Nano4Fresh
A tecnologia sustentável que quer atacar o desperdício alimentar
No nono piso da Torre Sul do Instituto Superior Técnico, em Lisboa, está a ser ‘fermentado’ um projeto de investigação que uniu vários países. O objetivo é produzir uma tecnologia de conservação de alimentos que seja, em semelhante proporção, mais sustentável, mais amiga da saúde humana, mais eficiente e que também faça descer os números do desperdício alimentar. O DH Lab foi conhecer este projeto de investigação, liderado pela Professora Filipa Ribeiro, que espera agora pelo parceiro certo para escalar a solução desenvolvida. Venha connosco nesta viagem.
Jornalista: Sérgio Abrantes | Fotografia: Rodrigo Cabrita
Foi nos labirínticos corredores da Torre Sul do Instituto Superior Técnico que conhecemos Filipa Ribeiro, Professora catedrática em Engenharia Química e responsável pelo projeto Nano4Fresh. O projeto, que o DH LAB foi conhecer, terminou no final do ano passado e foi o resultado de anos de investigação conjunta entre Portugal, Espanha, Marrocos e Itália.
No seu gabinete, rodeada por equipamentos de pesquisa, frascos de zeólitos e livros, Filipa Ribeiro explicou-nos a motivação por detrás do Nano4Fresh: combater o desperdício alimentar. “Uma das principais estratégias para prolongar a vida útil dos alimentos, mais precisamente das frutas climatérias, é o armazenamento refrigerado com atmosfera controlada”, esclarece a investigadora.
No entanto, apesar das condições que retardam a maturação, os frutas armazenadas nessas câmaras são expostos a gases produzidos no seu interior, como o etileno, um composto químico que acelera o amadurecimento das frutas e que muitas vezes acelera o processo de putrefação, obrigando a desperdício desnecessário.
O desafio do Etileno
O etileno é um gás natural produzido por frutas e vegetais durante o processo de maturação. Quando libertado no ambiente, estimula o amadurecimento acelerado das frutas à sua volta, levando à sua deterioração mais rápida. “Foi precisamente esse problema que quisemos resolver”, afirma Filipa Ribeiro.
A ideia do Nano4Fresh surgiu, assim, em 2018, fruto de uma colaboração com uma equipa espanhola. “Queríamos criar um projeto que combinasse as nossas áreas de especialização. A equipa espanhola trabalha com carvões e nós, em Portugal, especializamo-nos em zeólitos, materiais altamente porosos capazes de adsorver substâncias específicas”, explica a cientista.
Desenvolvido em consórcio com Marrocos e Itália também, o Nano4Fresh materializou-se num sistema prototipado que ‘ataca’ o etileno, na prática, capturando-o. E como? Através de Zeólitos, um material em tudo semelhante a minúsculos pellets que têm o poder de ‘limpar’ o etileno de camaras refrigeradas.
O poder dos Zeólitos
Mas como funciona esta inovação? “O que desenvolvemos foi um protótipo capaz de remover o etileno do ar no interior das câmaras de conservação, reduzindo drasticamente a sua concentração e, assim, atrasando o amadurecimento das frutas”, revela a investigadora.
O sistema criado pelo Nano4Fresh consiste num dispositivo que extrai o ar da câmara de refrigeração, faz a sua passagem através de um leito de zeólitos que captura o etileno e devolve o ar purificado ao ambiente interno. Este ciclo contínuo permite manter a fruta fresca por períodos significativamente mais longos.
“A nossa tecnologia consegue reduzir os níveis de etileno em mais de 90%, o que significa que as frutas amadurecem muito mais lentamente – ou, idealmente, não amadurecem de todo até serem retiradas da câmara”, esclarece Filipa Ribeiro.
Este processo é, como nos explica a Professora Catedrática do IST, fundamental para a conservação de frutos climatéricos, como a banana, a maçã, a Pêra Rocha e o kiwi, que produzem grandes quantidades de etileno e, se não forem devidamente armazenados, acabam por acelerar o amadurecimento uns dos outros.
Uma alternativa sustentável
Atualmente, uma das soluções utilizadas no mercado para evitar o amadurecimento precoce das frutas é a aplicação de compostos químicos como o 1-MCP (1-metilciclopropeno), um composto que bloqueia os recetores de etileno dentro da fruta. No entanto, a longo prazo, os efeitos deste tipo de tratamento ainda não são completamente conhecidos.
“Nós queríamos uma solução totalmente física, sem introdução de químicos nas frutas”, sublinha Filipa Ribeiro. “O nosso sistema utiliza um sólido adsorvente – os zeólitos – que retêm o etileno sem entrar em contacto direto com os alimentos”, sistematiza.
Além disso, há uma outra particularidade interessante. É que este material pode ser facilmente regenerado e entrar num novo ciclo de vida através de um ligeiro aquecimento, tornando-se reutilizável e mais económico a longo prazo do que os sistemas atualmente utilizados.
O teste do algodão… com a Pêra Rocha
Para validar a tecnologia em condições reais, a equipa do Nano4Fresh estabeleceu uma parceria de colaboração com o Rocha Center, um laboratório para estudos pós-colheita e tecnologias para conservação da Pêra Rocha, situada no Bombarral.
“No nosso estudo, testámos o sistema numa câmara de refrigeração onde estavam armazenadas Pêras Rocha, um dos frutos que mais beneficia desta tecnologia”, explica Filipa Ribeiro. Os resultados foram impressionantes.
Sendo este um fruto que é colhido em setembro, mas precisa de ser armazenado durante quase um ano para garantir que está disponível nos supermercados ao longo do tempo, a tecnologia da Nano4Fresch permitiu “que a fruta mantenha as suas características organolépticas – sabor, textura e aroma – sem a necessidade de adicionar químicos.”
