A ideia não é nova, mas as ferramentas evoluíram muito e há agora mais abertura por parte dos retalhistas para abraçarem a Inteligência Artificial.
Em Los Angeles, a cidade com pior congestionamento de tráfego do mundo, é frequente ver bombas de gasolina em lados opostos da estrada a rivalizarem com preços vastamente diferentes. Uma tem desconto com compra de lavagem do carro, a outra é mais competitiva no combustível premium e por vezes a diferença é de 30 cêntimos ou mais por galão, que equivale a 3,78 litros. Acrescentando os cartões de fidelização, a penalização por usar cartão de crédito ou a bonificação por pagar com dinheiro, uma ida ao posto de combustível da direita pode ter um preço final muito diferente do que é oferecido no posto da esquerda. Também há que ter em conta os serviços e produtos associados: um posto até pode ter a gasolina mais barata, mas lá dentro um café e uma torrada custam o dobro que na bomba com combustível mais caro. Como são tomadas estas decisões? Quantos consumidores são sensíveis a estas diferenças? Haveria impacto significativo em Portugal se os postos de combustível tivessem preços mais dinâmicos, adaptados aos altos e baixos da procura? É isso que o mercado poderá descobrir já no próximo ano, quando a tecnológica brasileira Aprix começar a testar a sua solução de formulação de preços com inteligência artificial em Portugal.
A empresa especializou-se no retalho de combustíveis porque, segundo explicou à DISTRIBUIÇÃO HOJE o CEO Guilherme Zuanazzi, o perfil deste mercado é “totalmente dependente de precificação, com altos volumes de vendas, baixa margem de lucro e procura extremamente sensível às flutuações do preço.” A entrada em Portugal ainda está a ser estudada e não há datas ou planos definitivos, mas é uma intenção da equipa que por ora está a solidificar a sua tecnologia no mercado brasileiro, tendo como clientes algumas das maiores redes de postos de combustíveis do país.
“A Aprix nasceu voltada ao retalho e com a convicção de que existe muito valor sendo deixado na mesa pelas empresas do sector, especialmente por não conseguirem traduzir de forma estruturada as definições estratégicas nas políticas de precificação”, explicou o CEO. O retalho de combustíveis tem uma grande componente de conveniência para lá do abastecimento do carro e pode funcionar como acesso a outros segmentos retalhistas, o que justifica o investimento em soluções inteligentes de formulação de preços, argumentou Zuanazzi.
Os resultados obtidos pelas empresas que usam o produto da Aprix parecem confirmá-lo. “Ao observarmos a performance dos postos que utilizam o Precificador Aprix, o aumento médio de lucratividade chega a quase 10%”, revela Guilherme Zuanazzi. “Para um sector de margem apertada (~7%) e alto giro, uma melhoria dessa ordem significa bastante valor gerado”, frisa. Os números geraram interesse noutras áreas do retalho, pelo que a Aprix está em “negociações avançadas” com empresas de aplicações de transportes e de indústria para desenvolverem as suas próprias soluções de formulação de preço.
Como funciona?
Não é software de comparação com a concorrência nem de análise simples de oferta e procura. As ferramentas de Inteligência Artificial (IA) e Machine Learning (ML), que deram um salto considerável nos últimos anos, permitem treinar algoritmos para preverem o comportamento dos consumidores quando um preço é alterado. Fazem recomendações de subida ou descida e têm em conta diversos fatores, desde a meteorologia até ao comportamento dos detentores de cartões de fidelização na última semana. Há muitas vezes uma desconexão entre aquilo que o retalhista pensa que o consumidor quer e o que este quer realmente – por exemplo, a consistência entre canais não é propriamente bem vista, porque os utilizadores esperam que o preço online seja um pouco mais baixo que o da loja. Os algoritmos criados para cada retalhista conseguem descodificar estas questões e ajustar os preços constantemente.
No caso da Aprix, a proposta é uma solução “que utiliza IA e dados de mercado para sugerir o melhor posicionamento do preço na bomba de combustível a cada instante do dia, maximizando a lucratividade da operação em função da elasticidade da procura, que tem sua reação monitorizada pelo sistema para que o preço seja ajustado constantemente.” Zuanazzi contou, inclusive, que muitos retalhistas que investiram em software de formulação de preços não estão a fazer uso dos programas, devido à sua complexidade.
O responsável indicou ainda outro ponto interessante: o preço até pode estar bem formulado, mas não alcança o consumidor final, o que faz com que a venda não se concretize. A solução é personalizar. “Aproximamo-nos cada vez mais do customized pricing nos setores que já apresentam tecnologia e dados para isso”, refere o executivo. Será possível chegar a um momento em que cada consumidor vê os preços que mais o move? Talvez. “A Aprix já tem desenvolvimento de soluções a um nível de granularidade mais próximo do indivíduo e esse é o futuro de todas as nossas entregas.”
Há várias outras empresas a desenvolverem este tipo de soluções com abordagens interessantes, incluindo as gigantes das TI – SAP, Oracle, SAS, IBM, Salesforce, Microsoft – e outras tantas bastante bem sucedidas, como a Boomerang Commerce, que em maio assinou um mega contrato com a gigante de bricolage Lowe’s, a Blue Yonder, Epicor ou Netsuite.
