No dia em que se deu a fusão legal entre a Whirpool e a Indesit em Portugal, Hugo Silva, Diretor Geral da Whirlpool Portugal SA, falou à Distribuição Hoje sobre os projetos da empresa em Portugal e as grandes tendências no mercado de eletrodomésticos. Com 22% de quota de mercado, com as marcas Whirpool, Hotpoint e Indesit, a ambição é continuar a crescer e atingir um quarto do mercado português de eletrodomésticos.
Quais as vantagens que representa a fusão legal entre as duas empresas?
A aquisição da Indesit a nível europeu ocorreu em novembro passado e desde então foi necessário fazer um processo de integração que incluiu agregar as equipas num único escritório, os postos de assistência técnica, os armazéns, só faltava a fusão legal. Hoje temos uma única empresa que gere em Portugal as três marcas: Whirlpool, Hotpoint e Indesit. Com esta fusão simplificamos muito a operação para os nossos clientes, que são comuns em 90% dos casos, pois passaram a ter apenas um interlocutor. As vantagens a nível interno também são importantes, nomeadamente em termos de redução de custos. Hoje somos o super número 1, com 22% de quota de mercado em valor e um pouco mais de 17% em unidades. O nosso concorrente mais direto tem 17% do mercado e o terceiro tem 9%.
Como se posicionam as três marcas da Whirlpool Portugal no mercado português?
O grande desafio desde março do ano passado foi passarmos a gerir marcas que eram nossas concorrentes. A Indesit não é um problema pois é uma marca de entrada de gama, com um posicionamento muito claro. Mas tínhamos um problema com a Whirlpool e a Hotpoint porque eramos absolutamente benchmark e tivemos de decidir como distingui-las. A partir de estudos que fizemos em Portugal e no resto da Europa percebemos que a Whirlpool é a marca que está a subir e por isso estamos a puxá-la para cima, para ficar ao nível de uma Bosch (já lá estava relativamente perto). Acreditamos que a Whirlpool tem mais espaço para crescer aqui em Portugal pois é uma marca a que se reconhece valor. Estamos a introduzir uma série de novos produtos que completam a gama e lhe dão uma face de muito mais qualidade. Hoje conseguimos entregar design, caraterísticas de produto e classes energéticas a um preço relativamente interessante. Por sua vez, a Hotpoint vai ficar onde está, ao nível de uma Samsung e de uma LG, e a Indesit onde já estava, ao nível de uma Becken e de uma Candy. Metade das vendas da nossa empresa são Indesit e o resto divide-se entre a Whirpool e a Hotpoint.
Quais são os produtos mais fortes de cada uma das três marcas?
Temos quatro grandes categorias: roupa, loiça, frio e encastre (fornos, placas e exaustores) e as três marcas têm uma gama muito completa, diferenciando-se no design e nas caraterísticas do produto. Hoje, as três marcas vendem todos os produtos de forma mais equilibrada do que há um ano atrás. A Indesit é um pouco mais forte no frio, a Hotpoint no frio e também na roupa e a Whirlpool tem um grande reconhecimento do produto ao nível dos micro-ondas, por exemplo. Temos micro-ondas que custam 400 euros e micro-ondas de encastre a mil euros.
Quais são as principais novidades nas três marcas?
A grande novidade este ano – e estou admirado e satisfeito – é fazer uma integração destas, pois é um enorme desafio. A Indesit custou cerca de mil milhões de euros e o investimento total são cerca de 3 mil milhões, ou seja, fazer a fusão total na Europa custa 2 mil milhões de euros e vai culminar numa nova sede em Milão, no ano que vem. O maior custo é a reestruturação fabril, que estará terminada até ao primeiro trimestre do ano que vem. Temos 15 fábricas na Europa, onde trabalham 15 mil operários fabris que produzem 97% do que é vendido na Europa e em Portugal. Só fechamos uma fábrica mas optámos por reestruturar especializando as fábricas de forma a complementarmos a produção para as várias marcas. Por exemplo, na Polónia a Indesit tinha duas fábricas e a Whirpool tinha uma, mantivemos as três fábricas a funcionar mas pusemos cada uma delas a produzir um determinado tipo de produto para todas as marcas. Há dez anos toda a gente foi a correr produzir na China e na Ásia, agora já está a haver um retorno da produção para a Europa e ainda bem, na minha opinião. No nosso caso, falamos de uma Europa alargada, que inclui também a Turquia e a Rússia, onde temos fábricas. As marcas brancas, de produto barato, cresceram muito nos últimos seis a sete anos, mas estão a perder força. Claro que vai haver sempre um segmento de mercado que as escolhe, porque não tem capital, mas o consumidor está cada vez melhor informado, graças à Internet, e tem crescente preocupação ambiental.
Introduzimos no mercado um novo forno de indução que consome metade da energia de um forno normal e temos máquinas de roupa que gastam menos 80% que uma máquina classe A. Este tipo de produtos requerem um mega investimento em tecnologia e muitos países do Oriente não conseguem fazê-lo, pois para produzir barato só com plataformas de produção velhas. Em 2015 e 2016, investimos 350 milhões de euros em I&D só na Europa.
