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Pagamentos

“A ausência de um ecossistema de pagamentos aberto em Portugal resulta numa oferta limitada e pouca inovação”

João Bettencourt da Câmara, presidente da Associação Nacional de Instituições de Pagamento e Moeda Eletrónica (ANIPE) marca a sua posição relativamente à atualidade do setor de pagamentos em Portugal. O desagrado foi manifestado numa carta aberta, lançada em conjunto com a comunidade Fintech e comerciantes, que pretendia “expor a falta de dinamismo e diversificação do setor em Portugal”. Em entrevista à DISTRIBUIÇÃO HOJE, o profissional, que será orador no Smartpayments Congress, alerta para o impacto em comerciantes e consumidores e destaca os tópicos de atuação para a mudança.

Que papel assume a Associação Nacional de Instituições de Pagamento e Moeda Eletrónica (ANIPE) no setor e quais são as ambições para o futuro, na representação das associações e profissionais desta área?

A ANIPE, Associação criada em 2021 e que conta atualmente com 11 associados e 1 membro aderente, tem como principais objetivos representar os seus associados e contribuir para o desenvolvimento e inovação no setor dos pagamentos em Portugal. Acreditamos que a concorrência, a diversidade e inovação são fundamentais para a estabilidade e posterior desenvolvimento de qualquer organização, ecossistema ou sistema. Desse modo é nossa intenção contribuir para a melhoria do atual estado do sistema financeiro, nomeadamente do sistema de pagamentos português.

 

Enquanto Associação, os nossos objetivos passam por sermos o principal referente no setor, desempenhando um papel chave, facilitando o esforço de concertação entre Reguladores, Tutela, Incumbente e demais intervenientes, gerar conteúdos relevantes e facilitar a difusão de informação para o setor e para os consumidores, conseguindo, em última análise, tornar o nosso mercado de novo num exemplo de inovação, digitalização, crescimento, concorrência, captação e retenção de talento.

“Os mercados noutros países do Espaço Económico Europeu e do Reino Unido estão muito mais desenvolvidos e ajudam a expor as debilidades do mercado português.”

 

A ANIPE manifestou-se recentemente pela falta de dinamismo e diversificação dos meios de pagamento em Portugal. Na sua opinião, que desafios há a resolver para que exista uma maior concorrência no mercado?

 

A iniciativa da carta aberta da comunidade Fintech e Comerciantes na qual a ANIPE participou, teve como objetivo expor o quadro desanimador de falta de dinamismo e diversificação do setor de pagamentos em Portugal. O mercado de pagamentos português encontra-se particularmente desfavorecido quando comparado com outros mercados no Espaço Económico Europeu e Reino Unido, sendo inquestionável o enorme valor que a diversidade e inovação poderiam acrescentar à estabilidade, desenvolvimento e crescimento do nosso sistema financeiro.

O grande problema que daqui advém é que a ausência de um ecossistema de pagamentos aberto e concorrencial em Portugal, que promova a integração entre sistemas e com um quadro regulatório que fomente a segurança jurídica e balize corretamente as expectativas dos diversos Agentes de Mercado, acaba por desincentivar o surgimento de novas Instituições de Pagamento e Moeda Eletrónica (IPME), resultando numa oferta limitada de serviços e pouca inovação disponível. Isto reflete-se num número inexpressivo de IPME com presença física em Portugal, expondo as graves deficiências no mercado de pagamentos nacional.

 

Face a esta debilidade no ecossistema de pagamentos resultam consequências para consumidores, comerciantes, emigrantes e turistas que impactam de forma real e efetiva o desenvolvimento da economia nacional.

“Em Portugal existem 14 IMPE licenciadas, das quais somente uma única surgiu nos últimos sete anos, enquanto no Reino Unido existem mais de 1.200”

Qual o impacto para comerciantes e consumidores?

Para os comerciantes a falta de inovação e de alternativas nos pagamentos − que já se encontram banalizadas na maioria dos mercados europeus − resulta obviamente em preços mais elevados para as poucas opções de aceitação de pagamentos existentes, para a fraca inovação disponível e uma desvantagem concorrencial importante no seu processo de digitalização e internacionalização, quando comparado com os seus concorrentes europeus e globais. Um exemplo que posso dar, para comprovar este facto, é comparar as opções de pagamento na compra online de um mesmo produto em Portugal, entre os websites da maioria dos comerciantes nacionais e os websites da maioria dos seus concorrentes europeus.

