Quem chega a Valongo facilmente chega à fábrica Paupério. Basta seguir o cheiro adocicado até à fábrica de bolachas e biscoitos que lá nasceu em 1874. Desde então a empresa cresceu, modernizou-se, internacionalizou-se como nos conta Hélio Rebelo, administrador.
Como começa a história da Paupério?
A Paupério é fundada em 1874 por dois sócios, António de Mata Sousa Paupério e Joaquim Carlos Reis Figueira. Os dois sócios conhecem-se no Brasil, sendo um de uma família que tinha essa tradição e resolvem vir casar a Portugal e instalar-se aqui em Valongo e vieram aqui para a Rua de Sousa Paupério. Nessa altura, em 1874, a panificação já estava numa trajetória descendente, ou seja, havia que descobrir novos nichos de negócios e então eles viram que este segmento da biscoitaria e das bolachas poderia ser uma mais-valia. Começaram a desenvolver a empresa e esta começou a crescer. A fábrica foi passando de geração em geração até Eduardo Joaquim Reis Figueira ficar com uma quota da fábrica, depois herdou da sua tia Elvira a outra parte e ficou sócio maioritário. Geriu a fábrica durante um período enorme, foi um período em que a fábrica cresceu imenso, nós tinhamos a exclusividade de fornecimento dos produtos para as colónias ultra-marinas. Numa época anterior à integração da União Europeia e onde empresas como a nossa eram consideradas grandes empresas, aliás mais de 100 pessoas trabalharam cá.
Mas estiveram sempre nestas instalações?
Naquela altura, o importante nas fábricas era a mão de obra. Mas temos equipamento que tem mais de cem anos. No entanto, quando pensamos em deslocar a produção para uma zona industrial chegámos à conclusão que essa não era a solução. Porque temos aqui alguma capacidade instalada. Além disso, o nosso maior cliente continua a ser a loja da fábrica.
Mas o facto de estarem no centro de Valongo traz inconvenientes?
Sim, não conseguimos ter custos de produção ao nível que as grandes superfícies oferecem. Em primeiro lugar porque estamos a falar de processos muito artesanais, nomeadamente no que respeita a embalamentos. O outro problema tem a ver com o custo da energia, pois a energia é cara em Portugal. O outro nosso grande problema é a localização. Poderíamos comprar no que respeita a mercadorias consumíveis, caixas, películas, latas e matérias-primas a um preço mais adequado, muito mais vantajoso se tivessemos condições de carga e descarga ideais e possibilidade de armazenamento e não temos.
Também é verdade que numa zona industrial, se tivessemos umas instalações possivelmente poderíamos comprar mais mas isso também nos ia obrigar a ter de vender mais, e teríamos de alterar os processos para nos industrializar e aí começaria a descaracterização da nossa empresa como aconteceu com outras.
Quantos colaboradores têm actualmente?
Atualmente, temos 30 colaboradores entre a parte produtiva e a parte comercial.
Há pouco falava-me da mão de obra, o que acontecia na época da fundação da Paupério, acontece agora, é facil encontrar mão de obra ou hoje em dia é mais díficil?
Não vou dizer que haja uma dificuldade. Antigamente havia uma exigência da qualidade, ou seja, a exigência da qualidade do produto pelo cliente não era a que existe atualmente. O meu sogro costuma contar que na altura do avô dele e do pai dele era fácil a empresa meter colaboradores num dia, mandar embora no outro.
A lei laboral ajudava nesse sentido.
Ajudava nesse sentido mas depois também não se falava nessa altura na qualidade do produto. Tudo que era produzido era vendido e conclusão, era fácil se calhar trabalhar dessa forma. Hoje em dia nós temos um determinado padrão de qualidade que tem de se manter. Por isso quando nós temos necessidade de integrar pessoas, nós já admitimos que temos de ter um período de formação. Hoje em dia fazer uma entrevista de trabalho torna-se algo peculiar porque vemos pessoas muito mal preparadas, não é no sentido de não saberem fazer as coisas, é no sentido de venderem a sua capacidade de trabalho. Uma entrevista de trabalho nada mais é que uma relação de compra e venda de trabalho. Nós aqui normalmente não temos contratos de trabalho a termo. Normalmente fazemos um estágio profissional e a pessoa correspondendo é com contrato sem termo.
