Ainda são pouco conhecidos mas já estão a causar furor. Os beacons prometem revolucionar a indústria do retalho, reunindo informação sobre os hábitos do consumidor para prestar-lhe um melhor serviço. Ou talvez não, se os receios quanto ao seu caracter intrusivo não forem ultrapassados. Um ponto de situação sobre o potencial dos beacons, segundo Frank Verschoor, investidor e membro do Conselho de Administração da Inbeacon, empresa holandesa que está a expandir-se para Portugal.
Gostaria que começasse por explicar o que são os beacons e quais as suas vantagens para a indústria do retalho. Por exemplo, de que forma conseguem os beacons melhorar o marketing, as promoções e o serviço prestado ao cliente?
Os beacons são dispositivos muito simples, com ID únicos, e que pela sua reduzida dimensão podem ser facilmente colocados no exterior mas sobretudo no interior dos edifícios, a partir de onde enviam sinais via Bluetooth Low Energy (BLE) que podem ser apanhados por smartphones IOS, Android ou telefones móveis da Windows munidos desta tecnologia. Basta que exista uma app instalada no telefone conectada com aqueles beacons e que o dono desse telefone autorize a utilização e pode começar-se a fazer uma série de ações. Por exemplo, é possível monitorizar o número de vezes que aquele telefone esteve no edifício e os locais por onde se moveu dentro do edifício.É muito importante ressalvar que esta é uma “Opt-In Technology”, ou seja, o dono da app daquele telemóvel tem de concordar com a utilização daqueles beacons por parte do retalhista. Há muitas maneiras de fazer o track and trace de pessoas, com os beacons isto só acontece se a pessoa der autorização para tal.
O utilizador tem de concordar de cada vez que entra na loja ou apenas da primeira vez?
Apenas da primeira vez. O retalhista tem uma rede de beacons conectada com aquela app e quando a pessoa a instala ou faz o seu update recebe a pergunta: “Queremos oferecer-lhe alguns serviços extra e para isso precisamos usar a sua localização. Autoriza?” E as pessoas respondem sim ou não. Se recusarem ninguém acede à sua localização.
Se é dada autorização, a informação sobre o número de vezes que aquela pessoa vai aquela loja ou os percursos que faz é armazenada numa base de dados. Com esta informação o retalhista pode e deve desenvolver ações inteligentes junto daquele consumidor, por exemplo, oferecendo-lhe serviços extra. Com esta tecnologia, o retalhista tem a possibilidade de anunciar os seus serviços aos clientes de uma forma muito simples e barata, algo que não estava disponível no passado. Mas devem ser ações que acrescentem valor ao consumidor. Por isso, o slogan da InBeacon é “be there, be relevant”.
Com os beacons os retalhistas podem aceder a informação sobre os locais onde o consumidor passa ou os produtos que compra. Mas é fácil para o retalhista processar toda essa informação de forma a poder enviar informação personalizada a cada consumidor?
É muito fácil fazê-lo, pois os beacons permitem ao retalhista criar um perfil pessoal do consumidor e, com base nele, definir os conteúdos que quer enviar-lhe. Por exemplo, se é um vendedor de TI e percebe que o utilizador usa um Iphone pode anunciar-lhe informação sobre promoções de acessórios próprios para aquele Iphone. A informação sobre promoções a enviar a cada consumidor deve ser personalizada, isto é, adequada aos seus gostos e interesses, algo que é possível perceber usando os beacons.
Na tecnologia beacons não falamos de “apanhar” consumidores mas sim de estreitar o relacionamento com eles, o que é algo cada vez mais importante. Um estudo recente da Creative Markets, do Reino Unido, diz que os retalhistas que usam multicanais têm 35 a 50% mais hipóteses de estabelecer relacionamentos com o consumidor do que os retalhistas que só usam canais online ou offline.