Quais são os grandes objetivos para o mercado português no curto e médio prazo?
Nas categorias onde já somos líderes – roupa, loiça e frio – queremos consolidar e isto significa crescer mais em valor do que em volume, ou seja, o aumento em volume deve ser uma consequência do valor. Temos 27,8% de quota em roupa, 22,9% em frio, 36,5% em secadores, 27,6% em loiça e 14% em encastre. Aqui somos o número quatro do mercado e ambicionamos chegar à liderança no médio e longo prazo, de forma consistente e não através de uma redução enorme de preços.
O mercado tem uma parte sell in, de venda à loja, e outra sell out, que é onde estamos a apostar. Para gerir três marcas e uma quota de mercado deste tamanho o nosso segredo tem sido o investimento em marketing, para aumentar a rotação do produto, e isso tem-nos trazido um pouco mais de quota nalguns segmentos. Em março deste ano tornamo-nos líderes em loiça sem fazer grande atividade promocional. Se oferecermos um bom produto, com boa estética e um preço aceitável o sucesso acontece.
Este ano preveem crescer acima do nível do mercado?
O mercado português de eletrodomésticos caiu 30% em 2011 e 2012, com a quebra do mercado da construção e a crise económica. Desde há dois anos está a recuperar e este ano vai crescer entre 7% e 8%, o que é bastante interessante. Nós vamos acompanhar este movimento, um pouco acima até.
Em 2015, faturamos 59 milhões de euros, o que representou um crescimento de 6%, e este ano queremos superar a fasquia dos 65 milhões de euros. Estamos no bom caminho. Mas mais do que a faturação interessa-nos ter lucro, pois temos de rentabilizar o investimento muito relevante que foi feito com a compra da Indesit, globalmente e sobretudo a nível da Europa. Toda a estratégia que temos montada vai no sentido de aumentar a quota em valor, em detrimento, se necessário, da quota em unidades. A venda de unidades tem de ser uma consequência do valor e não o contrário. O nosso objetivo é chegar aos 25% em valor. O mercado de eletrodomésticos depende muito do estado da economia. São produtos caros, com um impacto grande no orçamento das famílias e que se move em mais de metade por crédito ao consumo, o que mostra que não há capital. Quando há rumores de problemas na economia há uma quebra automática no consumo, nota-se ao dia.
Disse que a grande aposta da Whirpool é o sell out. Quais são as principais estratégias para vender, fidelizar os clientes e melhorar a sua experiência de compra?
Na restruturação reduzimos o número total de pessoas mas aumentámos o número de pessoas em dois departamentos: o marketing e a assistência técnica. Defendo que o serviço que prestamos ao consumidor tem de ser muito bom.
Investimos muito na formação dos assistentes de loja, quer nas equipas que trabalham junto dos clientes, quer nas equipas de merchandisers que visitam as mais de 200 lojas mais importantes do país. Explicamos todas as vantagens dos produtos, das maiores às mais pequenas, pois é muito importante que os clientes percebam os benefícios que alguns aparelhos têm. A evolução tecnológica neste mercado é enorme e justifica o investimento que o cliente faz.
A Whirlpool e a Indesit sempre se preocuparam em ter um produto competitivo para a loja mas também em simplificar a vida do consumidor nas tarefas domésticas. Temos uma máquina de loiça topo de gama com um único botão, que toma todas as decisões de lavagem. É o futuro.
Simplificar a vida do consumidor é a estratégia de diferenciação da Whirlpool face à concorrência?
Simplificar a vida do consumidor, mantendo uma gama competitiva de preço, sobretudo na Indesit. Conforme vamos subindo no posicionamento das marcas vamos subindo no desenvolvimento tecnológico.
As promoções fazem também parte da estratégia? A lógica da promoção já faz parte da mentalidade do consumidor português, é difícil escapar-lhes…
Claro que fazem. Existem as promoções típicas da loja, que seguimos ou não, e as nossas, que generalizamos ao mercado. O problema é que em Portugal, com a crise, a atividade promocional duplicou, o que é um erro estratégico. Hoje temos consumidores à espera do dia sem IVA ou de outras promoções do género. Já se começa a sair um pouco disto, a distribuição já percebeu que não é com promoções que o mercado cresce. Segundo dados da GfK, hoje o preço de uma máquina de lavar roupa é igual a 2008, sendo que o produto é muito melhor do que era nessa altura. Ou seja, a marca e a loja não conseguem trazer valor acrescentado à venda. Internamente Portugal e a Espanha fazem parte de um cluster onde estão a Bélgica, Suíça e Holanda. Olhando para os nórdicos, percebemos que é a vender caro, e a criar valor, que os países se desenvolvem. Nestes países os preços têm vindo a aumentar exponencialmente e não estão mais pobres por causa disso, pelo contrário. Têm um preço médio duas vezes superior ao nosso e a Suíça tem uma margem média sete vezes superior por peça vendida. Em Portugal continuamos a insistir num modelo em que cada vez se vende mais barato, não se cria valor e se despede mais. Há lojas onde havia 50 colaboradores e hoje há 10. O nível de atendimento e a experiência de compra são péssimos e eu, como marca, pago essa fatura. Às vezes, o consumidor final está mais informado que o vendedor, que ganha o ordenado mínimo, tanto vende aparelhagens como máquinas de lavar e, claro, não está motivado.
