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Supply Chain 4.0

Operadores resistem a pandemia para ‘cair’ na escalada da guerra?

Guerra

Após dois anos de disrupção causados por uma pandemia global, o mundo está novamente em sobressalto (económico e social) por causa da guerra na Ucrânia. A invasão russa fez disparar o preço de combustíveis, mas teme-se que os impactos possam ir mais longe, afetando também outras matérias-primas. Face ao ‘choque inesperado’, o governo já avançou com algumas medidas, mas fomos ouvir três grandes operadores em Portugal para perceber como estão a atravessar esta tempestade.

Em outubro de 2021, com a pandemia ainda sob os holofotes mediáticos, o mundo sentia-se já a mudar. Muitos dos custos associados à atividade transportadores, produtiva e de distribuição estava já a ser afetada por uma escalada nos preços da energia. Nessa altura, Gonçalo Lobo Xavier, diretor-geral da APED, anunciava que, fruto destes aumentos, a operação global de abastecimento de mercadorias tinha aumentado 30%.
Recentemente, em declarações à SIC Notícias, a propósito de novos aumentos robustos relacionados com o impacto da guerra na Ucrânia na economia Mundial, o mesmo responsável advertiu já para uma preocupação crescente com toda esta problemática. “Neste momento, os custos energéticos estão incomportáveis para diversos setores da economia portuguesa. É evidente que todas as medidas são bem-vindas, embora sejam insuficientes”, sinalizava o diretor-geral da APED após o anúncio, por parte do ministro da Economia, de medidas para mitigar alguns dos efeitos do conflito no leste europeu. Contudo, os reparos não se ficavam por aqui.
Alertando, na mesma altura, para o estrangulamento de diversas atividades empresariais, Gonçalo Lobo Xavier dava o exemplo dos cereais para explicar de forma concreta o impacto nos consumidores de toda a escala de preços, que agora já perpassa a energia: “Em dezembro, já estávamos a receber tabelas de preços para janeiro e fevereiro que refletiam já aumentos na ordem dos 10% a 15% em áreas muito específicas”, anunciou, lembrando, posteriormente, que “é indesmentível que esta guerra vai trazer mais pressão à cadeia.“
Para se ter economicamente noção do impacto sofrido, a Informa DB anunciou no seu relatório de março que, “em Portugal, cerca de 200 empresas importam bens da Rússia, Ucrânia e Bielorrússia, num total de 1 373 milhões de euros. As exportações para estes países totalizaram, em 2021, 226 milhões de euros.” Representando, é certo, apenas 1,7% do valor total importado pelo país, sendo que 14,2% estava relacionado diretamente com o comércio por grosso de combustíveis, metais, materiais de construção, ferragens e outros produtos, previa-se alguma disrupção provisória das cadeias de abastecimento.
Com várias medidas do governo já a sair do papel, de entre as quais se destaca uma linha de crédito de 400 milhões de euros, sujeita a diversas etapas, de entre as quais, por exemplo, que os custos de energia tenham superado os 20% dos custos de produção, ou, por exemplo, que as empresas tenham registado um aumento dos custos das mercadorias vendidas e consumidas superior a 20%, numa linha de crédito que é complementar a outra a fundo perdido, os operadores pedem mais medidas.
Diretamente para os transportes, o executivo liderado por António Costa anunciou que nos veículos de transporte de mercadorias por conta de outrem até 3,5 toneladas e TVDE terão um apoio de 30 cêntimos por litro no combustível, num total de litros calculado a partir da média de consumo pago de uma só vez, isto enquanto Portugal, tal como vários outros países, esperavam uma decisão da Comissão Europeia para perceber se será possível baixar a taxa de IVA, o que traria, defendem vários setores económicos, benefícios mais palpáveis para atenuar a crise que agora se sente.
Neste retrato económico, importa também relevar que o impacto estimado sobre o consumidor é já elevado. Já no final do mês de março, o Conselho das Finanças Públicas (CFP) no relatório “Perspetivas Económicas e Orçamentais 2022-2026”, alertava para a possibilidade de um cenário de inflação acelerada, sendo que a perspetiva seria de uma taxa de 3,9% este ano, mas que, num cenário adverso, explicava o documento, com custos de produção e transportes mais elevados, e com uma disrupção no fornecimento das matérias-primas por parte da Rússia à Europa, poderia atingir os 5,6%.
Com a Rússia a ser um dos maiores fornecedores mundiais de metais, teme-se, contudo, que as sanções e consequências da guerra tenham também forte impacto noutras matérias para além desta e do petróleo, esperando-se um aumento dos preços do alumínio, cobre, zinco, chumbo, trigo, gás natural, carvão e óleos alimentares.