Quando um retalhista é verdadeiramente omnicanal ele consegue reconhecer o consumidor mesmo quando ele está numa localização offline – é isso que acontece com a tecnologia beacons – e isso aumenta a possibilidade de relação com aquele consumidor em 20%.
Sabemos o quão difícil é tornar leads em consumidores e, uma vez que se consegue, é importante oferecer um bom serviço para cimentar essa relação. A tecnologia beacons permite fazê-lo de uma forma fácil e barata.
O exemplo mais comum é o envio de notificações, mas nós defendemos que essas notificações devem ser limitadas ao mínimo: só se deve fazê-lo quando são extremamente relevantes. Outro exemplo é o que chamamos clientelling, ou seja, avisar o retalhista de que um determinado cliente está na loja. Pode ser interessante permitir que haja um contacto direto entre um responsável da loja e um cliente a quem se quer dar um tratamento VIP. Uma terceira ação que o retalhista pode desenvolver com base na informação disponibilizada pelos beacons é adaptar a comunicação que está a ser transmitida nos ecrãs da loja aos interesses dos consumidores que sabemos ter na loja.
Quais são as principais vantagens dos beacons em termos da cadeia de abastecimento?
Estamos a estudar uma solução para um cliente que tem um negócio de distribuição com cerca de dez mil pontos de entrega físicos em Portugal, e onde todos os distribuidores usam um smartphone. Eles querem instalar beacons nas localizações físicas, para saber que distribuidores estiveram em cada instalação em cada momento do dia.
Há múltiplas utilizações dos beacons na cadeia de abastecimento, aliás, temos recebido muitos pedidos fora da área do retalho. Hoje em dia, o flexitrabalho é cada vez mais comum e há muitas pessoas que não têm posições fixas de trabalho e os beacons são muito úteis para ajudar a perceber quantas secretárias estão ocupadas, quantas pessoas estão no edifício, etc.
Já existem muitos retalhistas a implementar os beacons? É mais comum nos EUA ou na Europa esta tecnologia também já tem expressão?
Nos EUA os beacons já são bastante comuns e é lá que surgem os maiores casos de estudo, por exemplo da Macy’s. Na Europa está agora a começar, até porque a tecnologia é relativamente nova, foi lançada pela Apple em setembro ou outubro de 2013. Para que possam ler os beacons, os smartphones têm de estar equipados com Bluetooth Low Energy, que tem a vantagem acrescida de consumir pouca energia. Hoje 90% dos Iphones estão preparados, assim como 60% dos Androids da Europa Ocidental. No caso do Windows a percentagem é ainda pequena.
Mas é comum os consumidores terem o Bluetooth ligado durante todo o período em que estão a fazer compras? Caso contrário, é uma barreira ao desenvolvimento dos beacons, ou não?
O número de utilizadores do Bluetooth Low Energy está a aumentar todos os meses. Há dois anos atrás, muitas pessoas evitavam usar o Bluetooth por acharem que era prejudicial para a bateria. Agora começam a aperceber-se que o novo Bluetooth não consome muita energia. Por outro lado, surgem no mercado cada vez mais aparelhos smart, como pulseiras, relógios, etc, equipados com Bluetooth Low Energy.
Ou seja, ainda é uma barreira, mas cada vez menor.
Sim, e a nossa expetativa é que vai deixar de sê-lo daqui a pouco mais de um ano, no início de 2018. Por isso é importante que os retalhistas comecem a experimentá-lo agora.
Pode referir alguns retalhistas na Europa, e mesmo em Portugal, que já estejam a usar beacons?
Na Europa temos alguns exemplos: Regent Street, Hammerson e Carrefour. Em Portugal, temos um par de empresas retalhistas que estarão a testar os beacons mas, que eu conheça, nenhum dos grandes players tem já algum projeto implementado com beacons. Esta era a realidade que esperávamos quando começámos a trabalhar em Portugal. Existe ainda uma grande empresa a testar a tecnologia em eventos de verão. Este é também um “território natural” para os beacons.