Atualmente como é que a Paupério se posiciona neste mercado?
Na década de 90, início agora do século XXI, tínhamos uma série de clientes que começamos a perceber que começaram a fugir, nomeadamente com a chegada das grandes superfícies. As mercearias de bairro começaram a ter alguns problemas. No entanto, em 2005-2006 começou a surgir em Portugal, o conceito gourmet, a mercearia fina, e que agora, hoje em dia é muito visível com o turismo. Percebemos que estava aí o nosso segmento e começámos a apostar em reavivar imagens antigas que tínhamos. Paralelamente a isso, começámos a aparecer em mais locais, como as lojas de bairro, que começaram todas a querer novamente os nossos produtos. Comecei a perceber que o comércio tradicional começou a estar mais receptivo a trabalhar com produtos mais caros. Entretanto, começámos a abordar a parte da internacionalização. Hoje em dia, já temos produtos em alguns países, mas ainda são quantidades pequenas.
Mas em termos de vendas quanto é que representa?
Representa cerca de 10%, nós temos uma candidatura à internacionalização, que foi aprovada e visa esses tais esforços de entrar agora em dois mercados. Nós por opção, e por uma questão de custos, iremos entrar em mercados onde existam portugueses.
Mas atualmente em que países é que já estão?
Temos produtos na Suíça, França, Espanha, Alemanha, Inglaterra, portanto no centro da Europa. Exportamos também para o Japão e pontualmente para os Estados Unidos. Já enviamos produtos também para a China e para Timor. Mas aqui a Europa central continua a ser para onde exportamos mais.
Quantas referências de produtos é que têm?
Atualmente temos cerca de 30 referências de produtos. Mas nós muitas vezes fazemos combinações de biscoitos e de bolachas no sentido de achar aquilo que consideramos o sortido ideal para corresponder a uma determinada procura. Além disso, produzimos tambem o bolo rei e o pão de ló nas épocas festivas e, pontualmente, uma vez por mês.
Há algum produto que se destaque nas vendas?
Esqueci-me de falar de um segmento que também é importante, que é o segmento institucional. O segmento da unidose, os pacotinhos de quatro bolachas. Nós nesse segmento que continua a ter um peso considerável, temos a Princesa Negra que é uma bolachinha de cacau que nós vendemos em dezenas e dezenas de escolas.
Como é que gerem esta preocupação atual com o açúcar?
Nós temos reduzido o açúcar dos nossos produtos ao longo dos tempos. Vamos fazendo alterações, por exemplo a Princesa Negra neste momento está com menos 15% de açúcar do que há quatro anos. Nas gorduras, utilizamos a margarina vegetal hidrogenada, mas o que certo é que estamos um pouco limitados, porque os fonecedores têm de ser certificados.
Há pouco falavamos da distribuição e do pequeno retalho, a relação com a grande distribuiçao é mais distante?
Não. Hoje em dia é muito fácil já termos produtos locais na grande distribuição porque eles começaram a abrir-nos as portas. É um canal de venda que não podemos descorar porque um fatia grande dos portugueses é nesses canais que compra e hoje em dia já é facil nós nos hipermercados termos produtos locais e de várias marcas.
E sobre as lojas próprias, como têm corrido as vendas? Têm esta aqui na fábrica.
Esta loja na fábrica foi sempre a campeã de vendas. Temos mais duas lojas, sobretudo por duas razões, primeiro porque temos necessidade de ter um contacto direto com o consumidor final. Ao mesmo tempo foi uma forma de nós termos alguma liquidez porque houve aqui um período mau em que a consessão de créditos junto da banca nomeadamente para determinados investimentos foi um pouco complicada.
