Quantcast
ADECI

DH Lab | ADECI: A start-up que quer fazer dos dados o ‘prato principal’ da restauração

DH LAB

ADECI

A start-up que quer fazer dos dados o ‘prato principal’ da restauração

A ADECI nasceu daquilo que parecia uma simples curiosidade: “E se me dissesses o que vai acontecer amanhã?”. Essa pergunta, lançada por um empresário de uma cervejaria, deu origem a um projeto académico no verão de 2021, que veio a transformar-se num projeto de uma ambiciosa start-up.

Jornalista: Sérgio Abrantes | Fotografia: Igor Martins

Focado em previsão de vendas na restauração, recorrendo à tecnologia para trazer conhecimento acionável, a ADECI, fundada formalmente em abril de 2023 por Telmo Taipa e Helder Pereira, ambos com formações em logística e tecnologia, tem vindo a fazer da inteligência artificial (IA) e do machine learning (ML) o motor de um produto inovador que já está a despertar interesse em grandes cadeias nacionais.

O DH Lab foi, por isso, conhecer em mais detalhe este projeto que ajuda não só a tornar mais eficientes os negócios, mas também mais amigos do ambiente, ao evitar que dezenas de alimentos acabem no lixo.

DH LABDa ideia académica à solução empresarial
O projeto inicial da ADECI começou com uma simples simulação: dados históricos de consumo de barris de cerveja foram usados para estimar o momento ideal para renovação de stock de uma cervejaria. A ideia era tentar perceber o que ia acontecer, olhando para o passado e para um conjunto de variáveis que podiam dar-nos pistas muito concretas sobre decisões a tomar para o futuro.

O sucesso dessa experiência, apoiado por uma aplicação prática no terreno, abriu caminho à exploração de algo mais ambicioso: prever vendas do dia seguinte. A proposta foi estendida para além do stock e passou a incluir previsão de faturação diária, quantidade de clientes esperados, consumo por produto, e até dimensionamento de equipa para cada turno.

Em menos de dois anos, a ADECI consolidou um modelo preditivo que associa um algoritmo próprio com variáveis meteorológicas, eventos locais, feriados, reservas e até análises de reviews.

O motor da solução é um modelo de machine learning que se alimenta de dados de vendas históricos, clima, calendário e eventos. Ele deteta, como nos conta Telmo Taipa, padrões complexos que escapam a análise linear, atribuindo pesos e probabilidades aos múltiplos fatores que influenciam o comportamento do consumidor.

“Não estamos a falar de uma equação matemática. Não é A mais X, mais B vezes X ao quadrado, mais X vezes X ao cubo, não é nada disso. Ou seja, nós temos o nosso próprio modelo de Machine Learning, que tem um conjunto de variáveis que todas interagem entre elas. Através do treino do modelo, ele vai aprendendo com os dados do negócio e consegue perceber que quando aquele conjunto de fatores acontece ao mesmo tempo é previsível que aconteça determinado output”, explica o fundador Telmo Taipa.

DH LAB

E embora os processos internos sejam sofisticados, a interface final é desenhada para ser simples e intuitiva, com o consumidor, no café a cervejaria que nos serviu de ponto de partida, a conseguir ver todas as previsões em segundos.

“O cliente abre a nossa aplicação e sabe quanto é que vai faturar hoje e quanto é que vai faturar diariamente nos próximos 31 dias. Sabe quanto é que vai vender de cada produto hoje e nos próximos 31 dias. Ou seja, se vender cerveja 0.33, vender francesinha, vender risotto, vender bacalhau à brás, para cada um destes produtos ele sabe quanto é que vai vender hoje. E sabe quantos clientes é que vai receber hoje ao almoço, hoje ao jantar e nos próximos 31 dias. Esta é a base. Com mais informação de histórico, conseguimos ir ao mais ao detalhe”, explica.

Métricas de performance: acerto e confiança
Com um modelo funcional, a ADECI foca-se na precisão. Como nos explica Telma Taipa, as taxas de previsão (e acerto) estão entre 92% e 94%, com alguns clientes a atingir até 97% de acerto. Esses números não se traduzem apenas em previsões de faturação, pois  implicam redução de desperdício, melhor planeamento, otimização de recursos humanos e em termos de produto e, claro, por via disto tudo, aumento de receitas líquidas por razão de uma melhor gestão.

