É uma tendência, uma moda, um mercado “novo” que começa a cimentar-se e a seduzir os consumidores portugueses. Já não se estranha ver alguns lineares de super e hipers com marcas de cerveja artesanal.
Apesar do volume, quer de vendas ou de produção, não chegar sequer para beliscar as marcas de cervejas mais mainstream (não existem dados oficiais, mas apontam para nem chegar a 1% de quota de mercado no setor das cervejas) a importância das artesanais ganha cada vez mais relevo, não fosse o caso da Associação Portuguesa dos Produtores de Cerveja (APCV) ter recentemente aprovado, por unanimidade, a adesão de quatro micro cervejeiros entre os seus associados, a saber: Essência D’Alma (produtores da cerveja Vadia), Os Três Cervejeiros (que fabricam a Sovina), a Happyevasion (Roollsbeer) e a Praxis Cervejas, (de Coimbra). De acordo com João Abecasis, Presidente da APCV, “acreditamos que os novos associados contribuirão para trazer ainda mais variedade, sofisticação, e dinamismo ao setor”.
E não se pense que é apenas fruto de jovens empreendedores. As maiores cervejeiras estão atentas ao fenómeno (ver caixa). A Sociedade Central de Cervejas e Bebidas (SCC) tem no seu portefólio a marca Aflligem e Unicer há vários anos que aposta neste nicho de mercado com Super Bock Selecção 1927. Ou ainda a Estrella Damn, que comercializa a “Inedit”, uma criação em parceria com o famoso cozinheiro Ferran Adriá estão atentas ao fenómeno (ver caixa).
Atualmente, são tantas as marcas de cerveja artesanais que surgem como aquelas que desaparecem, contudo, dá para estimar que, no momento, devem existir cerca de 70 marcas de cerveja artesanal.
Uma das marcas de cerveja artesanal que está a ganhar território no mercado nacional é a “minhota” cerveja Letra que surgiu em 2013 no mercado, indica à DISTRIBUIÇÃO HOJE um dos seus criadores, Filipe Macieira que em conjunto com Francisco Pereira, colegas no curso de Engenharia Biológica, que maturavam a ideia desde 2010. Depois do curso, idas à República Checa e alguma experiência em território nacional, decidiram lançar-se na produção de cervejas premium “com elevada qualidade e sem qualquer tipo de aditivos”, revela. E explica: “a nossa cerveja é um produto da região do Minho que foi desenvolvida de raiz por residentes desta magnifica região. As cervejas são distintas das demais, pelos ingredientes que usamos e pelo equilíbrio entre sabor, aroma e prazer de beber uma boa cerveja”.
Por sua vez, a ideia de criar a cerveja Vadia, produzida pela empresa Essência D’Alma, teve lugar em 2008. Os seus criadores revelam que, na altura, as motivações passaram porque na altura não existir em Portugal qualquer oferta nacional para este nicho de mercado, o know how de um dos sócios, com o curso de Mestre Cervejeiro, tirado em Nancy, França, e algumas experiência a produzir pequenos lotes num conceito de cervejeiros caseiros entre amigos e conhecidos”, indica Nuno Marques. Já a cerveja 5 e Meio surgiu em Junho de 2013 no decurso de uma conversa sobre empreendedorismo e tendo como ponto comum o gosto por cerveja. Mais recente é a Santana LX Brewery, que tal como ditam as suas insígnias LX deixa antever o fabrico em Lisboa, como revela Gonçalo Sant’Ana, responsável pela marca que conta com um ano de existência. Gonçalo explica: “Lisboa. era a única capital europeia que não tinha uma cerveja artesanal feita no seu território”.
As mais valias de um nicho
Sendo um nicho de mercado, quais as sua mais valias? De acordo com os responsáveis da cerveja Letra um dos segredos dos negócios de nicho é conhecer bem o consumidor. “Os três anos de investigação e desenvolvimento, desde 2010 até 2013, serviu precisamente para traçar o perfil do nosso cliente”, indica Filipe Macieira. De acordo Nuno Marques, da Vadia, “a diversidade de cervejas que a Vadia oferece, sem sermos concorrentes das cervejeiras industriais, consegue satisfazer desde o tradicional consumidor de cerveja até ao consumidor mais exigente, apreciador de cervejas especiais. A opção consciente de prescindir de distribuidores e agentes permite-nos conhecer profundamente todos os nossos clientes e por seu intermédio os hábitos e gostos do consumidor final. Desta forma conseguimos produzir cervejas que são verdadeiramente do agrado das pessoas.