Operadores adaptam-se à nova realidade depois da pandemia de Covid-19

Se já vimos as consequências diretas do impacto imediato deste conflito, importa recordar que os últimos dois anos foram de perfeita disrupção para a cadeia de abastecimento. Fruto da Covid-19, muito do que era a habitual atividade logística teve de adaptar-se mais rapidamente do que poderia qualquer plano antever.
Ouvidos pela MOB Magazine, Dachser, Transportes Paulo Duarte e Zolve são unânimes na ‘ultrapassagem’ difícil à crise sanitária, levantando algumas questões pertinentes que agora surgem num horizonte que já se pintava com tempos menos ‘pesados’ para gerir. “À data de hoje, podemos dizer que a pandemia acabou por atrasar alguns projetos estratégicos, mas não houve um único projeto ou plano de ação que havia sido definido que tivesse de ter sido cancelado. Todas as outras alterações que estavam planeadas estão implementadas sem grandes ajustes ao plano inicial”, assume Vitor Figueiredo, CEO da Zolve, por nós ouvido, numa perspetiva partilha pela Dachser e Paulo Duarte.
“Apesar do mercado volátil, fomos capazes de manter o funcionamento das cadeias de abastecimento dos nossos parceiros sem qualquer interrupção e de proporcionar a mesma qualidade e desempenho”, começa por explicar-nos Celestino Silva, Managing Director European Logistics Iberia da Dachser, tal como Gustavo Paulo Duarte: “O período marcado pela Covid-19 – que estamos, ainda, a atravessar – foi, sem dúvida, um momento altamente desafiante, mas apresentou, também, inúmeros sucessos”.
Porém, ultrapassado o desafio sanitário, começou a desenhar-se durante vários meses de 2021 um cenário de aumento dos custos com energia e combustíveis. Na mesma senda, a Paulo Duarte avisava que “as empresas de Transporte e Logística não conseguem suportar a subida dos custos do gasóleo. Quando as transportadoras refletirem esse aumento nos custos do transporte, quem irá sofrer com este aumento serão os portugueses, que terão de enfrentar o aumento do preço dos bens essenciais”, num aviso que a Dachser vê como uma oportunidade para ajustar percursos rumo à desejada transição energética: “Vivemos um momento pautado por grandes desafios. Devemos encarar estes fatores enquanto oportunidades que podem potenciar o surgimento de novas estruturas e serviços, impulsionados, precisamente, por este novo contexto”.

Operadores ‘oferecem’ eficiência, mas pedem ‘proteção do setor’

Novamente questionados sobre o tema, os três operadores por nós ouvidos temem impactos mais fortes do que o previsto. O consumidor, que está no fim da cadeia, poderá ser chamado a suportar o ‘insuportável’ aumento de custos feito sentir-se sobre as transportadoras. “Os efeitos a que estamos a assistir são muito significativos e impossíveis de absorver na estrutura de custos de qualquer operador logístico. Todo o mercado está a refletir estes incrementos nos seus preços”, começa por explicar-nos Vítor Figueiredo, da Zolve, acrescentando que, inevitavelmente, “aumentos desta magnitude, que são gerais e não apenas aplicáveis à energia associados a uma escassez de materiais terão um efeito significativo no preço dos produtos finais. Acreditamos por isso que existe, por todo o mundo e em particular na Europa, uma pressão inflacionista muito significativa”, tal como já vêm demostrando as previsões dos economistas.
“O serviço de transporte não funciona de forma isolada: é uma prestação de serviços que tem custos associados. A Logística e os Transportes são, assim, setores que têm repercussões diretas na economia, na indústria e nas exportações. Como tal, o aumento dos custos de transporte reflete-se invariavelmente no preço dos bens.” Foi desta forma que a Paulo Duarte respondeu ao tema, numa visão que, apesar de explicativa, não esmorece ponto de vista da Dachser que defende que “o aumento dos custos de energia e combustível, a escassez de matérias-primas e de componentes ou a falta de espaço para carga e de contentores vazios” terão contribuído, no seu conjunto, “para um aumento considerável das taxas de transporte”, sendo que, “este aumento tem, inevitavelmente, um impacto em toda a cadeia de distribuição, influenciando não só os preços de transportes”.

