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Vinhos de ou para o verão?

Vinhos de ou para o verão?

Com a chegada do tempo quente, começam também a predominar nas garrafeiras e nas prateleiras dos supermercados aquilo a que se convencionou chamar de “vinhos de verão”, mais frescos e com menos álcool, perfeitos para harmonizar com a comida mais leve da estação. Mas afinal existem, ou não, vinhos de verão? E, se sim, qual a melhor estratégia para os comercializar?

É uma relação inversamente proporcional aquela que, ano após ano, ocorre ao aproximar-se o verão. Com o aumento da temperatura e das horas de sol, tudo o resto se torna mais leve, da roupa à comida, passando, claro está, pela disposição de cada um. O vinho também não foge a esta regra, como se comprova, nos últimos anos, com o surgimento dos chamados “vinhos de verão”, que como o nome indica, tendem a harmonizar melhor com tudo o que a estação quente traz consigo. Mas o que são, afinal, estes vinhos? Existem mesmo ou são apenas uma manobra de marketing? As opiniões dividem-se.

 

Para o jornalista e crítico de vinhos da revista Visão, Manuel Gonçalves da Silva, “há é vinhos com determinadas características que se adaptam melhor ao tempo mais quente e, a partir daí, cada um tem a sua própria opinião”. Sustenta ainda, quase em jeito de mea-culpa, que “tal categoria inventada pelas revistas e pelos jornalistas que escrevem sobre vinhos”, os quais, sempre que chega o verão, procuram e dão a conhecer os vinhos mais frescos e mais leves. “Eu próprio o faço, todos os anos, na revista em que escrevo”, assume. No fundo, adianta, “os vinhos de verão são todos aqueles mais frescos, mais leves e com menor teor de álcool”, explicando ainda que “a frescura tem a ver com a maior acidez dos vinhos”, por isso os brancos e os verdes, os também chamados “vinhos de esplanada”, serem tão associados ao verão. O que, sublinha, se comprova também nas garrafeiras dos supermercados: “Não conheço a estratégia comercial das grandes superfícies, mas é um facto que, quando o tempo começa a aquecer, começam a ver-se mais verdes, brancos e rosês nas prateleiras. Presumo que essa mesma estratégia passará por mostrar mais esses vinhos, por serem aqueles que os consumidores mais procuram nesta altura do ano”.

Na comunicação é que está o ganho
Passemos então a bola para Filipa Garcia, administradora da Garcias, uma das maiores empresas nacionais de comercialização e distribuição de vinhos e bebidas espirituosas. Para esta responsável, mais do que vinhos de verão, existirão, isso sim, “vinhos mais adequados a um tipo de comida ou momento”. Até porque “hoje em dia, com as alterações climáticas, já não existe tanta diferença entre o verão ou o inverno” e por isso “os vinhos brancos e rosés já estão a ganhar consumo no inverno e os tintos no verão”. O que não invalida, naturalmente, que exista “uma maior tendência para se consumirem espumantes, vinhos verdes, brancos e rosés nos períodos do ano com temperatura mais elevada”. Daí também as estratégias de comunicação destes vinhos incidirem em ambientes de praia, campo ou piscina por forma a permitir ao consumidor associar estas ocasiões a momentos em que deve apreciar determinado vinho.

 

De qualquer forma, como lembra Filipa Garcia, a suposta categoria dos vinhos de verão já não se limita só aos brancos e rosés: “De momento assistimos à tendência dos tintos mais leves serem consumidos frescos, vinhos monovarietais como Pinot Noir e outras castas mais leves, podem ser apreciados em momentos de maior calor, desde que um pouco refrigerados por forma a não se notar tanto o álcool”. Ou seja, todos os tintos feitos com castas mais leves, “pouco estruturados e fáceis de beber”, podem também ser enquadrados nesta categoria, que serve para definir todos “os vinhos fáceis de fazer pairing com saladas, peixes e mariscos”.