Além do armazenamento de longo prazo, em camaras frigoríficas, a tecnologia do Nano4Fresh pode ser aplicada em supermercados, centros de distribuição, até no transporte de frutas importadas, mas, quem sabe, no futuro, também nos frigoríficos das casas dos consumidores.
“Muitas frutas são colhidas em locais distantes e transportadas em contentores por semanas. O controlo do etileno nesses espaços pode fazer toda a diferença na qualidade do produto final”, acrescenta a investigadora.
Do laboratório para o mercado
Agora que a investigação foi concluída, qual o próximo passo? Filipa Ribeiro revela que o Nano4Fresh está na fase final de validação e patenteação, e que a equipa já iniciou contactos com empresas do setor agrícola e da distribuição alimentar, que poderão beneficiar da tecnologia, a qual denominaram FreshIST. O FreshIST tem vindo a criar asas em diversas iniciativas de aceleração de inovação, como o Lab2Market promovido pelo Instituto superior Técnico.
“Queremos ver esta inovação no mercado. Ainda há alguns testes a realizar, mas acreditamos que este protótipo pode revolucionar a forma como conservamos frutas e reduzir drasticamente o desperdício alimentar”, conclui a investigadora.
Com uma solução sustentável, sem químicos e altamente eficaz, o Nano4Fresh poderá ser um ‘game changer’ no combate ao desperdício alimentar no setor agrícola, garantindo frutas mais frescas, por mais tempo, sem comprometer a sua qualidade ou segurança.
Os ‘elementos-chave’ do projeto
Adsorção:
A adsorção é um fenómeno físico ou quimico no qual moléculas de uma substância (gás ou líquido) aderem e ficam retidas na superfície de um material sólido. Este processo ocorre devido às interações intermoleculares, como forças de Van der Waals ou ligações químicas fracas. No projeto Nano4Fresh, o nanomaterial adsorve etileno nos seus microporos, reduzindo a concentração deste gás na câmara de armazenamento de frutas. O etileno pode ser removido do material através de um ligeiro aquecimento, tornando-o reutilizável.

Zeólitos:
Os zeólitos são materiais porosos, compostos principalmente por alumínio, silício e oxigénio, formando uma estrutura cristalina altamente ordenada com microporos. Estes materiais têm a capacidade de adsorver e trocar iões e moléculas, tornando-os muito úteis em diversas aplicações industriais.
No projeto Nano4Fresh, os zeólitos são usados para capturar etileno, retardando o amadurecimento das frutas. Os zeólitos podem ser naturais ou sintéticos, sendo que os sintéticos são otimizados para aplicações específicas.
Etileno:
O etileno (C₂H₄) é um gás incolor, inflamável e de fórmula química C₂H₄, sendo o mais simples dos alcenos. É um composto orgânico produzido naturalmente por plantas e frutas e desempenha um papel fundamental como hormona vegetal, regulando processos como a maturação e o envelhecimento das frutas e vegetais
Tecnologias como Nano4Fresh procuram reduzir o etileno no ambiente de armazenamento, retardando o amadurecimento e aumentando o tempo de conservação.
A equipa da Nano4Fresh
Filipa Ribeiro:
Professora catedrático do Departamento de Engenharia Química (DEQ) do Instituto Superior Técnico (IST) e líder do grupo de investigação ZEOLcat do Centro de Química Estrutural (CQE) do IST. Os seus interesses de investigação centram-se na catálise heterogénea, especialmente na utilização de catalisadores à base de zeólitos.
João Miguel Silva:
Professor coordenador do Instituto Superior de Engenharia de Lisboa (ISEL) e investigador do Centro de Química Estrutural (CQE) do IST. As suas áreas investigação incluem o Design Inovador de Produtos e Processos, a Simulação de Processos e a Catálise Heterogénea, especificamente com zeólitos.
Auguste Fernandes:
Investigador do Centro de Química Estrutural (CQE) do IST. Trabalha principalmente no design de novos materiais inorgânicos microporosos e hierárquicos, bem como na sua caracterização, essencialmente materiais à base de zeólitos.
João Lourenço:
Professor assistente da Universidade do Algarve e investigador do Centro de Química Estrutural (CQE) do IST. A sua pesquisa é centrada no desenvolvimento de métodos de síntese de materiais à base de zeólitos para aplicação em reações que envolvem a produção de produtos químicos a partir da biomassa.
Isabel João:
Professora do Instituto Superior de Engenharia de Lisboa (ISEL) e investigadora do centro de estudos de gestão (CEQIST) do IST. As suas áreas de interesse incluem o Design Inovador de Produtos e Processos, Gestão da Qualidade, Análise de Decisão e Sistemas de Informação.
Ricardo Ferreira:
Aluno de doutoramento do projeto Nano4fresh cuja tese envolve o desenvolvimento de materiais à base de zeólitos para a eliminação por via fotocatalítica do etileno produzido pelas frutas climatéricas.
Livia Dias:
Aluna de Mestrado do projeto Nano4fresh cuja dissertação envolveu o desenvolvimento de materiais estruturados utilizados no protótipo desenvolvido no projeto que visa a remoção do etileno das câmaras de armazenamento da fruta.
Laura Esteves:
Investigadora do Centro de Química Estrutural (CQE) do IST com experiência em processos de conversão da biomassa em biocombustíveis, na redução fotocatalítica do CO2 usando materiais à base de zeólitos, materiais de carbono e MOFs. Envolvida nas atividades de promoção do protótipo criado no projeto.