O preço continua a ser a característica mais valorizada pelo consumidor quando compra um eletrodoméstico?
Mais do que o preço importa a oferta que se faz. Se o produto custava 599 e o vendo por 499 consigo criar um apelo à compra e tornar o produto mais interessante. Em Portugal não é o mais barato que vende mais. Se analisarmos as seis marcas de eletrodomésticos que mais vendem no mercado português – três delas nossas –, e que representam quase metade do mercado, todas elas vendem acima do preço médio do mercado. Por isso não se pode dizer que Portugal é um país de preço.
Como funciona a distribuição em Portugal no caso da vossa empresa? Qual é o peso das vossas vendas em cada canal?
A distribuição moderna tem cerca de 50% a 55% do mercado e nós, como líderes, estamos na mesma linha. A distribuição tradicional – grossistas e independentes – representa 30% e o restante distribui-se de forma equitativa pelo canal canal kitchen (especialistas em cozinhas que também vendem eletrodomésticos), mass merchandisers e DIY. A grande distribuição cresceu nos últimos 10 a 15 anos de uma forma exponencial e, desde a crise, entrou numa fase de estabilidade. As vendas online crescem ligeiramente e o mercado kitchen também. A crise “limpou” o mercado, o retalho que sobreviveu tem muita qualidade e distingue-se por prestar mais serviço do que preço. A grande distribuição também presta serviço mas é um pouco mais impessoal e tende a vencer pelo preço. O comércio tradicional cresceu 2% este ano, foi busca-los à grande distribuição, o que é um movimento que não se via há dez anos.
Quais são as grandes tendências que antevê em termos de distribuição?
É no online que se vai assistir ao grande crescimento, mas não é pelo fator preço, será pelo fator oferta. Hoje o online consegue ser mais competitivo no segmento mais elevado mas também isso vai mudar radicalmente. O online em Portugal representa cerca de 2% a 3% do mercado, segundo dados da GfK, enquanto na Holanda chega a 37% e no Reino Unido a 53%. Estamos cinco a dez anos atrasados. As vendas online vão explodir em Portugal por dois motivos, na minha opinião. O primeiro é a entrada de operadores de confiança, como aconteceu com a entrada da Amazon em Espanha, que fez aumentar o mercado online de 2% para 12% em pouco mais de um ano. O outro fator é quando a próxima geração começar a comprar. Também é de esperar uma mudança radical no modelo de loja. Há 15 anos atrás passamos de um modelo de lojas pequenas de bairro para grandes lojas. A Singer faliu porque não se adaptou ao novo modelo. A Internet vai fazer acabar as lojas grandes pois vai deixar de ser rentável manter espaços enormes, de milhares de m2, que implicam um investimento brutal, quando qualquer loja online tem mais catálogo do que uma loja de 5 ou 6 mil m2 a custo quase zero. O nosso maior cliente do Reino Unido não tem uma loja aberta e vende 100 milhões de euros/ano. Esta é a tendência. Há tempos, uma mega loja orgulhava-se de ter 86 máquinas de café em exposição. Não é rentável, há 60 máquinas que estão a ganhar pó e não vendem. Alguns dos nossos clientes já estão a reduzir a área e os empregados para metade e conseguem vender o mesmo.
Que balanço faz das duas convenções de clientes retalhistas da Whirlpool Corporation, que se realizaram a 23 e 28 de junho, em Lisboa e no Porto?
Juntamos mais de 400 pessoas, dos quais 300 clientes. Convidámos diretores de loja e diretores de secção, pois consideramos que as pessoas ligadas à venda direta são as que têm de estar convencidas dos benefícios do produto. É a nossa estratégia de sell in.O objetivo das convenções foi mostrar a imagem da empresa hoje, com humildade mas conscientes do que somos. Mostramos o resultado da reestruturação, a nossa força financeira, de produto e de equipa, que é muito acima da média do mercado, globalmente e localmente, na minha opinião. A par, mostramos as novidades em termos de produto. Com a especialização das fábricas mudámos quase metade da gama, o que foi muito ambicioso. Hoje a distribuição moderna são três ou quatro insígnias que representam mais de metade das vendas e elas precisam de marcas fortes, capazes de dar resposta aos elevados pedidos de investimento, relacionados com apoios de marketing, promoções, etc. Temos um budget de publicidade superior a 1 milhão de euros, a que acresce o investimento no retalho. Essa massa crítica é essencial para ajudar as insígnias a manterem o motor a trabalhar.