Mas embora não existam ainda projetos em curso, é possível perceber, dos contactos que temos feito, que há uma grande consciência sobre o potencial dos beacons, embora também ainda exista muita inercia e alguns equívocos quanto ao suposto caráter intrusivo dos beacons. A verdade é que estamos a falar com todos os grandes players e todos se mostram muito interessados em avançar nos próximos meses. Por isso, a nossa expetativa é que seja possível iniciar alguns projetos piloto nos próximos meses em Portugal, que vão permitir diluir estes equívocos e sensibilizar as pessoas para as vantagens dos beacons.
A questão da privacidade tem-se revelado um problema no que respeita à aceitação dos beacons, concorda?
É um desafio, mais do que um problema. Não podemos esquecer que os beacons são uma Opt-In Technology. Além disso, eles permitem localizar uma pessoa, com a sua permissão, enquanto ela está num determinado edifício onde há beacons, não permitem saber o que essa pessoa faz fora desse edifício. O tema da privacidade é sensível mas é preciso desmistifica-lo. O estudo The Future of Customer, do professor Steven Van Belleghem, da Vlerick Leuven Gent Management School, revelou que no sul da Europa cerca de 60% das pessoas é favorável à tecnologia, enquanto no Norte da Europa este número cai para 40 a 50%. Esta discrepância tem sobretudo a ver com o fato de existir uma discussão maior sobre o tema da privacidade no Norte da Europa. Ainda assim o estudo revela que há muitos consumidores interessados. A privacidade é um tema que cabe ao retalhista, pois é ele que tem de cumprir as regras de privacidade. Estas variam de país para país, sendo que cada vez mais a União Europeia procura estabelecer standards mais restritivos.
Na sua opinião, os beacons são mais relevantes para o retalho alimentar ou para o retalho da moda? Atualmente os principais benefícios podem ser retirados pelas lojas que vendem produtos de luxo e os primeiros casos de estudo estão a ser feitos sobre este tipo de artigos. É fácil perceber que esta tecnologia esteja a ser mais adotada no retalho da moda e de artigos de luxo, visto que o retalho alimentar é um negócio de grande escala que, por isso mesmo, tende a avançar de forma mais cuidadosa e conservadora, pois qualquer projeto que se adote afeta toda a infraestrutura, que é muito grande.Por outro lado, os beacons trazem imensas vantagens para o retalho alimentar e acredito que, a longo prazo, vão crescer mais rapidamente neste setor, até porque a frequência de visitas é muito superior, as pessoas vão ao supermercado todas as semanas. Os beacons podem simplificar muito os processos no retalho alimentar. Por exemplo, hoje usam-se muito os cartões de fidelização mas daqui a uns anos os cartões de fidelização vão ser transferidos para os smartphones, o que poupa dinheiro e imenso trabalho a muitos níveis. Alguns centros comerciais agora dão pontos aos clientes apenas por estarem lá, com os beacons essa prova é automática. Na verdade, vemos boas oportunidades de negócio nos dois setores.
Como vê o futuro? Como acha que os beacons estarão a ser usados daqui a cinco anos?
Daqui a cinco anos os beacons serão tão comuns como qualquer outro serviço online. Há cinco anos atrás não podíamos imaginar que hoje usaríamos o Google Maps como um verdadeiro serviço de GPS. É fabuloso! Eu acho que o mesmo vai acontecer com os beacons. Vão existir biliões de beacons por todo o lado. Hoje já existem muitos sistemas de georreferenciação mas sobretudo para o exterior, e os beacons vão permitir reforçar esta área nos espaços interiores, de uma forma muito mais específica.Para as empresas que possuem espaços físicos e apps os beacons são instrumentos que trazem muitas vantagens. Permitem otimizar a cadeia de abastecimento, aumentar as vendas online, melhorar o serviço prestado e estreitar as relações com os consumidores.
Leia a entrevista na íntegra na DISTRIBUIÇÃO HOJE Nº445 (junho de 2016)