A preocupação com a saúde mental tem crescido na sociedade atual e o debate é visível um pouco por todos os setores. No caso das marcas, que papel poderão assumir na educação do consumidor relativamente a estas questões? Quisemos saber a opinião de Maria Matos, responsável da Dove Portugal, uma das marcas pioneiras a abordar o tema. Em entrevista, fala-nos também sobre a qualidade emocional da jornada do cliente e o impacto que esta pode ter na sua fidelização.
A Dove tem assumido voz ativa neste debate, particularmente ao nível da autoestima das mulheres. Fê-lo numa altura em que ainda se falava pouco sobre o tema. Quando é que surgiu este posicionamento da marca?
De facto, o tema da saúde mental tem vindo cada vez mais a debate, havendo hoje uma maior consciencialização do impacto positivo de níveis elevados de autoestima no bem-estar psicológico de cada um. A Dove, enquanto marca, tem este radar atento desde muito cedo, tendo assumido a responsabilidade de tornar acessível a todas as mulheres uma experiência de beleza positiva, defendendo que a beleza deve ser uma fonte de confiança e não de ansiedade.
Este posicionamento surge na Dove desde 2004, com o lançamento do conceito “Beleza Real”. Somos uma marca que não recorre à distorção digital nas suas campanhas e há 16 anos fomos pioneiros na chamada de atenção para o uso excessivo de ferramentas de edição de imagem (como o Photoshop) no mundo da moda e da publicidade, quando lançámos a campanha Evolution. Fizemos a pergunta que ainda nenhuma outra marca tinha feito: Que processo está por detrás de uma imagem que vemos nos media? Na altura, um estudo por nós desenvolvido concluiu que 75% das mulheres em todo o mundo gostava que o retrato da beleza feminina na publicidade correspondesse mais à realidade.
Foi também por esta altura (em 2006) que criámos Dove Projeto Pela Autoestima, com o compromisso de contribuir para que as novas gerações crescessem com uma relação mais positiva com a sua própria aparência. Crianças confiantes e com uma boa autoestima têm maior probabilidade de se tornarem adultos também eles confiantes. Esse é o nosso objetivo final!
“Cada vez mais, o que dita o sentimento de lealdade para com as marcas, a permanência nas empresas e até a diferença entre simples colaboradores e verdadeiros embaixadores das marcas, é a demonstração, através de ações concretas, da preocupação das instituições com o lado humano e não só com o lucro.”
Mas se nos primeiros tempos as redes sociais ainda não faziam parte das nossas vidas e o apelo era sobretudo direcionado às grandes indústrias de publicidade e comunicação, hoje o desafio é maior. Atualmente, para manipularmos a nossa imagem, já não precisamos de saber usar o Photoshop, pois estão disponíveis aplicações mais intuitivas, que qualquer pessoa aprende facilmente a usar e sabemos que as adolescentes as utilizam cada vez mais e muitas não se sentem confortáveis em publicar fotografias que não estejam editadas. As próprias redes sociais colocam-nos à disposição inúmeros filtros que nos permitem esconder todas as nossas “imperfeições” e alterar a nossa aparência para ser mais semelhante com os padrões de beleza atuais: tudo isto acontece no digital, onde muitos se tentam esconder da sua realidade e demonstram dessa forma a fragilidade da sua autoestima. É neste sentido que as mais recentes campanhas de Dove, em prol da autoestima e diversidade, se têm virado, sobretudo, para o mundo digital, como é exemplo Selfie Invertida (2021) ou a mais recente Cost of Beauty,.
Na sua opinião, que papel poderão assumir as marcas na educação do consumidor relativamente a estas questões?
Cada marca tem o seu propósito e vê estas questões de prismas distintos, atendendo também ao seu âmbito de atuação. Para nós [Dove], acaba por ser mais fácil falar da temática da autoestima, da saúde mental e da aceitação da beleza como um todo, não só sensibilizando, mas também implementando medidas nesse sentido, porque esse é o nosso campo de atuação natural.
Independentemente do setor, acredito que as marcas devem ter como prioridade, contribuir e fomentar o bem-estar dos seus consumidores e colaboradores. Cada vez mais, o que dita o sentimento de lealdade para com as marcas, a permanência nas empresas e até a diferença entre simples colaboradores e verdadeiros embaixadores das empresas e das marcas, é a demonstração, através de ações concretas, da preocupação das instituições com o lado humano e não só com o lucro. Afinal de contas, somos pessoas a falar com pessoas e a vender serviços e produtos a pessoas, e não apenas marcas sem rosto.
Mais do que alertar para a importância destas temáticas, sentimos que deve haver um alinhamento entre o que cada marca comunica (as suas intenções) e aquilo que de facto faz (ações concretas). Esta é a nossa intenção enquanto marca – efetivar uma mudança real de mentalidades e de edução nas escolas e ao longo da vida das mulheres – e, embora muitas marcas tenham propósitos distintos e válidos, a preocupação deve passar do storytelling ao storydoing.
O melhor exemplo disso é o investimento que a marca faz no Dove Projeto pela Autoestima, que desde 2020 em Portugal, implementa junto da comunidade escolar e dos pais, programas educativos em sala de aula e disponibiliza recursos didáticos online para ajudar as crianças a crescerem com uma relação mais positiva com a sua aparência e com o seu corpo, com o objetivo de melhorar a sua autoestima.
