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Vinho: há espaço para todos?

Vinho: há espaço para todos?

Demasiada procura para pouca oferta. É assim o linear de um super ou hipermercado. Serão os produtores de vinhos, grandes ou pequenos, capazes de competir (e vencer) pela presença numa grande superfície?

Portugal é um país de vinho. E isso nota-se não só no número de regiões vitivinícolas e nos produtores existentes, mas também na diversidade de referências colocadas no linear dos super e hipermercados, principal local de compra dos consumidores. Mas será que o retalho se coaduna a todo o tipo de produtores/vinhos? Quais as vantagens (e desvantagens) de estar no linear? Haverá espaço para todos os produtores e tipos de vinhos? Estas foram algumas das questões que a DISTRIBUIÇÃO HOJE colocou junto de alguns produtores.

 

Estar perto do consumidor. Essa é, para Rui Correia, diretor comercial e de marketing da Global Wines, empresa detentora de marcas como Cabriz, Casa de Santar ou Quinta do Encontro, a principal vantagem de estar presente no retalho. “Se o consumidor tem pouco tempo e aproveita para fazer as compras todas no mesmo local, o produto tem de estar disponível onde o consumidor está.” José Serpa Pimentel, diretor comercial da Quinta da Pacheca tem uma opinião semelhante. Para este executivo o “fazer com que o seu produto possa estar e possa chegar a todo o lado, ou seja com parceiros de retalho espalhados por vários pontos do país, pode-se assegurar que o produto chegue a todos os pontos de consumo”.

Sobre o tema Filipe Cardoso, proprietário da Quinta do Piloto e administrador da SIVIPA é muito claro: depende da estratégia e posicionamento da marca. Tendo em conta que as grandes superfícies representam atualmente cerca de 80% (ou mais) das vendas de vinho em Portugal, para este produtor “é quase impensável não estar presente nas grandes superfícies”. Principalmente se a empresa em causa produzir vários milhares de garrafas. A única exceção é quando “se tem um mercado de exportação muito grande que absorva toda a produção”. Mas, para vender em Portugal é preciso estar nas superfícies. “Porque os supermercados estão presentes em todo o país, é onde os portugueses fazem compras. E é onde o vinho tem de estar presente se quer ser conhecido e estar acessível ao consumidor”.

 

Na visão de Filipe Cardoso estar nas grandes superfícies pressupõe ter uma gama mais comercial. de “vinho diário”. Mesmo porque o fator preço ainda é determinante no momento da escolha. No caso de o produtor optar por ter gamas mais altas “aí o poder da marca é muito importante”. Isto porque se a marca for poderosa, conhecida por todos, como por exemplo, o Pêra Manca, o Barca Velha, “essa marca tem peso e consegue-se (um bocadinho) impor a sua força”. Consegue impor alguns requisitos para estar presente, nomeadamente em termos de posicionamento de preço.

No entanto, a diversidade, aliada ao facto de, no retalho, normalmente, não haver aconselhamento sobre a escolha do vinho, acaba por afugentar ou limitar a escolha dos consumidores. Estes tendem a optar ou por uma marca conhecida e que lhes oferece uma garantia do que estão a comprar ou escolhem uma promoção, indo pelo fator preço. Sem esquecer, lembra, Rui Correia, o “custo de estar presente”. O espaço no linear é limitado e a concorrência é grande. Quando a procura é maior do que a oferta…

 

Vinho: há espaço para todos?Já Filipe Cardoso refere que algumas marcas do retalho “brincam” com as marcas do produtor. Isto porque, na ânsia de apresentar preços competitivos acabam por desgastar as marcas e as desvirtuar. Veja-se o caso de pequenos produtores, com vinhos “muito bons, mas “menos conhecidos”. Muitas vezes acontece que a superfície acaba “por estragar” a marca. Como? Imagine que tem uma marca e que elabora toda uma estratégia para um determinado posicionamento/preço. E que a superfície começa a vender abaixo desse valor (que também é cobrado em outros canais, como por exemplo, o canal Horeca). Todo o trabalho “cai por terra”. “Uma marca de um segmento mais alto faz-se na restauração”, afirma Filipe Cardoso.

