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Opinião: O Big Brother comercial

Opinião: O Big Brother comercial

No ano de 1957, por acaso o ano que nasci, o jornalista americano Vance Packard escreveu um livro, The Hidden Persuaders, no qual revelava muitos dos truques e táticas psicológicas utilizadas pelas empresas para manipular a mente dos consumidores. Tais artimanhas eram uma brincadeira de crianças comparadas com as que hoje são praticadas.

 

 

Sabemos hoje que as pessoas têm atitudes socialmente responsáveis, não só para fazerem o bem mas também para se exibirem e melhorarem a sua reputação social. Principalmente quando sabem ou sentem que estão a ser observadas comportam-se de maneira diferente e quando consomem fazem-no de maneira considerada “politicamente correta”. Chama-se a este tipo de comportamento “altruísmo competitivo”. As pessoas têm tendência a competirem entre si, não só em termos profissionais mas também sociais, com o objetivo de adquirirem aquilo que consideram ser vantagens sobre os outros que podem ser os seus vizinhos, amigos ou familiares.

 

 

Os diversos tipos de cartão-cliente hoje existentes são uma ferramenta de marketing poderosíssima através da informação que contêm sobre os consumidores e os seus hábitos e comportamentos de compra. Associados a estes cartões encontram-se os programas de fidelização que autorizam os seus emissores a recolher, agregar, sintetizar e analisar a informação recolhida dos seus clientes.

 

 

Sempre que um consumidor utiliza um cartão-cliente esta informação é recolhida para uma base de dados – produtos adquiridos, quantidades, momentos da compra e preços – de modo a sintetizar o comportamento dos clientes numa base temporal semanal, mensal ou anual. Após o que, complexos algoritmos matemáticos processam toda esta informação para obterem uma variedade de interpretações sobre quem somos e o que compramos, conseguindo dessa forma elaborar uma segmentação comportamental e uma reorientação personalizada ou remarketing traduzida, por exemplo, nas promoções personalizadas propostas diretamente aos consumidores.

 

 

No futuro, o retalho irá ser cada vez mais intrusivo e bem informado. Para tal irão ser utilizados nos pontos de venda, por exemplo, gravadores  que poderão captar conversas dos clientes com os colaboradores da loja; câmaras de vídeo para observar e gravar o comportamento dos clientes na placa de vendas no que concerne aos produtos que escolhem, ao tempo que demoram e à forma como reagem às mensagens dos produtos; sistemas electrónicos de monitorização que conciliarão os dados provenientes das compras com os percursos efetuados pelos clientes.

 

Também sabemos hoje que as regiões racionais do nosso cérebro se fecham quando é acionada a ínsula, a região cerebral responsável pelas emoções sociais como a repulsa, a vergonha, o orgulho, a culpa, a empatia ou até o amor.

Por outro lado, as recomendações dos nossos amigos ou das pessoas que respeitamos ou admiramos estimulam também as regiões sensoriais do nosso cérebro provocando sensações não muito diferentes das provocadas pelos desejos biológicos. Este funcionamento do cérebro explica porque razão a publicidade boca a boca fica retida na nossa mente muito mais tempo que a as formas de publicidade normais ou clássicas e é muito mais eficaz.

 

Quem já leu o livro 1984 de Georges Orwell, a sua distopia sobre o olhar indiscreto do Big Brother, compreende perfeitamente o que estou a dizer. Aliás, quem diria que hoje existem cerca de 32 câmaras de vídeo em circuito fechado, a menos de 200 metros do apartamento londrino onde Orwell escreveu o seu livro. É a realidade a ultrapassar a ficção ou muito mais que o tal Admirável Mundo Novo que o Aldous Huxley, outro escritor contemporâneo de Orwell, imaginou.

 

José António Rousseau

Consultor e docente no IPAM/IADE

www.rousseau.com.pt

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