Em permanente disputa com o comércio online ou numa saudável parceria com o mesmo, os centros comerciais estão a tornar-se locais de vivências, tudo em nome da otimização da customer experience.
Em alguns centros comerciais do país, pode levar o seu cão consigo às compras, recorrer a um serviço de concierge, descansar num VIP Lounge ou até concluir com segurança uma compra que começou no OLX. Estas são apenas algumas das formas que estes espaços de consumo encontraram para melhorar a experiência dos clientes e estimular o seu apetite comprador.
Numa era em que as compras online estão em crescimento, os centros comerciais desenvolveram trunfos próprios para captar os compradores, afirmando-se como espaços multidisciplinares e investindo num conjunto de serviços que pretendem melhorar a experiência de compra dos seus clientes. São, acima de tudo, espaços de vivências, como explica Carlos Costa, diretor de property & leasing da Ceetrus Portugal, detentora de vários centros comerciais em Portugal, como os Alegro Alfragide (o primeiro da marca em Portugal, aberto em 2007), Castelo Branco e Setúbal, e ainda os Forum Montijo e Sintra, entre outros: “Efetivamente, no mesmo local é possível encontrar, além das lojas e serviços de que necessito, a restauração, os espaços de lazer e de trabalho, de forma a que se possa capitalizar o tempo […], seja com a família, seja no trabalho ou em puro entretenimento”.
Para o responsável, esta expansão de funções é essencial para a sobrevivência destes espaços: “Esta evolução dos espaços comerciais que a Ceetrus Portugal tem prosseguido é um dos eixos principais para continuar a captar os clientes e tê-los presentes nos nossos espaços físicos, sentindo que é um local de vivências do qual são parte integrante. Por isso, estamos também totalmente focados em proporcionar aos clientes experiências que não são possíveis online”.
Mas, se o advento do e-commerce espicaçou a criatividade destes centros de comércio físicos, a convivência entre ambos não tem de ser antagónica. “Observamos o fenómeno [do e-commerce] como algo complementar à oferta física e interligado a todas as atividades que desenvolvemos hoje em dia e que iremos desenvolver no futuro”, garante Pedro Teixeira, secretário-geral da Associação Portuguesa de Centros Comerciais (APCC), à DISTRIBUIÇÃO HOJE. “A captação de clientes para as lojas inseridas nestes complexos multifuncionais faz parte do ADN desta indústria, extremamente sofisticada no plano da flexibilidade das ofertas e das propostas nas mais variadas esferas que possamos imaginar”, acrescenta.
Para salientar que a crescente preponderância do digital não é necessariamente uma ameaça ao consumo físico, o secretário-geral da APCC cita ainda os exemplos dos retalhistas digitais que optam por abrir lojas: “Então como é que se explica este fenómeno? Será que são os próprios operadores de e-commerce que acreditam no comércio físico? As coisas não são preto ou branco, existem muitas tonalidades”, afirma.
Muitos centros têm, assim, optado por uma “área cinzenta”, interligando o online e o offline para facilitar a experiência de compra dos clientes. O processo de digitalização da Ceetrus começou em 2014, com a inclusão, no Alegro Setúbal, de murais interativos e de painéis de vídeo em que o visitante é ator, mas também autor de conteúdos digitais. Outro exemplo de transposição de uma experiência digital para o espaço físico da loja é o pagamento via MB Way, através de QR Code, em várias lojas — segundo Carlos Costa, o Alegro Alfragide foi o primeiro centro comercial do País a disponibilizar este serviço.
Compras caninas
A provar que esta combinação pode gerar mais-valias para os clientes está também a parceria que o Alegro Alfragide fez com a OLX em fevereiro deste ano. O centro comercial criou um espaço próprio, em colaboração com o OLX, onde os anunciantes e compradores podem efetuar as suas trocas e vendas sem intermediários. “Esta iniciativa surge em resposta aos muitos clientes que combinam encontrar-se no centro comercial para concluir as trocas iniciadas na plataforma OLX, garantindo assim a sua segurança pessoal num espaço público e reconhecido. São alguns dos muitos projetos que desenvolvemos em prol de uma vida mais simples, descomplicada e dinâmica para os nossos clientes”, assegura o responsável da Ceetrus Portugal.
Mas a experiência do cliente no Alegro Alfragide não se fica pelos consumidores humanos. Outro dos aspetos em que o centro comercial inovou foi na sua decisão de permitir a entrada de cães mediante a apresentação de um passaporte canino, que é feito no próprio centro comercial após os donos apresentarem documentação válida e atualizada relativa a vacinas, licença municipal, microchip e seguro de responsabilidade civil. “A política pet-friendly enquadra-se totalmente nesta missão de valorização da experiência de vida do cliente”, salienta Carlos Costa. “Isto aconteceu em 2017, no momento em que entrou em vigor o novo estatuto do animal. Atentos a esta movimentação da sociedade em torno dos direitos dos animais, totalmente alinhada com o nosso pensamento, decidimos criar condições no centro comercial para que os nossos amigos de quatro patas fossem bem-vindos e dispusessem de equipamentos adequados a eles. Entretanto, reforçámos a oferta comercial neste segmento, com a abertura da pastelaria Rossi Pets Bakery — biscoitos, cupcakes e donuts para os melhores amigos”.