Para grandes cadeias, onde esta start-up já desenvolve projetos, a solução tem sido integrada com as fichas técnicas dos produtos, transformando previsões de vendas em ações concretas: organização de mise-en-place, compras de ingredientes, planejamento de equipa. O resultado prático mais expressivo foi a redução de desperdício de um produto em 57%, uma conquista que demonstra o impacto direto da tecnologia na operação diária.

DH LAB

Mas como funciona na prática?

  • Dados de entrada: fornecidos automaticamente, via integração com sistemas de POS, ou carregados manualmente em ficheiro. A ADECI apenas necessita de vendas históricas para iniciar a operação, sem necessidade de parametrizações complexas ou investimentos iniciais em TI.
  • Análise diária: todos os dias, a plataforma extrai dados de vendas, atualiza o modelo e gera previsões para os próximos 31 dias sobre faturação diária, número de clientes e vendas por produto.
  • Interface de decisão: num dashboard intuitivo, o gestor pode, em menos de um minuto, obter insights críticos para o dia seguinte, desde receitas previstas até quantidades de ingredientes e necessidades de pessoal.
  • Detalhes adicionais: com fichas técnicas, a solução passa a estimar consumo específico por produto — carne, batatas, bebidas — e permite planear melhor encomendas e produção antecipada.

Para situações extraordinárias, obras, eventos de grande escala, falhas no equipamento, a plataforma permite ao utilizador adicionar manualmente “eventos operacionais”, classificando-os como positivos ou negativos. Isso enriquece o histórico do modelo e melhora a adaptabilidade a situações atípicas.

“Nós damos a possibilidade ao cliente de colocar eventos por ele. A maioria da informação é recolhida automaticamente, mas há eventos que dependem sempre da interação humana: se tenho obras, se há uma avaria, se, por exemplo, tive uma reserva que me fechou o restaurante todo, com 300 pessoas, ou seja, são eventos extraordinários, muito extraordinários, e não há um histórico associado a isso, pelo que o cliente tem que inserir esses dados na nossa solução”, explica Telmo Taipa.

DH LAB

Impacto no desperdício e sustentabilidade
O desperdício alimentar é um problema central na restauração. Dados públicos indicam que Portugal é um dos países com maior volume de desperdício na Europa. A ADECI atua diretamente neste particular, com casos concretos de redução significativa, especialmente em pastelarias e produção diária.

Embora mais complexo de quantificar em restauração tradicional, o impacto já é visível e parte do próprio empresário reconhecer que parte do lucro perdido estava, simplesmente, a ser descartado.

“Quando falamos com um empresário do setor da restauração, o primeiro instinto é dizer que não tem desperdício. Salvo um setor, que é o setor das pastelarias, porque eles produzem os bolos e no final do dia, se não são consumidos, são descartados.  Aí é onde é mais possível medir o impacto da nossa solução em termos de desperdício. Aí nós temos dados. Temos restaurantes e cadeias que trabalham connosco em que nós conseguimos reduzir o desperdício significativamente. Há um caso específico em que chegámos a reduzir o desperdício de um produto que era o mais vendido em 57%”, explica.

DH LAB

O projeto também evidenciou que a tecnologia, aliada a processos adequados de coping — como uso de máquinas de vácuo para conservação — pode reduzir perdas operacionais, liberando recursos que beneficiam o negócio e o ambiente.

Expansão para retalho e fornecedores
Embora tenha surgido para a restauração, a ADECI vê caminhos claros para expansão. O retalho é o próximo alvo natural, embora ainda em fase de testes. As mesmas tecnologias que permitem prever vendas num restaurante podem ser aplicadas num supermercado ou farmácia, com adaptações à dinâmica de rotatividade, sazonalidade e promoções.

“A ‘dor’ nasceu na restauração, o modelo foi criado para a restauração. Temos casos que sabemos que o modelo se adapta a outros setores, especificamente o retalho. Agora, não consigo responder com o mesmo nível de certeza que respondo a outro setor como na restauração. Na restauração eu sei que resulta, no retalho não temos amostra suficiente para dizer que resulta. É um caminho que poderemos e que iremos querer seguir”, detalha Taipa, lembrando, contudo, que há outro setor intermédio que pode beneficiar da solução.

Assim, outro passo estratégico da ADECI é ingressar nos elos anteriores da cadeia: fornecedores e distribuidores. Com base nas necessidades previstas dos seus clientes, os distribuidores poderão ajustar entregas e gestão de stock, reduzindo perdas e melhorando o serviço. A ADECI já foi abordada por entidades interessadas nesse modelo, o que abre caminho para desenvolvimentos à medida de cada setor.

