Nos dias que correm apercebemo-nos cada vez mais que o fenómeno blockchain atravessa agora a fronteira da ameaça para a da oportunidade de mudança. O surgimento de fintechs que foram em grande parte responsáveis por este dinamismo, utilizando os vários mecanismos disponibilizados pelas várias vertentes de blockchain, já ganharam o seu espaço e começam a influenciar o ecossistema que as rodeia. Sendo que, para o cidadão que não tenha nenhum particular interesse pelo tema, talvez aquele que mais atenção alguma vez lhe tenha conquistado será o das moedas criptografadas (bitcoin por exemplo) e as carteiras (wallets) que possibilitam o seu uso diário.
No entanto os media encarregaram-se de focar no menos essencial, ou seja, no seu uso indevido (branqueamento de capitais, evasão fiscal, etc.) e não naquilo que tem de inovador e único: a transmissão de confiança entre relações ou transações. Como se no mundo financeiro atual isso já não existisse.
Não irei aprofundar o que é o blockchain (para tal existem já imensos artigos, livros e TEDx talks que o explicam muito melhor do que eu), mas gostaria de me focar num valor essencial que o blockchain tem como pilar que é a economia de confiança e a forma como os standards GS1 se irão relacionar com a mesma.
Um dos grandes ativos da GS1 passa pela definição de standards que permitem uma linguagem global entre todos os atores, maximizando a eficiência e segurança nestas relações. E uma variável crítica é a confiança na qualidade da informação que é transmitida. Não basta compreendermo-nos, também é critico confiarmos na informação que enviamos ou que recebemos de e para outras partes.
Neste campo a GS1 tem tido uma missão heróica e de elevado valor para todos nós. E uma das áreas de maior investimento tem sido a relacionada com adoção de standards de rastreabilidade aplicada setorialmente à área da saúde, transportes & logística, retalho, etc. E a verdade é que os ganhos obtidos são inquestionáveis e tangíveis. Uma excelente referência é o relatório “Strengh in unit: The promise of global standards in healthcare” publicado pela Mckinsey & Company, em especial o capítulo “Standards as a foundation for change” espelha de forma tangível e categórica as vantagens e poupanças que no sector da saúde seriam obtidas.
Outro, talvez mais relacionado com garantia de qualidade de informação de produtos, foi publicado em 2016 pela Accenture em conjunto com a GS1 Suécia, sobre o qual escrevi na altura um breve resumo, e onde são revelados os ganhos de vários milhões de euros nos últimos 10 anos por via da adoção dos standards GS1.
Regressando à questão da confiança, no início de março deste ano, o New York Times publicou um artigo intitulado “Blockchain: A Better Way to Track Pork Chops, Bonds, Bad Peanut Butter?”, que poderia ser mais um artigo sobre o tema de moedas criptografadas ou relacionado com fintechs, mas não é.
Como o próprio título indica, trata-se da aplicação do conceito de blockchain à cadeia de abastecimento onde 3 players com um peso à escala global e com papéis também eles diferentes, verificam a rastreabilidade de um conjunto de bens.
 Estamos a falar da IBM, como fornecedora de tecnologia, da Maersk, como transportadora e operador logístico e da Walmart, o maior retalhista mundial. Os exemplos vão desde o transporte de abacates até à carne de porco. E são apenas uns dos 400 clientes que a IBM tem a utilizar a sua tecnologia relacionada com blockchain. Existem questões filosóficas de que este tipo de abordagens blockchain não deverá estar confinado a um fornecedor de tecnologia, ou onde estará a informação guardada, mas vamos deixar estes temas para trás e focarmo-nos no essencial que é a confiança necessária para esta partilha.
Confiança esta que se apresenta de forma disruptiva, ultrapassando as barreiras de B2B2G2C ou B2B2C2G ou… o que for.
Quando olhamos então para o papel da GS1 e para a sua missão de ser um dos alicerces fundamentais na definição de standards para a cadeia de abastecimento (de retalho, saúde, financeira, etc.), e quando esta se depara com a realidade blockchain, que papel deverá assumir? Como incluir a utilização dos seus standards para que faça parte de tecnologias e processos orientados a blockchain? E, paralelamente, como capitalizar o contributo que no passado recente tem permitido obter ganhos a todos os atores?
É de facto uma pergunta que origina muito mais perguntas e todas exigem uma reflexão também ela disruptiva e pouco tradicional. Deverá ser constituído um mecanismo GS1 virado para processos blockchain, onde o seu uso é algo que possa transmitir a confiança entre atores? Deverá ser uma espécie de token?
A verdade é que não ter respostas concretas não é a raiz do problema.
O problema é tardar em discuti-las e percebermos que os vários atores começam a tentar encontrar as suas próprias respostas aos novos desafios sem a nossa participação, como este artigo do NYT evidencia. E o desafio não se restringe apenas à GS1 mas sim à própria existência de um standard que, no limite, é substituído por múltiplas interações, e que todas agrupadas transmitem o valor confiança.
Curioso, não é?
*Opinião de Nuno Fernandes, International Business Development Manager na Saphety