Finalmente, e ainda no capítulo da digitalização, o responsável salienta que o WiFi gratuito e de acesso imediato está presente em todos os centros comerciais da Ceetrus “há bastante tempo”. O acesso gratuito à Internet é, aliás, uma das ofertas de customer experience apontadas por vários centros comerciais, como o Amoreiras Shopping Center ou o Centro Colombo, ambos em Lisboa.
“A experiência do cliente é sem dúvida fundamental para o nosso negócio”, salienta Paulo Gomes, diretor do Colombo. “Todos os touch points [pontos de contacto] ao longo da customer journey [viagem do cliente] devem potenciar a sensação de uma boa experiência de visita”. Neste centro comercial, a otimização começa logo no parque de estacionamento, onde, segundo Paulo Gomes, “foram implementadas algumas medidas que visam facilitar a visita ao centro, nomeadamente as sinalizações de lugares disponíveis, os sistemas que facilitam a memorização do lugar onde se deixou o carro e ainda os métodos de pagamento, primeiro com a introdução da Via Verde e depois, mais recentemente, a possibilidade de pagamento do parque por multibanco”.
Já no interior, o diretor destaca o Babycare, um espaço específico onde os pais podem alimentar os seus bebés com tranquilidade, mas também os diretórios interativos, “que permitem encontrar as lojas pretendidas e os percursos para as mesmas”, o empréstimo de carrinhos de bebé, os carregadores de dispositivos móveis em várias das zonas sentadas do centro comercial, e ainda o serviço de WhatsApp disponível diariamente entre as 10h e as 24h, “através do qual os clientes podem encontrar respostas para as suas mais variadas questões”.
Os smartphones fazem também parte da estratégia de customer experience do Amoreiras Shopping Center: “Todo o nosso foco está na criação de oferta e serviços dirigidos aos nossos clientes. O conhecimento dos seus hábitos de consumo permite-nos, por exemplo, enviar informação através de SMS/newsletters segmentados às suas escolhas, aumentando desta forma a sua predisposição para nos visitar”, explica Tiago Pereira, diretor do Amoreiras. A criação de um miradouro com vistas panorâmicas sobre a cidade de Lisboa e o serviço de carregamento de viaturas elétricas, que estará em breve disponível neste espaço comercial, são outras das formas que o centro, um dos mais antigos do país, aberto em 1985, encontrou para melhorar a experiência dos seus visitantes.
Sinais dos tempos
“A nossa aposta tem sido nesse sentido, de tornar o Freeport num espaço vivo, agradável, multidisciplinar, com algumas das mais prestigiadas marcas do mercado a um preço extremamente competitivo. Um espaço com restauração de qualidade, arte, um ambiente saudável ao ar livre, e um atendimento atencioso e cuidado”, diz Catarina Tomaz, diretora de marketing em Portugal da VIA Outlets, que detém o espaço comercial outlet em Alcochete. Nascido em 2004 mas totalmente renovado em 2017, num investimento de 20 milhões de euros, o Freeport Lisboa Fashion Outlet foi intervencionado com o objetivo de criar “um centro mais acolhedor e confortável”, revela. “Os serviços de concierge, de bengaleiro e de VIP Lounge são alguns dos serviços adaptados aos nossos convidados — nacionais e internacionais — e que tornam a experiência de compra mais enriquecedora”.
A experiência dos compradores internacionais tem recebido também mais atenção da parte dos centros comerciais lusos. “Alguns centros comerciais têm mesmo serviços específicos para clientes de determinadas nacionalidades. Sem querer especificar, mas existem já em alguns centros sinaléticas em outras línguas estrangeiras além do inglês, funcionários de lojas de outras nacionalidades e é também comum, nesses centros, ouvirmos anúncios nos sistemas de som, por exemplo, em mandarim. São os sinais dos tempos”, ressalva o secretário-geral da APCC.
No caso do Freeport, os serviços de apoio aos turistas foram reforçados para os convidados que precisam “de maior acompanhamento e informação e com necessidades específicas de transporte, tradução, etc.”, sublinha Catarina Tomaz à DISTRIBUIÇÃO HOJE.
No Colombo, foi desenvolvida uma parceria com a Cityrama Gray Line por forma a incluir o centro numa das rotas de “hop on, hop off” da operadora, a sinalética é já bilingue e há mesmo um mapa de lojas específico para os turistas. Além disso, tal como no Amoreiras Shopping Center, existem ainda lojas que permitem realizar na hora o tax refund, isto é, a devolução do IVA para os clientes que residem fora da União Europeia.
