Plataformas que ligam as pessoas entre si. Alternativas dos tempos modernos que têm sucesso e cada vez mais adeptos. Seja a Uber para quem necessita de se deslocar na cidade ou a Airbnb para quem deseja novas experiências de viagens, ou o Spotify (ou o seu concorrente Apple Music) que nos permite ouvir a música que queremos, quando queremos em que plataforma for, em troca de um pagamento mensal. Tendo como fortes aliados as novas tecnologias, a disponibilização de serviços tão variados e úteis no dia-a-dia mais exigente, estas plataformas têm um denominador comum: o sucesso emergente. A Uber está presente em mais de 300 cidades espalhadas por 60 países com o objetivo de “levar uma alternativa de mobilidade que complemente as infraestruturas de transporte já existentes. Tudo isto graças à tecnologia, e com base numa aplicação para smartphone”, diz-nos Rui Bento, diretor geral da Uber Portugal.
Há uns meses atrás a Uber entrou no léxico dos portugueses sobretudo pelos protestos dos taxistas e dirigentes da Associação Nacional dos Transportadores Rodoviários em Automóveis Ligeiros (ANTRAL) que exigiram que “a empresa que utiliza a aplicação Uber deixe de atuar em Portugal”. À margem dos protestos, António Pires de Lima, na altura ministro da Economia mostrou-sesolidário com os taxistas indicando, porém, que se a “Uber não seria sentida como uma ameaça pelos taxistas se não tivesse muita gente a procurar os seus serviços e se não estivesse a apresentar um serviço que alguns entendem como necessário e inovador face à oferta que hoje existe”. Estes são aspetos fundamentais para os defensores deste serviço. Mas não são os únicos.
Rui Bento, Uber Portugal
Num estudo pedido ao Centro de Estudos Aplicados da Universidade Católica, em julho de 2015, verificou-se que “mais de 98% dos utilizadores confia na Uber, defende que a mesma oferece uma elevada qualidade de serviço e considera que dá uma atenção especial aos seus utilizadores”, defende Rui Bento. No que respeita às principais razões pelas quais os utilizadores recorrem a este serviço, foram referidos maioritariamente “o conforto da viagem, a possibilidade de saber quanto irá pagar pela viagem antes de entrar no veículo e a conveniência do serviço”.
O mesmo estudo vem demonstrar que “cerca de 99% dos utilizadores defende que um serviço como a Uber deva continuar a ser oferecido em Portugal, algo partilhado por mais de 70% dos não-utilizadores”. Uma alternativa urbana “mais conveniente, segura e económica” permite assim que a Uber seja bem-sucedida dentro da sua comunidade de utilizadores. Para o diretor geral, a relação próxima com os clientes e um diálogo contínuo com cada utilizador que compõe a comunidade da Uber são alguns dos segredos do sucesso.
E exemplifica: “Esse diálogo começa em cada viagem que os utilizadores fazem através da plataforma da Uber. Todas as viagens são avaliadas pelos utilizadores, e encorajamos todos eles a deixarem feedback depois de viajarem”. Esta avaliação contínua tem em vista a melhoria da plataforma de forma a ser adaptada aos utilizadores nas suas variadas vertentes. A par desta estratégia, são desenvolvidas algumas iniciativas, algumas a nível local ou em conjunto com cidades de todo o mundo onde a Uber está presente.
Em Portugal, apesar de não existirem “planos imediatos de expansão”, a procura de novos serviços mantém-se com o objetivo de “trazer valor” aos utilizadores atuais e futuros. Apesar de se tratar de realidades distintas, a verdade é que qualquer uma destas plataformas tem algo a partilhar. “Na Uber claramente foi preenchida uma resposta de protesto a um sentimento de desagrado global e crise de confiança face aos serviços existentes de táxi. Na Airbnb, a resposta centrou-se na garantia de acesso a alojamento com características e localizações muitas vezes premium com uma clara redução de preço e facilidade. No Spotify, encontramos a resposta ao acesso à música de forma alargada e transparente numa plataforma que aprende connosco, com os nossos gostos”, afirma Valdemar Pires, responsável pela Direção Estratégica da agência Addaptcreative.
Valdemar Pires, Addaptcreative
Esta visão é seguida na agência no desenvolvimento de qualquer projeto. “Centramo-nos na ideia de que todos comparamos tudo com tudo. Se eu quero que a minha farmácia funcione como o Google, porque não posso querer que a minha experiência de compra e relação com o meu supermercado seja tão individualizada, personalizada e construída por mim como no Spotify, tão livre quanto no Airbnb ou tão fácil quanto na Uber?”, questiona. É este desafio estratégico que, na sua opinião, deve ser assumido pelos retalhstas: “ir para além dos modelos atuais de análise de mercado, deixar os comparativos somente com os restantes players concorrentes e centrar a observação no comportamento natural dos utilizadores percebendo porque é que esses novos modelos e plataformas ganharam dimensão e relevância, quais os seus atributos e impactos”, adianta Valdemar Pires.