Setor reclama apoio, mas percebe dificuldade do imprevisto

Esclarecendo como o setor encarou os desafios da Covid-19, interessará também perceber a posição de todos relativamente ao imprevisto da invasão russa sobre a Ucrânia. Com todos a lamentarem a tragédia humana que traz um conflito desta dimensão num país europeu, todos dizem estar cientes da situação instável que se vive globalmente. Assim, pedindo atenção redobrada para o setor, Dachser, Transportes Paulo Duarte e Zolve são uníssonos no ‘mapa das dificuldades’ sentidas.
“Do ponto de vista do impacto económico, concretamente ao nível do transporte e distribuição, é impossível não referir a grande expressão que a Ucrânia e a Rússia têm nos mercados internacionais de petróleo e energia, o que já está a causar alguns desenvolvimentos muito dinâmicos nos preços do petróleo e, portanto, nas sobretaxas relacionadas com esta matéria, tais como BAF e sobretaxas de combustível”, começa por explicar-nos a Dachser, numa linha de pensamento secundada pelos outros dois intervenientes ouvidos.
“O aumento dos custos de transporte e dos tempos de entrega, devido às suspensões de remessas de e para a Rússia e à alteração de rotas por via marítima, aérea e ferroviária, está, também, a causar uma enorme pressão sobre a capacidade de carga, o que irá causar ruturas na cadeia de abastecimento – um efeito dominó para as indústrias e empresas dependentes, que acabará por chegar às populações não só da Europa, mas de todo o mundo”, explica-nos Gustavo Paulo Duarte. “Depois de dois anos de pandemia, com uma crise energética já em marcha antes do conflito e com uma tendência inflacionista muito vincada, não poderia haver pior momento para toda esta situação. As sanções colocadas à Rússia são inevitáveis, mas resultarão em perdas significativas não só para a economia russa, mas também para toda a economia mundial, em especial a economia europeia”, sentencia sobre este tema o responsável máximo da Zolve.
E que respostas estão a ser preparadas? Foi precisamente isso que quisemos saber destes três intervenientes. Vítor Figueiredo explica que “neste momento, com os preços de energia atual, estamos a revisitar todas esses projetos [de eficiência energética] de forma a recalcular o seu retorno e avançar com a sua implementação. Temos também muitos investimentos em marcha que já estavam planeados no âmbito da nossa política de sustentabilidade e que também têm um efeito positivo quer no consumo elétrico, quer no diesel”, começa por referir, alertando, contudo, que “estas medidas não são suficientes para minimizar a forte pressão a que estamos sujeitos. A subida dos preços de venda é algo inevitável e que já estamos a aplicar”.
Percorrendo uma linha de eficiência máxima nas suas operações, a Dachser defende “apesar destes ajustes [face aos aumentos], o aumento do preço dos combustíveis torna os custos de transporte inevitavelmente mais caros e, neste sentido, o modelo de negócio da Dachser tem por base a organização de um fluxo de mercadorias para clientes mais eficiente, através do transporte do maior número possível de mercadorias, recorrendo ao menor número de viagens possível, usando os recursos com a maior moderação possível”, numa perspetiva que para a Paulo Duarte é razoável, mas não ‘apaga’ os problemas do setor que sem resposta governativa ficará ‘abandonado’. “Contudo, e perante a situação atual, o aumento dos custos do transporte é inevitável, situação que nos preocupa porque sabemos que irá, novamente, afetar, severamente, os portugueses, com o inevitável aumento do preço dos bens de consumo. Cabe, por isso, ao Governo encontrar soluções para proteger as empresas do setor e, naturalmente, os consumidores”, defende Gustavo Paulo Duarte.

