pagamento aparecem ao consumidor para pagar, que estes estejam adaptados às suas necessidades. Se eu não quero pagar de uma determinada forma, não vale a pena apresentar­‑me todas as formas de pagamento. Se sabemos que os pagamentos são feitos no telemóvel, e há imensa informação que nos permite saber isso, tenho de dar primazia às carteiras digitais. No telemóvel, a maioria das pessoas não vai tentar pôr o número do cartão, seria uma má experiência. Percebendo o ambiente em que o consumidor está, devemos tentar apresentar os meios de pagamento que mais se adequam. É tudo isso que uma easypay faz. Ao focar-se completamente só em pagamentos, tornámo-nos especialistas, e o que apresentamos enquanto solução tem como propósito tentar aumentar a taxa de conversão. Fazer com que não seja pelo pagamento que aquela transação não se vai concretizar.

Em termos de crescimento, quais os objetivos da easypay no médio prazo? As criptomoedas serão uma aposta para os anos que aí vêm?
Eu acho que ainda não. Sou um early adopter dessa tecnologia, acompanho o mercado e acho que a solução tecnológica por trás das critpomoedas é muito interessante, mas este ano, no meio da crise, percebemos que as criptomoedas são, de facto, verdadeiramente, moedas, que também estão em crise. Não é um refúgio para quando a economia der uma cambalhota. Estas moedas têm o mesmo comportamento que tem o resto da economia. No entanto, são as únicas que conseguem cumprir, à data de hoje, o objetivo de se poder transferir dinheiro para qualquer parte do mundo em segundos. Mais ninguém consegue fazer isto. Por muito que a indústria financeira tente. Se quiser transferir dinheiro daqui para o Japão, se calhar vai demorar uma semana a lá chegar. Se o fizer com criptomoedas, daqui a 10 segundos está lá. Portanto, estes argumentos são uma promessa implícita e vai-se concretizar. Não sei se será já em 2023. Para nós, 2023 vai ser o ano das subscrições. O que estamos a ver é que cada vez mais há negócios em que faz sentido aparecer o conceito de membership. Ou seja, pertenço a uma determinada comunidade, a um determinado clube, ao que quiser, e pagando um fee tenho acesso a um conjunto de bens e serviços. Este tipo de negócio vai explodir em 2023 e nós investimos neste modelo desde 2011.

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