Nova forma de viajar
Também a Airbnb tem muita procura em Portugal à semelhança do que acontece no resto do mundo. Trata-se de uma plataforma que conecta turistas com pessoas que querem compartilhar as suas casas para esse fim. “E se há três anos, era o Reino Unido que liderava as viagens através desta plataforma, hoje, Portugal está a crescer um pouco mais rápido do que outros países europeus”, tornando-se líder na partilha de casa juntamente com países como o Reino Unido, a Holanda e a França, conforme revela fonte da Airbnb.
Um facto interessante relacionado com esta tendência tem a ver com a cidade do Porto enquanto “primeira escolha dos viajantes oriundos do Reino Unido”. Esta empresa veio criar “uma nova categoria de viagens” adequada a pessoas que procuram viajar de forma “diferenciada, única, original e autêntica”. São pessoas que querem conhecer “os bairros e a sua cultura” antes do país para onde viajam. Esta comunidade presente em mais de 34 mil cidades e 190 países regista “um milhão de anúncios” e um “crescimento forte em todo o mundo”.
São mais de “40 milhões de clientes” sendo que 30 milhões chegaram apenas no último ano e meio. Esta é mais uma prova de que a tecnologia e a inovação devem andar de mãos dadas permitindo, neste caso, viabilizar “conexões entre anfitriões e viajantes”, satisfazendo as necessidades de diferentes perfis de turistas. Esta tornou-se uma forma dos portugueses “terem uma fonte de rendimento extra e de pagarem as suas contas”. A estratégia da empresa em Portugal passa por “agregar valor aos clientes e melhorar a qualidade de experiências proporcionadas aos utilizadores”, revela fonte da Airbnb.
Também a plataforma de música Spotify alia uma facilidade de navegação, no qual muitos sites de e-commerce se têm inspirado. É o caso da Starbucks que acabou de anunciar uma parceria com o Spotify no sentido de levar o serviço a todas as lojas da cadeia dos Estados Unidos da América, não estando ainda a experiência alargada a outros países.
Fórmula de sucesso pode inspirar retalhistas?
Para Rui Ventura, presidente da Associação Portuguesa de Profissionais de Marketing (APPM), ambos os negócios referidos são “disruptivos e assentam numa lógica de crowdsourcing, para cortar em intermediários, reduzir preços e maximizar a experiência e o serviço”. Considerando que o tema “da sharing economy é extremamente relevante, na área do retalho já existem experiências muito bem-sucedidas onde este modelo é testado. Nomeadamente na questão dos serviços de entregas de compras, feitas por consumidores, ao invés de funcionários das insígnias de distribuição. Nesse modelo, extingue-se a necessidade de uma frota de entregas e de funcionários e transforma-se esse custo numa oportunidade de premiar os consumidores que viajam para o mesmo local ou aproximado e entregam as compras”, sublinha.
José António Rousseau, presidente do Fórum do Consumo alerta para o facto de que “o caminho para o sucesso parece ser o de estar atento às tendências de negócios e ouvir os consumidores”. E para isso, “há que não ter medo de fazer diferente ou mesmo de ser original”, defende o presidente do Fórum do Consumo, José António Rousseau. É também importante não se acomodar e, por outro lado, “aprender com estas novas visões de negócio mantendo o seu espírito aberto à inovação ainda que esta possa revestir alguns contornos disruptivos”. E ainda que os resultados obtidos sejam bons “nunca se sintam satisfeitos”.
O retalho em Portugal enquanto setor competitivo e concorrencial deve assumir que as marcas têm de estar presentes na vida das pessoas, ser “úteis, claras, transparentes, facilitadoras, integrar os seus ritmos, as suas preferências, mostrando, de forma não invasiva, que as conhece, acompanha e que lhes dá liberdade de experiência, não se confinando aos canais tradicionais – as pessoas, essas sim, são o principal canal –, nem impondo os seus objetivos aboveall, esquecendo os nossos objetivos” Isto passa por assumir que o consumidor pode em simultâneo ser “comercial, distribuidor e canal de comunicação da marca, simplificar e humanizar a experiência de compra e relação dando o poder da marca às pessoas e sujeitar o sucesso e alcance à avaliação e ratings atribuídos não por entidades abstratas mas sim pelos próprios consumidores”. Estes exemplos estratégicos são hoje debatidos com os clientes da Addaptcreative sobretudo para derrubar alguns mitos que ainda persistem.