A Revionics é outra delas, com mais de uma década de experiência no desenvolvimento de soluções de formulação de preços usando IA. A sua lista de clientes inclui nomes em segmentos variados em cerca de 20 países, desde o Home Depot Mexico à OBI Poland.
O foco, disse à DH o fundador Jeff Smith, é ajudar os retalhistas a obterem uma vantagem competitiva com preços que atraem os clientes ao mesmo tempo que indicam onde recuperar margens. As soluções foram arquitetadas na cloud desde o início, com um modelo software-como-serviço, para serem menos onerosas à partida e chegarem mais depressa a retornos visíveis. Jeff Smith diz que a Revionics tem uma cultura de “obsessão com o cliente” que leva a parcerias longas e duradouras. Ou seja: aplicam a si próprios as estratégias que recomendam para os outros.
A nova fronteira do retalho
A multiplicação de fornecedores neste espaço demonstra que a utilização de inteligência artificial para determinar os preços dos produtos é uma tendência clara no retalho, que se insere num movimento mais amplo de adesão à IA. De acordo com a consultora Juniper Research, os gastos dos retalhistas em IA vão quadruplicar nos próximos anos, atingindo os 6,4 mil milhões de euros em 2022. O estudo “AI in Retail” da consultora identifica um movimento em torno da IA como forma de “diferenciar e melhorar” os serviços oferecidos aos clientes, o que tanto passará por bots de conversação no suporte pós-venda como pela personalização das ofertas disponíveis.
“A IA é transformadora nesta área, porque permite aos retalhistas extraírem camadas de conhecimento de dados que já possuem”, explica à DH o analista sénior da Juniper Research Nick Maynard. O registo de dados sobre as compras em loja e no ambiente online está a crescer exponencialmente e o advento de novas funcionalidades de inteligência artificial permite agora fazer coisas que não eram possíveis até há pouco tempo. Isso levará a uma maior capacidade de “estabelecer o preço correto de forma a responder bem à procura”, diz o analista.
Segundo considera Maynard, um dos fatores críticos neste processo é a utilização dos dados relacionados com cartões de fidelização. Os retalhistas podem comparar o histórico de compras com outros dados, como métricas de marketing, e decidir qual o preço mais otimizado para cada produto a cada momento.
É isso que está a fazer a Drogaria Araújo, também no Brasil, usando a tecnologia da Revionics. Jeff Smith cita esta implementação porque abrange uma rede de 200 lojas e a empresa está a conseguir transformar um negócio tradicional com uma abordagem inovadora.
“São um excelente exemplo de uma empresa que está a aproveitar muitas das nossas diferentes ofertas baseadas em inteligência artificial”, afirmou o responsável, elogiando a adoção faseada da tecnologia de forma a gerar retorno do investimento em cada estágio da jornada de transformação.
De acordo com Leonardo Lage, gestor de inteligência competitiva da Drogaria Araújo, a empresa viu um ponto de inflexão da margem “constante e muito percetível” a partir do momento em que começou a usar as soluções da Revionics em toda a sua extensão. “Desde a implementação e adoção total, as margens brutas aumentaram significativamente, superando as metas da empresa e resultando em maior margem EBITDA.” A Drogaria tornou-se um caso de sucesso para a Revionics, usado para exemplificar o potencial do produto.
“Tem sido muito entusiasmante ver como, nos últimos anos, os retalhistas têm mudado da reflexão e conversação para a ação e adesão a este tipo de tecnologias”, refletiu Jeff Smith. O responsável deixou também um aviso: “À medida que mais retalhistas começam a abraçar tecnologias relevantes que melhoram o envolvimento com os clientes, aqueles que hesitarem durante demasiado tempo arriscam-se a ficar para trás.” Na Europa, referiu, já há muitos retalhistas a usarem etiquetas de prateleira eletrónicas e as soluções de formulação dinâmica de preços da Revionics, o que lhes permite automatizar as atualizações de preços assim que os algoritmos dão uma nova recomendação com previsão de impacto significativo. Mas não se esperem descontos imediatos de 80% nos chapéus de chuva assim que vem uma onda de calor. “Isto acontece dentro de limites estabelecidos pelos retalhistas”, ressalvou Jeff Smith, “para que as recomendações que caiam fora das suas linhas habituais sejam alvo de revisão manual antes de serem implementadas.”
O analista da Juniper Research Nick Maynard também realça que estes investimentos vão fomentar a ligação de conjuntos de dados que neste momento estão isolados nos sistemas dos retalhistas. Ao fazer isso, a IA vai originar uma “visão holística” de todas as funções operacionais, permitindo que os preços sejam otimizados para garantir as melhores margens em todos os momentos – mas sem causar, por exemplo, enorme rutura da cadeia logística. Na verdade, será benéfica neste aspeto. “Isto permitirá aos retalhistas lidarem de forma eficiente com os picos de procura, tal como acontece na Black Friday, o que lhes dará ferramentas para formularem preços de forma mais eficaz e atrativa.”
Este artigo foi publicado, originalmente, na edição de setembro da revista DISTRIBUIÇÃO HOJE.