No início do seu projeto, há cerca de 10 anos, Márcio Lopes, produtor de vinhos como o Pequenos Rebentos, Proibido, Permitido e Ensaios Soltos, equacionou estar presente nas grandes superfícies. Mas rapidamente mudou de ideia. Tudo porque relatórios que lhe chagaram às mãos indicaram que a maioria do vinho vendido nesses espaços ia até 4 ou 5 euros. tendo um vinho num posicionamento acima desse valor Márcio Lopes considerou que “não era o seu target”. Não só por uma questão de preço, mas também porque acredita que a política praticada pelas grandes superfícies não se coaduna com a sua, nomeadamente em termos de devoluções. Opinião partilhada por João Póvoa, da Kompassus, que afirma que, para pequenos produtores as pequenas superfícies, nomeadamente as garrafeiras, são a melhor forma de distribuir os vinhos. O produtor considera que é necessário ter uma determinada dimensão, com uma equipa especializada, para poder negociar com as grandes superfícies. Algo que a maioria dos pequenos produtores não tem.

 

A vantagem das marcas exclusivas
Uma alternativa, em que o cenário é vantajoso para toda as partes, consiste na criação de marcas exclusivas. Consiste num acordo entre as superfícies e os produtores para criação de uma marca específica para aquela superfície. Para o produtor funciona como uma segunda marca, sendo que a superfície tem liberdade de gerir o vinho nas suas várias vertentes. Isso acontece quando o produtor não quer colocar a sua marca principal nessa grande superfície, com medo que a superfície estrague a marca e então cria uma marca exclusiva para aquela superfície trabalhar. A SIVIPA, por exemplo, criou a marca Veritas que só está disponível no Lidl. A gestão é do Lidl, mas a marca é “nossa”.

“Se o consumidor tem pouco tempo e aproveita para fazer as compras todas no mesmo local, o produto tem de estar disponível onde o consumidor está” – Rui Correia, Global Wines

Mas isto só faz sentido se for um produtor já com alguma dimensão. Essa é a opinião de Filipe Cardoso, que, enquanto proprietário da Quinta do Piloto, já foi convidado para criar marcas exclusivas. Principalmente quando o produtor pretende transmitir o posicionamento/imagem de um vinho de Quinta, de família, um vinho clássico, o fazer um vinho exclusivo não só confunde o consumidor como desvirtualiza a marca.

Promoções condicionam compra
É frequente ver nas grandes superfícies campanhas com promoções ou feiras. Vinhos com 35% de desconto, a metade do preço… sobre este tema as opiniões divergem. Rui Correia acredita que as feiras misturam dois aspetos: divulgação e oportunidade. ”Por um lado, dos milhares de produtos que concorrem no linear, apenas uma centena será selecionado para a feira. Por outro lado, é uma oportunidade para o consumidor de comprar em condições ainda mais favoráveis”, constata. Já Manuel Castro Ribeiro, diretor-geral da Quinta do Portal, afirma que “no nosso caso e na maioria dos produtores dificilmente acrescenta valor à marca”. O problema das promoções, para Filipe Cardoso, é que faz com que os consumidores apenas comprem aquele vinho quando está em promoção. Principalmente porque vários produtores afirmam que é tudo preparado. Que o verdadeiro valor do vinho é quando ele está em promoção. Seja ou não verdade o certo é que isso determina o momento de compra. Porque uma pessoa deverá pagar 9 euros por vinho que está regularmente com promoções de 50% de desconto? Compra apenas quando ele está a metade do preço, pois claro.

Garrafeiras, a salvação dos pequenos produtores?
Um consumidor um pouco mais informado já começa a fugir de comprar nas grandes superfícies. Esta é a opinião de Filipe Cardoso. Porque tem um maior conhecimento sobre o tipo de vinhos que gosta. E tende a ir a uma garrafeira onde consegue obter melhores preços durante todo o ano, dado que não “há tantas oscilações de preço”.

Por outro lado, verifica-se que “essas” garrafeiras tendem a procurar vinhos mais desconhecidos, de pequenos produtores, tendo no seu portfólio vinhos menos mainstream (não que também não haja destes). Razão pela qual Filipe Cardoso prevê um futuro risonho para este tipo de espaços. Porque, entre outras coisas, fazem a distribuição para restaurantes mais locais.