Para Fernando Mendes, fundador da Coworlisboa e professor de design do IADE, plataformas como a Uber e o Airbnb “refletem um novo paradigma alicerçado na mediação tecnológica que hoje todos experienciamos. Como alguém lembrava nas redes, o Airbnb não possui um único imóvel. No entanto, é já um dos maiores players nessa área. O mesmo se poderia dizer do Spotify em relação à música e aos artistas ou, num futuro mais do que próximo, da Uber, que está literalmente a tomar de assalto o mercado do transporte de particulares nas cidades”. O facto de todos poderem comunicar com todos “em rede” acaba por reforçar a mudança de paradigma que “tem como pano de fundo um confronto entre o mundo formal e o mundo informal”.
Fernando Mendes, Cowork Lisboa
O responsável considera que nesta “luta”, o mundo “formal está irremediavelmente a perder” e que todos os negócios baseados em “comissões e taxas intermediárias irão passar um mau bocado”. Do lado informal, surge então o modelo Coworking. “Os nossos residentes chegam-nos já de todos os pontos do globo, ultrapassando a fasquia dos 20% dos coworkers. Esta realidade altera decisivamente os mercados e a forma como se fazem negócios hoje em dia. A lição, repetida à exaustão nos últimos anos, é de que as empresas (e os independentes/freelancers) portuguesas devem apontar os seus negócios aos mercados emergentes, não se circunscrevendo ao território nacional. Para tanto, o uso e domínio de ferramentas e metodologias baseadas em tecnologia é essencial”, sublinha.
Conceitos modernos vs modelos tradicionais
São estes os negócios do futuro que já têm muitos utilizadores atualmente enquadrando-se “na tipologia profética de Alvin Toffler que há mais de 30 anos previu a sua existência. Naturalmente que se chocam com os modelos tradicionais de negócio provocando fortes contradições e contestações mas como dizia Mao Ze Dong: não se pode parar o vento como as mãos, pelo que será uma questão de tempo a sua afirmação nos respetivos mercados”, fundamenta José António Rousseau.
Como fatores fundamentais para o sucesso e devidamente utilizados pela Uber, Airbnb e similares, José António Rousseau refere “a abertura de espírito, a diferenciação, a colaboração com os consumidores, a redução dos preços, a exclusividade se for caso disso ou, pelo menos, a qualidade de serviço e a personalização da oferta”. O também professor e autor de diversos livros realizou um estudo sobre a resiliência do retalho independente de Lisboa, constatando que “os grandes fatores potencializadores da longevidade de lojas retalhistas independentes que estão no mercado há mais de 100 anos, são a localização, a qualidade de serviço/atendimento, a transição intergeracional do negócio, a ultra-especialização das ofertas e a ligação vertical a uma indústria”.
Como podem os retalhistas portugueses caminhar para o sucesso?
– Ter abertura de espírito.
– Não recear a diferenciação e acima de tudo ser original.
– Comunicar de forma próxima e proativa com os consumidores.
– Apostar na personalização da oferta.
– Reduzir os preços.
– Apostar em negócios disruptivos com maximização da experiência e do serviço.
– Inovar sempre e não ficar refém dos bons resultados.
– Ouvir as necessidades dos consumidores e estar atento às tendências dos negócios.
Contudo, do ponto de vista dos consumidores os predicados destes retalhistas que mais os atraem são a “tradição e a simplicidade do negócio, a relação interpessoal que estabelecem com os seus clientes e a qualidade/genuinidade do seu sortido”. Aos atuais comerciantes retalhistas independentes da cidade de Lisboa que pretendam tornar-se um dia centenários, sugere que “façam a sua aprendizagem com estes exemplos concretos e tentem explorar estes fatores nas suas respetivas lojas e negócios”, conclui.
O diretor geral da Uber considera que a expansão internacional da plataforma só é possível uma vez que responde “às exigências e necessidades de utilizadores, ao mesmo tempo que cria importantes oportunidades económicas e de emprego a parceiros”.
Por outro lado, as alterações nos hábitos de consumo e a modernização do setor do retalho “como um todo” graças às novas tecnologias, permitem “oferecer uma proposta de valor que torna a mobilidade mais simples (viajar na cidade está à distância de um toque no smartphone), mais segura (o utilizador sabe sempre que o vai transportar a partir do momento em que pede a viagem), mais transparente (o utilizador sabe quem o vai transportar e consegue antecipar o preço da viagem antes de entrar no veículo), mais conveniente (não há pagamentos em dinheiro nem trocos), mais rápida (em cidades como Londres ou Nova Iorque, o tempo médio de chegada de um Uber ao utilizador é inferior a três minutos) e mais económica (o objetivo da mobilidade nas cidades é que seja acessível a todos e competitiva com o uso do carro próprio)”, destaca.
Também a disrupção é sublinhada por si no que respeita ao modelo de negócio evitando cair “no dilema do inovador”. Talvez por isto não seja de estranhar que, quer a Uber, quer a Airbnb tenham mais de 2 milhões de seguidores nas suas páginas de Facebook.
Artigo publicado na edição de setembro de 2015 da Distribuição Hoje.