Neste momento, o nosso público é maioritariamente masculino, com idade compreendida entre os 30 e os 60 anos, com estabilidade financeira”. Por sua vez, a 5 e Meio indica que “cada vez há mais pessoas a descobrirem que afinal, a cerveja pode apresentar-se em tantas variedades que há sabores com que todos acabam por se identificar”. Disruptivo, Gonçalo Sant’Ana indica que os consumidores são pessoas que gostam de experimentar novos tipos de cerveja. “Somos das microcervejeiras mais experimentalistas do mercado e acreditamos que os nossos consumidores são adeptos da experimentação e da procura de novos sabores””. E avança: “temos alguns clientes que em espaços de restauração perguntam que tipo de cerveja há naquela semana, pois estão já a habituar-se ao nosso experimentalismo”.
Onde estão presentes?
E sim, já é possível encontrar algumas das marcas de cerveja artesanal na modern Distribuição, mas como alguma dificuldade de volume de produção próprias das microcervejeiras. A Letra está presente no El Corte Inglês (ECI). “Não consideramos o ECI como sendo grande distribuição, uma vez que oferecem aos seus clientes produtos mais exclusivos e são orientados a um mercado que não é o mercado de massas”.
A Vadia está “essencialmente no canal HoReCa”. Apesar disso é possível encontrar a marca nos hipermercados do grupo Auchan. A 5 e Meio, por opção, está presente apenas em espaços de restauração “não temos como estratégia de negócio de médio prazo estar na grande distribuição”. A Sant’Ana LX está presente no espaço Jumbo Gourmet (Auchan). Gonçalo adianta que as regras com que a grande distribuição funciona “não são compatíveis com quase ninguém das cervejas artesanais. Nos espaços Gourmet há flexibilidade, mas as exigências, os protocolos, os códigos de barras, as certificações, são um custo que nem sempre é justificável para o volume que temos”.
Relação com as grandes cervejeiras
E se percebemos que há interessa da APCV em ter algumas marcas artesanais como suas associadas, o que pensam os micro-cervejeiros da grande cervejeiras. De acordo com a Letra,a relação com as grandes cervejeiras “é muito saudável”, existem plataformas como é o caso da APCV (Associação Portuguesa de Produtores de Cerveja) que promove a interação entre pequenos e grandes cervejeiros, partilhando conhecimentos e com um objetivo comum, enaltecer o produto cerveja como um produto de qualidade que gera empregos e riqueza ao país, acrescenta Filipe Macieira. O mesmo pensa Nuno Marques, responsável pela cerveja Vadia: do nosso ponto de vista, todos temos a ganhar na união à volta de um produto que, infelizmente, ainda é visto como um produto “menor”. As pequenas cervejeiras poderão dar um grande contributo na melhoria desta imagem junto dos consumidores e por sua vez as grandes cervejeiras poderão apoiar às microcervejeiras na sua relação com o estado e legisladores”. Para a 5 e Meio “
as marcas de cerveja artesanal nunca serão concorrência para as grandes marcas de cerveja, primeiro pela dimensão destas que tornam o processo de fabricação imbatível, depois porque estas marcas possuem todo um know-how e recursos que lhes permitem fazer o que bem entenderem. Achamos que as cervejeiras artesanais podem estar posicionadas num sub-mercado da cerveja. Por exemplo, um cliente numa esplanada a comer tremoços e caracóis não vai pedir uma cerveja artesanal, mas acreditamos que um cliente num bar que venda cerveja artesanal vai querer provar e continuar a beber, pois vai obter uma experiência de palato e aroma que não encontra na cerveja industrial”.
Gonçalo Sant’Ana discorda: “Sou muito critico no interesse da APCV nos micro cervejeiros, ajudei a lançar a associação de cervejas artesanais para tentarmos definir uma série de parâmetros”. E acrescenta: “acredito que não faz sentido nenhum os micro-cervejeiros estarem juntos com os cervejeiros industriais. Advogamos produtos diferentes, são ambos cerveja, mas são produtos diferentes na sua comunicação. Não estou a dizer que a cerveja industrial é má, atenção, e também há pontos de interesse comuns, mas acho que faz sentido as duas associações pertencerem-se uma à outra, ou existir um conjunto de pessoas que façam a ponte, e trabalharmos em conjunto, como a luta do taxação do IVA”.
Certo é que o fenómeno está a crescer e ainda há espaço para surgirem mais marcas de cerveja. O volume poderá nunca ser muito grande, mas é uma categoria a ter em conta e que irá crescer nos próximos anos.