Vinho: há espaço para todos?Sobre as garrafeiras Manuel Castro Ribeiro refere que “é mais fácil estar num local específico de venda de vinho, em que há menor pressão do comerciante em rodar o stock. Há ainda maior apetência a ter produtos menos conhecidos. É claramente um nicho interessante para alguns produtores com produtos mais específicos, mas não necessariamente de menor dimensão.” Já Rui Correi tem uma opinião ligeiramente diferente. O diretor comercial e de marketing da Global Wines acredita que “as garrafeiras são essenciais para um determinado tipo de trabalho que os hipermercados e supermercados nunca irão fazer. Um canal se é especializado não é uma alternativa. É o canal por excelência. Ninguém melhor que os profissionais das garrafeiras para contarem as histórias por detrás das marcas e dos produtos. São eles os embaixadores das marcas.”

Há ainda uma outra questão. Quando se trata de pequenos produtores, como Márcio Lopes, que produz cerca de 70 mil garrafas por ano, as garrafeiras e o canal Horeca acabam por esgotar a produção. Sendo que é, também, um negócio mais seguro.

“É quase impensável não estar presente nas grandes superfícies” – José Serpa Pimentel, Quinta da Pacheca

Há ainda uma outra vantagem, apontada por João Póvoa. Na garrafeira existe uma pessoa conhecedora, capaz de explicar o vinho ao consumidor. Nas grandes superfícies a única forma de isso acontecer é se a marca pagar a alguém para estar fisicamente a fazer esse papel. Algo que é inviável. Ainda mais se o produtor for de pequena dimensão.

Motivos para o abandono
Mas o que poderia levar um produtor de vinhos a abandonar a sua presença no linear de uma grande superfície? Ou sequer a equacionar estar presente? Rui Correia confirma que a empresa já equacionar fazer esse movimento (o de sair), explicando que isso ocorre em “marcas cujo posicionamento não vai ao encontro do consumidor que compra no retalho. “Os produtos de produção limitada e exclusiva, orientados para os consumidores que os procuram noutros canais, não fazem grande sentido no retalho, pois o investimento para lá estar não só não compensa o volume que esse produto tem ou tende a ter, nem tão pouco lhes confere a exclusividade que, na criação do produto, se quis conferir ao produto”, refere, acrescentando que “o retalho também não quer produtos que não sirvam os seus interesses e os seus clientes”. Já Manuel Castro Ribeiro e José Serpa Pimentel afirmam que nunca equacionaram sair do retalho, dado que aí conseguem dar mais força e nome à marca.

Lidl: vinhos diferentes e de elevada qualidade/preço
No ano passado o Lidl fez uma jogada arrojada. Contratou a crítica de vinhos Maria João de Almeida para reformular toda a sua área de vinhos. O novo posicionamento da insígnia é completamente diferente do existente no mercado (o El Corte Inglês está, segundo opinião unanime, num “campeonato à parte”). Por um lado, não poderia competir em termos de espaço. As lojas são mais pequenas do que as grandes superfícies. Pelo que apostou em ter um portfólio diferente. Apresentado por momentos de confuso para, como refere Maria João de Almeida, facilitar a aquisição do produto. Isto porque, reconhece a profissional, é fácil uma pessoa, que não tenha conhecimentos aprofundados sobre vinhos, se perca entre as inúmeras referências disponíveis.

É certo que a loja terá de ter, obrigatoriamente, vinhos de entrada de marca, os chamados vinhos do dia-a-dia. Mas também estão, agora, disponíveis, os vinhos para ocasiões especiais, para oferecer, para ir jantar com os amigos… Sendo que o pretendido é encontrar “preciosidades”. Vinhos que garantidamente, e independentemente do preço final, o consumidor tenha a perceção de que fez um bom negócio. Que aquele vinho que até custa 8 euros na verdade está barato para a qualidade que apresenta.

Uma das formas de conseguir isto reside no contato com produtores, onde o Lidl compra a produção (ou parte dela) para venda em exclusivo.

O objetivo, como refere Maria João de Almeida, não é ter uma grande variedade ou entrar numa guerra de preços (também não praticam, como outras insígnias, uma política de devoluções ou de “quebra de preços”. É sim ter uma variedade q.b. com preços justos e, principalmente, surpreender o consumidor com as várias ações que já se fizeram e estão planeadas. Seja um pacote especial com um vinho de média gama (ou topo de gama) para o Natal, seja uma divulgação pontual de uma determinada referência… porque esta é uma outra caraterística da insígnia: as oportunidades. O Lidl é conhecido por ter campanhas temáticas de produtos. Isso, associado à limitação de espaço, permite que seja mais seletivo na escolha dos vinhos. Com surpresas de edições limitadas e de produtores menos conhecidos no mercado.

*este artigo foi originalmente publicado na edição 472 da Distribuição Hoje

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