As inovações nos pagamentos trouxeram mais soluções, mas também mais riscos, que se acentuam perante produtos não abrangidos pela regulamentação, como é o caso do buy now pay later. Vinay Pranjivan, consumer protection in financial services da DECO − que será orador no Smartpayments Congress−, alerta para as principais ameaças associadas às novas soluções de conceção de crédito para consumidores e empresas, destacando a importância da sua regulamentação.
Fragilizar a estabilidade económica é tudo o que não se quer. Na sua opinião, as novas soluções de concessão de crédito provocam um risco acrescido para as famílias e para as empresas?
A inovação é bem-vinda, pois poderá trazer mais serviços, mais concorrência, melhores soluções e fazer baixar o preço. São desenvolvidas novas formas de prestação de crédito ajustadas para os novos canais de comunicação e para os diferentes momentos de interação dos consumidores. No contexto atual pretende-se que tudo seja mais rápido e mais conveniente. Os riscos estão precisamente associados a questões de más escolhas, menos bem informadas e pouco transparentes, e para a qual se procura tornar mais rápido o processo de decisão.
Porém, importa garantir que, sejam quais forem as novas soluções, a concessão de crédito seja feita sob as regras definidas, nomeadamente pela legislação em vigor. O que se pretende é que se evitem casos de más decisões de escolha do crédito, que sabemos poderem provocar uma disrupção no orçamento das famílias. Assim, importa que haja cumprimento de requisitos de informação, avaliação de capacidade do cliente (solvabilidade), transparência, direitos no contrato e formas de resolução de potenciais conflitos. As empresas que concedem os créditos deverão considerar a minimização dos incumprimentos por forma a garantir a estabilidade do seu negócio.
Numa altura em que a inovação no setor dos pagamentos é evidente, o consumidor tem ao seu dispor diversas alternativas no momento de realizar uma compra, seja ela física ou online, tornando-o também mais exposto. De um modo geral, nota que os portugueses se preparam e se informam acerca destas soluções antes de as utilizar? Existe esta preocupação?
Considero que essa preocupação é crescente, embora ainda não esteja enraizada. As inovações nos pagamentos trouxeram mais soluções, com maior conveniência e rapidez, mas também mais riscos. Nos tempos recentes, tem havido um aumento de fraudes e burlas, conforme reportado nos diferentes meios de comunicação, na DECO e nas autoridades. O foco destes ataques passou dos meios ou serviços para o cliente/consumidor. Isto mostra que quem os desenha já se apercebeu de que a vulnerabilidade está no cliente e no seu comportamento, bem como nos meios de proteção que foram implementados, é o caso da autenticação forte.
 “Nos tempos recentes, tem havido um aumento de fraudes e burlas (…) O foco destes ataques passou dos meios ou serviços para o cliente/consumidor. Isto mostra que quem os desenha já se apercebeu de que a vulnerabilidade está no cliente e no seu comportamento, bem como nos meios de proteção que foram implementados, é o caso da autenticação forte.”
Assim, um passo importante que todo o ecossistema tem de dar é o da informação aos consumidores de forma massiva acerca dos meios de pagamento, da sua correta utilização, dos tipos mais comuns de ataques e dos comportamentos a evitar. Adicionalmente, é necessário efetuar uma avaliação e corrigir as lacunas da legislação para reforçar a proteção dos consumidores, nomeadamente quanto a responsabilidades em transações não autorizadas ou induzidas.
 Que modelos poderão resultar num win win para empresas e consumidores?
As soluções de crédito permitem, por exemplo, que as famílias adquiriram um produto ou contratem um serviço cujo custo não poderia ser suportado na sua totalidade no ato, aumentando o consumo e as vendas.
Neste contexto, o melhor modelo é aquele que garante uma boa relação entre as partes, em que se evitem incumprimentos e desequilíbrios na informação. Os principais riscos associados aos créditos incluem: o consumidor desconhecer o que está a contratar; o potencial risco de sobreendividamento; a falta de transparência quanto aos custos, comissões e regras associadas; o desconhecimento dos direitos do consumidor.
Estes riscos tornam-se muito maiores quando se está perante produtos ou soluções não abrangidas pela regulamentação, como é o caso do buy now pay later.
Para tal, do lado dos consumidores, será importante que estes percebam o que estão a contratar. Daí que consideramos essencial que haja regulação, com a regulamentação e uma supervisão atuante. O consumidor deve poder perceber o tipo de produto, a sua duração, o seu custo (TAEG, MTIC), os riscos associados ao crédito, os seus direitos. Deste modo, são essenciais regras claras quanto aos deveres das entidades que propõem os créditos.
Têm existido queixas por parte dos consumidores sobre soluções de buy now pay later?
Estes créditos são relativamente novos no mercado nacional. A sua disponibilização e a sua contratação ainda estarão na fase de arranque, o que faz com que as reclamações não sejam notórias. Adicionalmente, não sendo regulados, estes produtos não têm um supervisor especificado.
Porém, a nível europeu, acompanhamos a temática desde há alguns anos, contribuindo para a discussão com as nossas congéneres. Há já uma experiência mais estabelecida noutros países europeus da qual se consegue identificar motivos de preocupações e problemas para os consumidores: o incentivo ao gasto excessivo e o risco de sobreendividamento; a falta de transparência quanto à existência de comissões e custos – embora tipicamente não haja a cobrança de juros, as comissões e encargos associados a atrasos de pagamento são muito elevadas; falta de proteção dos consumidores, como as más-práticas quanto a cobranças.
O aspeto das comissões e encargos associados a atrasos de pagamento é muito importante. Em alguns dos modelos de BNPL analisados a nível europeu, foi identificado que esta é uma fonte de rentabilidade do prestador de crédito. Neste caso, poderá haver uma tendência para a concessão de BNPL com critério menos restrito, para que depois se consigam retornos por via da falta de cumprimento.
“Os principais riscos associados aos créditos incluem: o consumidor desconhecer o que está a contratar; o potencial risco de sobreendividamento; a falta de transparência quanto aos custos, comissões e regras associadas; o desconhecimento dos direitos do consumidor.”
O aumento do consumo online tem potenciado o crescimento de soluções de crédito. Que intervenção podemos esperar do regulador e quem protege o consumidor?
Na sequência do referido anteriormente, espera-se que haja uma atuação proativa na identificação dos produtos e soluções que devem estar abrangidas pela legislação. No caso do BNPL, é evidente de que se deve aplicar a regra de “same risks, same rules” ou “mesmos riscos, mesmas regras” para que os consumidores estejam protegidos e tenham direitos estabelecidos. Outro aspeto fundamental é a adaptação das regras às novas formas de prestação dos serviços. Assim, num contexto cada vez mais digital e de maior conveniência e rapidez, é importante que as regras sejam adaptadas e exigidas para que o consumidor tenha a oportunidade de ler, compreender e tomar uma decisão informada. Por exemplo, a informação pré-contratual das características de um produto de crédito poderá ser apresentada com os principais elementos num resumo curto e adaptado: em papel, num ecrã ou monitor. O papel dos reguladores deve ser preventivo e interventivo num mercado muito importante e que pode trazer grandes oportunidades, mas também com grandes riscos, especialmente para os consumidores.