É também nesta direção que o marketing avança, como salienta Filipa Garcia: “Começa a ser comum que estes vinhos já tenham um rótulo adequado a estar em contacto com gelo ou água”. E dá o exemplo da marca chilena Cono Sur, do Grupo Concha y Toro, que está a colocar no mercado um Pinot Noir adequado a esta necessidade, para os consumidores de vinhos tintos. Em Portugal, porém, Filipa Garcia, considera esta tendência “ainda muito embrionária”. Somos tradicionalmente um país de “vinhos tintos estruturados e redondos”, pelo que o consumidor tradicional terá alguma dificuldade em aceitar esta tendência. “Será um caminho a médio prazo para o nosso país, no entanto, estes vinhos podem começar a ser comunicados para o público feminino que, normalmente, tem mais dificuldade em aceitar os vinhos pesados”.

 

Vinhos de ou para o verão?

A questão de existirem, ou não, vinhos de verão divide até os próprios produtores. O enólogo António Braga, da Sogrape, não hesita: “Existem, sem dúvida, vinhos mais adequados ao consumo estival, como os que são produzidos, por exemplo, na região dos Vinhos Verdes. Com um perfil leve e atrativo, por norma vinhos com uma acidez refrescante, com intensidade aromática e boa expressão de fruta. Estas são características muito apreciadas em vinhos de verão. Geralmente são brancos ou rosés, mas também se encontram tintos com um perfil semelhante”.

 

António Maria Soares Franco, administrador da José Maria da Fonseca, tem uma opinião semelhante, ao assumir que “sim, existem vinhos mais apropriados para os dias mais quentes e as refeições mais leves típicas da altura do verão”. Caracterizam-se por serem “vinhos mais leves, frescos, com menos estrutura e de menor grau alcoólico”. Segundo António Maria, “integram esta categoria a maioria dos vinhos brancos e rosés, bem como alguns espumantes e vinhos tintos mais jovens”. Mas “os vinhos licorosos, mais alcoólicos e doces” também podem ser incluídos”, defende, dando como exemplo o Moscatel de Setúbal, “um vinho que apesar de doce equilibra com uma acidez típica e que quando servido em cocktail é uma excelente opção para novos momentos de consumo”.

Promoções e campanhas
Os chamados vinhos de verão requerem, no entanto, alguns cuidados, na hora de serem consumidos, em especial no que à temperatura diz respeito. Por tudo isto, o administrador da José Maria da Fonseca acredita numa estratégia de marketing diferenciada para este tipo de vinhos, que também já começa a ser uma realidade em Portugal, “seja através de campanhas, dinamizadas com promoções e passatempos nesta época do ano, com feiras dedicadas especificamente a esse tipo de vinhos” ou mesmo nos pontos de venda, “com a criação de zonas de refrigeração, onde o comprador poderá adquirir o vinho já fresco, para consumo imediato”.

As estratégias de comunicação variam, todavia, de produtor para produtor. E no caso da Quinta do Soalheiro, uma empresa sediada em Melgaço, em pleno coração da região do vinho verde, esta passa por “pensar os vinhos com a gastronomia”. Para o enólogo da Soalheiro, Luís Cerdeira, existem, sim, vinhos de verão, “menos alcoólicos, mais frescos e com acidez superior”, mas que assim podem ser denominados apenas harmonizam melhor com os sabores mais leves e frescos da estação quente. “Essa é para mim a principal razão para assim serem chamados, porque uma gastronomia mais leve e menos calórica pede vinhos mais elegantes. Mas, no inverno, esse tipo de gastronomia também pede o mesmo estilo de vinhos”. A apesar de reconhecer que “o conceito de vinho de verão pode ser uma boa estratégia de comunicação”, Luís Cerdeira e a Quinta do Soalheiro continuam, contudo, “a preferir associar os vinhos a momentos e prazeres, a comidas e a sensações”.

Já o administrador da Casa Relvas, Alexandre Relvas Jr., nem quer ouvir falar em vinhos de verão. “Penso que é algo que não existe. Pode ser uma definição, contudo não me identifico nela”. Para o responsável desta casa agrícola, sediada nos concelhos alentejanos de Évora e Redondo, “tanto os vinhos mais leves e frescos encontram um lugar à mesa no inverno, como os vinhos mais complexos e concentrados podem ser consumidos no verão”. A última palavra, como sempre, pertence ao consumidor.

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