Mais agilidade governativa para manter transportes na rota da compreensão

Se pelo seu posicionamento de origem internacional a Dachser se mostra a mais compreensiva, todos os auscultados pela MOB Magazine reclamam intervenção. Assim, Celestino Silva defende estar ciente “que esta guerra apanhou toda a comunidade internacional de surpresa e colocou uma pressão adicional sobre as cadeias de abastecimento, em particular, sobre o setor de transporte de mercadorias. Da nossa parte, fica o compromisso de continuarmos a trabalhar para mitigar os efeitos desta conjuntura e, em conjunto, encontrar soluções alternativas para as necessidades dos nossos clientes na área do transporte e da logística”, um compromisso que não é afastado pelos outros dois operadores que, contudo, pedem maior rapidez de resposta.
“A redução provisória de impostos, a redução direta no fornecedor do gasóleo profissional, a obrigatoriedade da anexação da variação do valor do combustível na fatura do transporte ou o alargamento do gasóleo profissional a viaturas de peso igual ou superior a 7.5 toneladas são algumas das propostas em cima da mesa e que ajudariam o setor de forma determinante”, defende a Transportes Paulo Duarte, secundada pela Zolve: “Acreditamos que o governo está sensibilizado para o momento que a economia atravessa. No entanto, achamos que não está a agir com a agilidade que se lhe exigia”, começa por referir-nos o CEO da empresa, assinalando, contudo, que “a forte carga fiscal sobre a economia precisa de ser aliviada, a burocracia sobre processos de licenciamento também precisa de ser aligeirada. Achamos também que seria necessário rever a divisão de fundos do PRR no que diz respeito à proporção que é absorvida pelo sector público e sector privado”.

 

Pontos de vista para três questões-chave

 

Vítor Figueiredo, CEO da Zolve

Pandemia
À data de hoje, podemos dizer que a pandemia acabou por atrasar alguns projetos estratégicos, mas não houve um único projeto ou plano de ação que havia sido definido que tivesse de ter sido cancelado

Aumento de preços
Os efeitos a que estamos a assistir são muito significativos e impossíveis de absorver na estrutura de custos de qualquer operador logístico. Todo o mercado está a refletir estes incrementos nos seus preços

Necessidades do setor
A forte carga fiscal sobre a economia precisa de ser aliviada, a burocracia sobre processos de licenciamento também precisa de ser aligeirada. Achamos também que seria necessário rever a divisão de fundos do PRR no que diz respeito à proporção que é absorvida pelo sector público e sector privado

 

Gustavo Paulo Duarte, Diretor-Geral da Transportes Paulo Duarte

Pandemia
O período marcado pela Covid-19 – que estamos, ainda, a atravessar – foi, sem dúvida, um momento altamente desafiante, mas apresentou, também, inúmeros sucessos

Aumento de preços
O serviço de transporte não funciona de forma isolada: é uma prestação de serviços que tem custos associados. A Logística e os Transportes são, assim, setores que têm repercussões diretas na economia, na indústria e nas exportações

Necessidades do setor
A redução provisória de impostos, a redução direta no fornecedor do gasóleo profissional, a obrigatoriedade da anexação da variação do valor do combustível na fatura do transporte ou o alargamento do gasóleo profissional a viaturas de peso igual ou superior a 7.5 toneladas são algumas das propostas em cima da mesa e que ajudariam o setor de forma determinante

 

Celestino Silva, Managing Director European Logistics Iberia da DACHSER

Pandemia
Apesar do mercado volátil, fomos capazes de manter o funcionamento das cadeias de abastecimento dos nossos parceiros sem qualquer interrupção e de proporcionar a mesma qualidade e desempenho

Aumento de preços
Este aumento [das várias variáveis] tem, inevitavelmente, um impacto em toda a cadeia de distribuição, influenciando não só os preços de transportes

Necessidades do setor
Esta guerra apanhou toda a comunidade internacional de surpresa e colocou uma pressão adicional sobre as cadeias de abastecimento, em particular, sobre o setor de transporte de mercadorias. Da nossa parte, fica o compromisso de continuarmos a trabalhar para mitigar os efeitos desta conjuntura e, em conjunto, encontrar soluções alternativas

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