“Um produto que chega ao restaurante vem de um fornecedor, vem de um distribuidor. Se o distribuidor ou fornecedor tiver acesso a informação que lhe permite ter também do lado dele aquilo que é o abastecimento aos clientes que ele tem que servir, ele próprio vai fazer melhores compras e vai estar mais preparado para os abastecer. Ou seja, se ele sabe que um dos clientes que está a abastecer está previsto que na sua globalidade vão ser consumidos 10 mil quilos de bife de peru, ele sabe que tem que se preparar para abastecer esse cliente. Porque isto é um problema que nós já identificamos que acontece na restauração, mas que acontece nos fornecedores deles”, explica, dando um sinal de que a solução poderia funcionar, por exemplo, em grossistas.

Modelos de negócio, clientes e estratégia de crescimento
Para aderir à solução da ADECI, ao utilizar basta partilhar dados de vendas,  por integração automática ou upload, e a plataforma inicia previsões em 24 horas. A personalização e escalabilidade são diferenciais-chave, tornando a solução acessível desde micro-restaurantes até cadeias com dezenas de pontos de venda.

DH LAB | Adeci

Os planos de crescimento são ambiciosos: nos próximos cinco anos, a meta é dominar Portugal, Espanha, Reino Unido, França e Alemanha, alcançando 25 000 estabelecimentos. Paralelamente, a ADECI quer evoluir o produto:

  • Previsões em tempos mais curtos e com frequência maior.
  • Funcionalidades adicionais: sugestões de precificação dinâmica, otimização de equipa e oferta personalizada de produtos.
  • Expansão para retalho, fornecedores e fornecedores de ingredientes.

A equipa aposta, por isso, na inovação contínua, com foco em IA, automação e transformação digital num setor ainda dominado por soluções manuais e tradicionais.

O futuro da restauração tecnológica
A restauração é um setor composto por microempresas, com margens apertadas e uma digitalização heterogénea. Para que a tecnologia seja adotada, precisa ser “simples de usar, eficaz no retorno e capaz de poupar tempo e dinheiro”. Por isso, a ADECI acredita que o futuro da restauração passará também por dois eixos:

  1. Digitalização inteligente: software de previsão, análise automática de faturas, menus inteligentes, conectividade com o consumidor.
  2. Automação de processos: encomendas, pagamentos, produção e gestão de stock, reduzindo tarefas manuais.

Esta dualidade — serviço digital e eficiência automatizada — dará origem a modelos diferenciados, com experiências tecnológicas centradas no consumo e operações enxutas.

A ADECI consegue criar valor real e mensurável na restauração:

Dimensão Impacto ADECI
Previsão diária 92–97 % de acerto
Redução de desperdício até 57 %
Otimização de processos menos tempo em tomada de decisão
Planeamento operacional melhor dimensionamento e redução de custos

A tecnologia já provou potencial e resultados — e agora a ADECI enfrenta o desafio de escalar para novos mercados, setores e elos da cadeia. Se cumprir metas, poderá consolidar-se como referência global em IA aplicada à operação alimentar.

OS FUNDADORES
Helder Pereira , é licenciado em Engenharia Informática e mestre em Engenharia de Inteligência Artificial pelo Instituto Politécnico do Porto. Iniciou o seu percurso como investigador no GECAD, focando-se na aplicação de IA a sistemas energéticos, e mais tarde integrou a Galp, onde aplicou ciência de dados para otimizar estratégias de marketing. Esta experiência consolidou a sua paixão por soluções data-driven, que o levou a fundar a ADECI, startup dedicada a transformar a restauração e o retalho através de previsões alimentadas por Inteligência Artificial.

Telmo Taipa, um engenheiro visionário que, desde cedo, descobriu o dom da comunicação e do marketing. Apaixonado pelo mundo dos negócios, das vendas e, claro, pela boa comida, Telmo Taipa transformou a sua mente inquieta num verdadeiro cocktail explosivo de ideias. Da fusão entre estratégia, criatividade e inteligência artificial nasceu a ADECI — uma ferramenta que representa o futuro da restauração. Com 26 anos, formado em Engenharia e com especialização em Logística e Distribuição, foi na Restauração que descobriu o problema, e que dedicada todos os dias de maneira a mostrar que este setor pode tornar-se previsível.

Não perca informação: Subscreva as nossas Newsletters

Subscrever