A vida das pessoas tem-se tornado mais centrada no digital, particularmente com a maior utilização das redes sociais. Neste contexto, considera importante que as marcas assumam preocupação acrescida com a qualidade emocional das experiências digitais do consumidor? Que estratégias têm neste sentido?
Todas as campanhas Dove têm o objetivo de serem experiências emocionais, transmitindo os ideais da marca ao consumidor. Cada uma destas campanhas visa fazer o consumidor pensar sobre questões relevantes (como é o exemplo da autoestima, saúde mental, aceitação do corpo e idade, entre outros temas), que são necessárias serem discutidas e faladas na nossa sociedade. A saúde mental é precisamente um dos temas que mais está na ordem do dia e onde começamos a ver uma maior preocupação das empresas em ajudar no caminho de uma saúde mental mais positiva, fator que levou também a um interesse generalizado na campanha Cost of Beauty – que registou os melhores resultados orgânicos até hoje.
Nesta última campanha, mostramos o percurso de uma adolescente real – a Mary – desde a sua infância (feliz) até à adolescência, altura em que começou a desenvolver problemas de autoestima, decorrentes da comparação com terceiros e do consumo de conselhos de beleza tóxicos que consumiu nas redes sociais. Esta é uma história real, que serviu para mostrar que são muitos os adolescentes que sofrem diariamente e desenvolvem problemas de saúde mental (incluindo distúrbios alimentares), devido ao seu contacto com as plataformas digitais que não são reguladas e acabam por distorcer a realidade e incentivar a práticas pouco saudáveis.
O objetivo desta campanha não é apenas o de consciencializar pais, professores e adolescentes nos vários países, mas concretizar mudanças na sociedade, daí ter sido acompanhada pelo lançamento digital de uma petição internacional que apela a uma maior regulamentação das redes sociais. Unimos os vários países num esforço conjunto para recolher assinaturas suficientes para levarmos este tema, que é tão pertinente, a discussão no parlamento europeu, de modo a combater a toxicidade destas plataformas, tornando-as mais seguras.
“Independentemente do setor, acredito que as marcas devem ter como prioridade, contribuir e fomentar o bem-estar dos seus consumidores e colaboradores.”
Outras ações que têm vindo a espelhar a nossa missão social são: nas escolas, através do Workshop Eu Confiante trazemos a problemática da autoestima e da saúde mental para cima da mesa, em sessões dadas por professores na disciplina de Cidadania do 2º e 3ºciclos, em escolas públicas e privadas; em ações como o Casting Beleza Real, que desenvolvemos em parceria com a SIC, que consistiu no primeiro casting de uma adolescente real, não atriz, que deu voz à problemática do consumo de conteúdos nocivos nas redes sociais, na telenovela Sangue Oculto; mas também através de ações de sensibilização como realização de estudos que visam perceber de que forma a mulher se relaciona com o seu corpo, como caracteriza a sua autoestima, de que forma foi e é alvo de body shaming, como encara o seu envelhecimento – tudo ações que nos aproximam do nosso consumidor e nos fazem conseguir, a posteriori, oferecer-lhe serviços mais alinhados com as suas necessidades e preocupações.
Referiu acima o sentimento de lealdade do consumidor para com as marcas. A qualidade emocional da jornada do cliente trará também impacto na sua fidelização, tendo em conta que a passam a associar a experiências positivas?
Sem dúvida alguma. A jornada emocional traçada com o cliente é o que o faz, no final de contas, optar por um produto Dove, em detrimento de outra marca. O cliente compra Dove porque gosta dos nossos produtos, temos essa consciência e temos o cuidado de lançar gamas novas, adaptadas a necessidades emergentes das pessoas, para podermos, precisamente, satisfazer o cliente no ato da compra. No entanto, sabemos também que faz parte da nossa missão limar algumas arestas sociais, o que nos coloca na mente do consumidor pelos melhores motivos.
Os vossos produtos e canais de venda, em particular os canais digitais, são pensados para despoletar estes sentimentos positivos no consumidor? Considera que o impacto emocional para conduzir a uma decisão comportamental?
A comunicação feita pela Dove é pensada de forma integrada e muito focada nos valores que queremos transmitir para a sociedade. Ou seja, tanto nas lojas como nos canais online, as mensagens que a marca transmite têm sempre um sentimento positivo inerente. Estas mensagens positivas estão patentes tanto nas embalagens dos produtos, como nos coffrets, como em outdoors, televisão ou no site. A escolha dos influenciadores digitais que convidamos a fazerem parte das nossas campanhas, são um exemplo deste foco. Estando estas pessoas completamente alinhadas com os valores da marca, ao reverem-se no propósito de Dove e acreditando na sua mensagem, facilita a comunicação orgânica, resultando em partilhas e testemunhos naturais, pertinentes para as comunidades que as seguem e por isso conseguimos resultados de engagement completamente notáveis. Tudo transpira positivismo sim, mas mais do que positivismo, realismo e alerta para a necessidade de uma mudança. Temos conversas difíceis, mas importantes para as jovens e mulheres portuguesas.