Já para os consumidores, e focando a situação dos emigrantes em Portugal, não se compreende como é que o País da UE com maior número de residentes emigrantes não tem ainda condições para que esta comunidade possa pagar os seus compromissos em Portugal com Entidades Públicas e grande parte das Privadas, utilizando as contas e cartões de que dispõe no seu país de residência. Desta forma, as pessoas ficam com a responsabilidade de assumir custos com contas e cartões bancários em Portugal somente para esse efeito.

Por outro lado, os turistas que visitam Portugal estão impedidos de pagar em diversos locais com os seus cartões e porta-moedas eletrónicos sem restrições, isto porque uma parte substancial dos terminais não permite a utilização de múltiplos processadores, estando vinculados apenas a uma determinada marca. Tendo em conta o elevado peso do turismo para a nossa economia, a existência destes obstáculos é um contrassenso que dificulta certamente o nosso crescimento económico.

“Não se compreende como é que o País da UE com maior número de residentes emigrantes não tem ainda condições para que esta comunidade possa pagar os seus compromissos em Portugal com Entidades Públicas e grande parte das Privadas, utilizando as contas e cartões de que dispõe no seu país de residência.”

Os olhos estão postos noutros mercados do Espaço Económico Europeu e do Reino Unido. Como se compara o mercado português com estas realidades?

A realidade é que os mercados noutros países do Espaço Económico Europeu e do Reino Unido estão muito mais desenvolvidos e ajudam a expor as debilidades do mercado português. Para ter uma ideia, em Portugal existem 14 IMPE licenciadas, das quais somente uma única surgiu nos últimos sete anos, enquanto no Reino Unido existem mais de 1.200. Posso até comparar à Lituânia, que tem 123 IPME licenciadas. Também em termos de agentes de pagamentos registados, Portugal contabiliza apenas 1 único agente registado, ao passo que os nossos vizinhos espanhóis têm mais de 35.000.

A dimensão de mercado não serve de justificação porque quando comparamos o número de Players em países com população e tamanho semelhante e a respetiva dispersão das quotas de mercado − podendo tomar como exemplo a Estónia, a Holanda, a Bélgica e mesmo Malta −, rapidamente entendemos que a causa deste quadro desanimador tem de ser outra.

O facto de não existir um ecossistema de pagamentos que incentive, e estimule, a entrada de novos players no mercado e que descomplique a inovação, contribuí para o não desenvolvimento do setor e, consequentemente, dá origem a alguns dos problemas que referi anteriormente.

O que falta e o que espera em termos de regulação?

Há um conjunto de tópicos que consideramos essenciais para discussão e nos quais a ANIPE tem de focar a sua atuação. Passo a descrever:

  • Implementação de alternativas competitivas e acessíveis a mecanismos de compensação e processamento a todos os Players de mercado;
  • Garantir o acesso não discriminatório a sistemas e schemes de pagamentos existentes no País para todas as Instituições Financeiras com estabelecimento permanente, assegurando com urgência o estrito cumprimento dos respetivos Regulamentos e Diretivas Europeias;
  • Abordagem legislativa e regulatória efetivamente baseada no risco real e na natureza não sistémica das IPME’s, tanto do ponto de vista do Controlo Interno como da Prevenção de Branqueamento de Capitais e Financiamento ao Terrorismo (PBC/FT), assegurando de facto a proporcionalidade e evitando a habitual remissão indiferenciada ao Regime Jurídico da Banca (RGICSF), impossibilitando a consulta prévia dos participantes no mercado de pagamentos;
  • Processos de instrução de registo e licenciamento focados no incentivo ao surgimento de novos Players no mercado, para fomentar a diversificação, regeneração e estabilidade do tecido financeiro;
  • Mudança de atitude face à inovação tecnológica e geração de talento em Portugal, passando de Laggard a Early Adopter com a criação efetiva de uma sandbox regulatória financeira que seja célere e competitiva, de regulamentos de Digital KYC que permitam o registo de clientes à distância de forma acessível e inovadora, assim como a promoção de meios de financiamento suficientes para estimular a inovação e o desenvolvimento;
  • Evolução do mindset de todos os stakeholders onde a perspetiva de mais Players seja encorajada e signifique maior diversificação do risco do sistema financeiro, mais e melhor inovação, e estimulação da internacionalização e aumento da robustez financeira de todos os intervenientes através da diferenciação face a operadores estrangeiros;
  • Persistir nos esforços de concertação de forma inclusiva e construtiva com todos os intervenientes de mercado sem exceção, garantindo a representação dos Associados e do setor como um todo, através da participação em todos os Fóruns e organismos oficiais relevantes de pagamentos, sejam de Reguladores, Supervisores, outras Associações ou mesmo de Empresas.

 

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