Os consumidores detêm a chave para um futuro sustentável para o nosso planeta, onde a prosperidade para todos não vai custar mais à terra, disseram especialistas no fórum global anual da Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (UNCTAD) sobre questões de consumo, realizado recentemente na sede das Nações Unidas, em Genebra, Suíça.
Um consumidor com informações precisas, proteção efetiva e direitos sólidos – tanto online como offline – é uma força poderosa para alcançar os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, admitiram os vários especialistas no evento.
“Diante da crise climática que ameaça a sobrevivência da humanidade e as crescentes desigualdades que prejudicam a paz social, os consumidores têm um poder decisivo para avaliar e estabelecer um novo rumo para o desenvolvimento”, disse a vice-secretária-geral da UNCTAD, Isabelle Durant.
Observando que o consumo responde por 60% do Produto Interno Bruto global, “os consumidores não são, portanto, apenas compradores passivos”, admitiu a responsável, avançando que “as suas escolhas determinam a sustentabilidade do desenvolvimento económico”.
“Precisamos de consumo inteligente”, reforçou Durant, pedindo políticas que protejam e equipem os consumidores com pleno conhecimento dos impactos económicos, sociais e ambientais de suas escolhas.
Tais políticas podem capacitar as pessoas para serem “atores do consumidor” e criar um futuro mais sustentável para todos.
Mas isso não é responsabilidade apenas dos governos. As empresas também devem fazer o mesmo e melhorar a sustentabilidade do ciclo de vida do produto, concluiu-se no evento.
“Não temos tempo. Precisamos agir agora e mudar o centro de gravidade. Ao fazer isso, precisamos adotar uma postura sensível ao futuro e nutrir ativamente os consumidores preocupados com a sustentabilidade”, referiu Laura Best, vice-presidente do Tribunal de Proteção ao Consumidor da África do Sul.
Os consumidores já reconhecem a sua responsabilidade pela adoção de estilos de vida sustentáveis, disse, por sua vez, a diretora geral da Consumers International, Helena Leurent.
Mas esses mesmos consumidores também querem ver a ação de fabricantes e governos para trazer mudanças. “Todos nós sentimos uma urgência para abordar o consumo sustentável. As atitudes do consumidor estão a mudar e mais pessoas querem que as empresas criem produtos que sejam sustentáveis”, disse Leurent.
No entanto, o mundo deve mudar os padrões de produção e consumo para promover o desenvolvimento sustentável e inclusivo para todos, reforçaram os participantes no evento da UNCTAD.
“Seria inútil e injusto exigir que os consumidores sejam mais responsáveis e mudem seu comportamento se o padrão de produção permanecer inalterado e insustentável”, admitiu Thierry Bourgoignie, professor de direito da Universidade de Quebec, no Canadá, salientando ainda que o desenvolvimento sustentável e a política de proteção ao consumidor estão estreitamente inter-relacionados.
“Ao enfatizar as necessidades coletivas e de longo prazo dos cidadãos e da sociedade como um todo, o desenvolvimento sustentável dá à política do consumidor a oportunidade de uma mudança salutar”, declarou Bourgoignie.
A defesa do consumidor está no centro das políticas mais eficazes, disseram vários dos especialistas. “Os consumidores que conhecem os seus direitos e os aplicam são, portanto, fortalecidos e sujeitos a menos abusos. Isso melhora diretamente seu bem-estar”, disse a diretora de comércio internacional e commodities da UNCTAD, Pamela Coke-Hamilton.
A política de proteção ao consumidor encaixa-se, de resto, bem nas 17 metas globais da ONU para acabar com todas as formas de pobreza, combater as desigualdades e combater as mudanças climáticas, garantindo que ninguém seja deixado para trás.
Coke-Hamilton observou que a proteção do consumidor era particularmente crítica para a consecução das metas 12 (consumo responsável e produção), 8 (trabalho decente e crescimento económico), 10 (redução de desigualdades) e 17 (parcerias).
A responsável instou os países a seguirem as diretrizes da ONU para a proteção do consumidor na elaboração e aplicação de leis, regras e regulamentos domésticos e regionais que sejam adequados aos seus próprios contextos. As diretrizes pedem a participação de outras partes interessadas, incluindo grupos de consumidores e o setor privado.
“A cooperação através das fronteiras é primordial para a aplicação efetiva, especialmente na era digital”, afirmou Coke-Hamilton. “Devemos ‘fazer a rede das redes’ e aprofundar a cooperação internacional”, concluindo que “isso inclui gerir a concentração de mercado na economia digital”.
A era digital gerou desafios aos atuais marcos regulatórios nacionais de defesa do consumidor, admitiram especialistas.
“As agências de fiscalização estão a enfrentar problemas com as redes sociais, proteção de dados, contratos digitais e novos tipos de esquemas fraudulentos internacionais”, expôs Claudia Lima Marques, professora de direito da Universidade Federal do Rio Grande do Sul no Brasil.
A automatização e o aumento da conectividade não apenas aceleraram o ritmo de vida, mas também deram imenso poder sobre as vidas a algumas empresas de tecnologia, salientando a brasileira que que “as nossas escolhas estão a ser controladas cada vez mais por intermediários com relações contratuais complexas e de longo prazo”.
Segundo a professora brasileira, o direito tradicional do consumidor e as leis nacionais não são suficientes para lidar com o poder abrangente exercido pelos gigantes digitais. “Precisamos desenvolver novas ferramentas e padrões globais para enfrentar esses desafios para garantir a proteção do consumidor na era digital”, disse Marques. E concluiu: “as novas ferramentas e padrões poderiam melhorar o acesso e a inclusão, confiança no mercado digital e garantir uma resolução de litígios eficaz e uma reparação para os consumidores”.