A primeira foi esta da fábrica?
A primeira foi esta. Não tinha a projeção que hoje tem. Era uma pequena loja que inicialmente era só para revenda, depois começaram a aparecer as pessoas e hoje em dia temos condições diferenciadas.
E depois têm em Rio Tinto e no Bom Sucesso.
Em Rio Tinto é uma loja que não é comparável com esta mas é uma loja que está muito bem localizada, funciona muito como um excelente outdoor. Tenho noção que há muitos clientes que passam em Rio Tinto e depois vêm comprar à fábrica. Nós já tivemos uma loja em Ermesinde e tivemos de a fechar porque efetivamente a loja não se consolidou e tínhamos a noção clara que as pessoas de Ermesinde vinham comprar cá.
E está prevista a abertura de mais alguma loja?
Para já não, porque nós tinhamos o intuito de abrir uma loja no Porto, já temos uma no Bom Sucesso mas mais para a zona da Baixa. Depois começamos a perceber que o número de clientes cresceu imenso no Porto. Nós hoje em dia temos dezenas e dezenas de clientes no Porto.
Muitos turistas?
Estou a falar de clientes retalhistas que por sua vez podem vender aos turistas. É claro que se me disser assim: “amanhã se tivesse a possibilidade de ter um banca no mercado do bolhão com biscoitos avulso”. Aí se calhar pensaríamos, ou seja, o conceito que temos nas nossas lojas avulso, inseridos no mercado, um pouco como acontece no mercado do Bom Sucesso. Acho que as pessoas não iriam ver como uma afronta. A abertura numa loja no mercado do bolhão, se nós tivermos essa oportunidade, aí sim, pode ser.
Em termos de vendas como é que correu o ano de 2016 e que expectativas têm para 2017?
Em 2016 fechamos o ano com cerca de um milhão e cinquenta mil euros, nós tínhamos ultrapassado um milhão em 2015. Para 2017, temos uma perspetiva de aumentar 5% da nossa facturação. E a partir de 2018 queríamos já ter o retorno do investimento que vamos fazer na internacionalização. Além disso, queremos avançar agora em 2017 com a loja online, que se está a tornar uma necessidade porque hoje em dia temos um número elevado de potenciais clientes que nos contacta.
Ainda não existe venda online?
Não, não existe, vai avançar este ano. Nós já estamos a preparar o site e a trabalhar com os parceiros para podermos no fundo montar toda a logística
Isso implica que investimento da vossa parte?
Isto implica um investimento na formação numa primeira fase numa pessoa, depois na questão das ferramentas web. Há um investimento do ponto de vista de acompanhamento e de ver como se desenvolve. Numa primeira fase nós vamos cingir-nos ao mercado nacional porque nós não temos condições atualmente de negociar tarifas para o estrangeiro sem ter uma base, um conhecimento, uma perspetiva de negócio. Se tivessemos a falar de equipamentos, facilmente se consegue responder à operação logística no preço do produto. Num pacote de bolachas não é tão fácil. Não será razoável o cliente comprar um sortido de 9€ e pagar 4 ou 5€ de portes. Há pessoas que aceitam perfeitamente mas é algo que queríamos ter isso mais otimizado. Vamos começar pelo mercado nacional porque temos sempre a opção CTT e outros parceiros e o mercado internacional numa primeira fase será sempre sob consulta.
Qual o investimento para a internacionalização?
350 mil euros.
As receitas dos biscoitos escondem segredos?
Eu costumo dizer que não há segredos. Se lhe der uma copia do livro de receitas, tenta fazer em casa e não consegue, porque muitas vezes para fazer uma bolacha igual da mesma forma que a Paupério faz, nós teríamos de ter noutro local as receitas, o procedimento, os equipamentos e aquelas pessoas. Se não tivermos essas quatro permissas é dificil.