Reed Hastings e Patty McCord, o CEO e a antiga Chief Talent Officer da Netflix, respetivamente, publicaram em 2009 uma apresentação onde detalham como construíram a cultura de performance e inovação da empresa. O documento foi visto mais de 14 milhões de vezes na Internet e é já, segundo Sheryl Sandberg, COO do Facebook, um dos mais importantes documentos alguma vez criados em Silicon Valley.
Num artigo de opinião publicado na Harvard Business Review, Patty McCord diz que quando criaram o documento estavam longe de imaginar que se iria tornar viral. “Sabíamos que algumas das ideias de gestão de talentos eram pioneiras, como o conceito de que os colaboradores deveriam poder tirar o tempo de férias que sentirem ser apropriado, que foi apontado como um pouco louco (pelo menos até outras empresas o começarem a adotar). Ficámos surpreendidos pelo facto de uma apresentação sem adornos – sem música, sem animação – se ter tornado tão influente.”
Aparentemente, o que fez com que a abordagem da Netflix ao talento e à cultura organizacional fosse tão convincente foi o facto de a empresa ser tão bem sucedida. Em 2013, os conteúdos originais da companhia já tinham ganho três Emmys e a sua base de subscritores nos Estados Unidos da América era de cerca de 29 milhões de pessoas.
Mas acima de tudo, o atrativo da sua abordagem à gestão de Recursos Humanos parece estar no facto de ser completamente disruptiva em relação ao que é considerado senso comum. É que as estratégias da Netflix em relação à atração, retenção e gestão de talento vieram revolucionar os Recursos Humanos…para melhor!
Uma cultura de excelência
Como conta Patty McCord, um dos elementos mais básicos da filosofia de talento da Netflix tem a ver a com a excelência dos seus colaboradores. “A melhor coisa que podemos fazer pelos nossos colaboradores – uma regalia melhor do que sushi gratuito – é contratar apenas os melhores para trabalhar ao seu lado. Ter colegas de excelência supera tudo o resto”, defende.
A empresa percebeu também desde muito cedo que teria que estar disposta a despedir os colaboradores que já não servissem os seus melhores interesses, por mais valiosos que já tivessem sido noutros tempos.
Netflix só trabalha com ‘adultos’
“Ao longo dos anos percebemos que se pedíssemos às pessoas para confiarem na lógica e no senso comum em vez de em políticas formais, na maioria das vezes teríamos melhores resultados, a um custo mais baixo”, refere. “Se tiver o cuidado de contratar pessoas que coloquem os interesses da empresa em primeiro lugar, que entendem e que apoiam o desejo de criar um local de trabalho de elevadas performances, 97% dos seus colaboradores farão o correto. Mas a verdade é que muitas empresas gastam muito tempo e dinheiro a criar políticas formais de gestão de Recursos Humanos para lidar com os problemas que os outros 3% possam causar.”
Segundo Patty McCord, para a Netflix, um ‘comportamento de adulto’ define-se pela capacidade que um colaborador tem de falar abertamente dos problemas com o seu chefe, colegas e subordinados. “Significa reconhecer que mesmo nas companhias com ‘resmas’ de políticas de Recursos Humanos, essas políticas são frequentemente descartadas à medida que os gestores vão percebendo o que faz sentido em cada caso em particular”, refere.
Um exemplo disso é a política de férias adotada pela Netflix. Sediada no estado da Califórnia, nos EUA, onde não existe nenhuma lei que regule o tempo de férias que as empresas devem dar aos seus colaboradores, a Netflix optou por permitir que os seus funcionários definam que tempo de férias acham mais apropriado, com apenas algumas guidelines. Depois da definição dessa estratégia, os colaboradores seniores foram incentivados a tirar férias, para servirem de exemplo para os restantes.
“Algumas pessoas mostraram preocupação porque achavam que o sistema seria inconsistente – podendo alguns chefes permitir imenso tempo de férias e outros menos. No geral, eu preocupei-me mais acerca da justiça do que com a consistência, porque a realidade é que em qualquer organização, os colaboradores com melhores performances e mais valiosos têm maior ‘margem de manobra’”, indica McCord.
Seja verdadeiro acerca das performances
Outra das estratégias da Netflix foi a eliminação das avaliações formais: as conversas entre gestores e os seus subordinados acerca das performances passaram a ser uma parte orgânica do trabalho na empresa. Como refere Patty McCord, “construir burocracia e elaborar rituais à volta da medição de performances habitualmente não as melhora”.
Líderes são os responsáveis pela criação da cultura da organização
“Quando aconselho líderes sobre a construção da cultura organizacional, tenho tendência a analisar três problemas que precisam de atenção. Frequentemente, sento-me nas reuniões gerais da empresa para perceber de que forma é que as pessoas operam e frequentemente vejo CEO’s que estão claramente a improvisar e têm pouca preparação. Falta-lhes uma ordem de trabalhos. Muitos falam a partir de slides que foram preparados uma hora antes da reunião ou que reciclaram da última reunião”, refere.
A especialista em gestão de talentos acredita que se a equipa sentir que o seu líder não está bem preparado e está a improvisar tem tendência para ter piores performances. “É uma perda de tempo tentar articular ideias acerca de valores e cultura empresarial se o próprio líder não espelhar e recompensar os comportamentos que se alinham com esses valores”, defende.
Outro dos problemas, diz McCord, prende-se com o facto de os líderes não procurarem garantir que toda a equipa compreende os eixos que alavancam o negócio da organização. “Na Netflix, por exemplo, os colaboradores costumavam estar demasiado focados no crescimento de subscritores, sem muita consciência de que as nossas despesas eram superiores ao valor trazido pelos subscritores. Gastávamos enormes valores na compra de DVD’s, a criar centros de distribuição e a desenvolver programação original antes de conseguirmos recolher um único cêntimo dos nossos novos subscritores. Os nossos colaboradores precisavam de aprender que apesar de as nossas receitas estarem a crescer, gerir as despesas era muito importante.”
Por fim, segundo Patty McCord, é importante que os líderes entendam que muitas vezes existem várias subculturas dentro da organização, sobretudo entre departamentos, o que exige que a sua ação seja diferenciada. “Os bons gestores de talento pensam como pessoas de negócios e como inovadores primeiro e apenas como gestores de Recursos Humanos em segundo lugar”, sublinha. “Em vez de se comportarem como motivadores, as pessoas da minha área devem pensar em si próprios como pessoas de negócios. O que é melhor para a empresa? Como é que comunicamos isto aos colaboradores? Como é que podemos ajudar cada um dos colaboradores a perceber o que significa ter uma elevada performance?”
“Na Netflix trabalhei com pessoas que estão a mudar a forma como se consome entretenimento, o que é um objetivo incrivelmente inovador – no entanto, quando comecei a trabalhar lá, a expectativa era de que eu imitasse as melhores práticas de outras companhias, que é mais ou menos como toda a gente parece encarar os Recursos Humanos. Eu rejeitei essas limitações. Não há razão para que a equipa de Recursos Humanos não possa ser também inovadora”, conclui.