No que diz respeito ao investimento na atração de um público turístico, o diretor do Amoreiras destaca claramente a criação do miradouro. “Podemos afirmar que se está a tornar num ponto de passagem “obrigatória” para os turistas por dispor de uma vista única de toda a cidade. A pensar igualmente nos turistas, temos vindo a trabalhar do lado da oferta, através da abertura de lojas premium de marcas internacionais e que, em 2019, pretendemos reforçar ainda mais”, nota Tiago Pereira.
Esta adaptação do sortido de lojas (cardex) às necessidades dos clientes é um ponto vital para a otimização da experiência do cliente. “Procuramos respeitar as especificidades das comunidades locais, para que os clientes sintam claramente que a oferta disponível foi pensada para si e que se enquadra totalmente no seu estilo de vida”, explica Carlos Costa. Acrescentando que a escolha deste sortido de lojas pode contribuir para a fidelização de clientes ou servir, por exemplo, as necessidades de comunicação dos centros comerciais, como é o caso das muitas vezes mediáticas lojas-âncora, o responsável refere que a aposta passa também cada vez mais pelo desporto e saúde: “De destacar que fazem parte do nosso mix comercial cada vez mais espaços relacionados com desporto e da saúde, consequência de uma crescente procura e preocupação nestas áreas por parte dos portugueses […]. Através de um mix comercial reforçado respondemos aos desafios de promoção de um estilo de vida mais equilibrado e atento ao bem-estar”.
A importância desta questão é tal que, quando questionado sobre a forma como o Colombo está a melhorar a experiência dos seus clientes, o primeiro ponto mencionado pelo diretor do espaço lisboeta foi exatamente o sortido de lojas: “O mix comercial do Centro Colombo tem estado, nos últimos anos, em constante renovação, seja pela entrada de novas insígnias […], seja pelas alterações nas lojas já existentes que decidem apostar nos seus espaços no Centro Colombo e transformá-las, melhorando significativamente o seu layout, design e oferta. Todas estas alterações ocorrem porque temos cada vez mais clientes, e mais exigentes, e as próprias marcas reconhecem que a experiência offline continua a ser bastante relevante no processo de compra”, garante Paulo Gomes. “Além disto, a oferta/coleções existentes nas lojas é realmente diferenciada daquela que existe nas mesmas marcas noutros centros, razão que se prende, obviamente, com a performance das lojas e o tráfego garantido às mesmas”.
Mas, além do sortido de lojas, o diretor do Amoreiras Shopping Center defende que os espaços de restauração dos centros comerciais, conhecidos como foodcourts, são também essenciais para a atração de clientes, constituindo “uma oferta diferenciadora que atrai novos clientes na satisfação de uma necessidade que o e-commerce não tem forma de acompanhar”. Nesse sentido, a renovação da zona de restauração do Amoreiras, que ficou completa em maio de 2015, veio colmatar esta necessidade, assim como a nova praça de restauração do Freeport, inaugurada em 2017. “Situada no circuito das lojas, e tirando partido do design e arquitetura envolvente, este espaço dispõe de cinco restaurantes trendy, muito diferentes da oferta que normalmente se encontra em centros comerciais, equipados com sala interior e serviço de esplanada, num ambiente envolvente moderno, pensada para proporcionar uma agradável pausa de trabalho ou uma refeição com familiares e amigos”, explica Catarina Tomaz.
Para o diretor do Colombo, os foodcourts são mesmo uma “âncora” dos centros comerciais. “E é precisamente por ser uma “âncora” tão relevante que está prevista uma intervenção num futuro próximo. O centro irá passar por um processo de expansão através do qual será criada uma nova área de restauração num novo piso e com um conceito único em Portugal”, garante Paulo Gomes.
Sempre a inovar, inclusive no setor da restauração, o Alegro Alfragide foi distinguido com um prémio de ouro nos Solal Marketing Awards, do Conselho Internacional de Centros Comerciais, por um projeto de customer experience realizado recentemente com a startup portuguesa Levoo. Este envolveu a criação de quiosques interativos que, em conjunto com a app da Levoo, permitiam encomendar refeições nos restaurantes do Alegro Alfragide. Poderão estes novos conceitos ser relevantes? O secretário-geral da APCC acredita que sim: “A experiência proporcionada por um amplo leque de ofertas na área F&B (food and beverage), geralmente localizadas em zonas muito agradáveis e confortáveis, incrementam uma característica fundamental para o centro comercial que nós designamos por “permanência”, ou seja, o tempo que o visitante despende dentro do centro”. Tempo este que, em benefício do consumo, se quer cada vez mais bem passado.
Este artigo foi publicado originalmente na edição 474 da revista Distribuição Hoje