Menos de 48 horas passadas após a promoção do Pingo Doce ainda se ouvem, nos vários meios de comunicação, os resquícios do “furacão” provocando pelo Pingo Doce no primeiro dia de Maio. A promoção, que deu um desconto de 50% em compras superiores a 100 euros, levou milhares às lojas do Pingo Doce no Continente e na Madeira.
De acordo com o diretor-geral do Pingo Doce, Luís Araújo, em entrevista, ontem (dia 02 de maio), à TVI esta ação teve por base “uma preocupação social”, tendo indicado que “todos os objetivos foram conseguidos, de norte a sul do país nas mais de 300 lojas do Pingo Doce”. Luís Araújo indicou ainda que viu um “país contente e satisfeito e colaboradores contentes”. Segundo o responsável entraram cinco vezes mais clientes do que seria esperado tendo existido um aumento significativo da compra média.
Já ontem, ao final do dia, a ministra da Agricultura, Assunção Cristas, aproveitou para indicar que tem planos para criar novas leis para regulamentar promoções inesperados e alterações de contratos entre fornecedores e a grande distribuição que não fiquem formalizadas por escrito. Durante a comissão parlamentar de Agricultura, a ministra, citada pelo jornal Público, indicou que “a campanha do Pingo Doce no 1º de maio é a prova que as grande cadeias de comércio alimentar têm capacidade financeira para suportar a nova taxa de saúde e segurança alimentar já aprovada pelo Governo”.
Também ontem a Confederação de Comércio e Serviços de Portugal criticou a ação do Pingo Doce indicando que “face ao que hoje são as margens de comercialização da esmagadora maioria dos bens alimentares, uma campanha deste tipo só pode apenas pode obedecer a duas situações: ou os fornecedores da referida cadeia suportaram uma parte significativa da promoção, ou estão a ser violadas as disposições legais existentes, nomeadamente, no que se refere à designada venda com prejuízo que conduz a uma situação de concorrência desleal”.
A questão da possível existência de dumping está a ser analisada pela ASAE. Contudo a posição oficial do Grupo Jerónimo Martins, em nota enviada às redações ontem (dia 02 de maio), é reforçada pelo “grande interesse e entusiasmo demonstrados pelos consumidores que se traduziu numa grande afluência às lojas e que superaram em muito as nossa expectativas”.
Em relação à possibilidade da existência de dumping que está a ser fiscalizada pela Autoridade de Segurança Alimentar e Económica (ASAE), o grupo liderado por Alexandre Soares dos Santos indica que “não houve dumping. O que se passou no dia 1 de maio nas lojas do Pingo Doce foi a oferta de uma vantagem aos consumidores com compras no valor mínimo de 100 euros, limitada a uma determinada quantidade de cada produto, num esforço para que o maior número de famílias portuguesas pudesse beneficiar desta oportunidade, gerada pelo investimento do Pingo Doce”.
A DISTRIBUIÇÃO HOJE contactou a Associação Portuguesa de Empresas de Distribuição (APED) que se refutou a quaisquer comentários que tenham por base estratégias comerciais e de marketing dos seus associados numa perspetiva individual
A análise dos especialistas
A DISTRIBUIÇÃO HOJE ouviu alguns especialistas setor da distribuição moderna e ainda especialistas em marketing e comunicação para fazerem a sua análise da acção do Pingo Doce. Pedro Dionísio (INDEG-ISCTE) , Beatriz Imperatori (Centromarca), José António Rousseau (Consultor, docente), Luís Raimundo Schwab (docente IPAM) João Barros (docente ESCS) , Rui Calafate (Consultor de comunicação e diretor da Special One Comunicação) e Rui Ventura (presidente da APPM) fizeram a análise da promoção:
Pedro Dionísio,
Diretor do Mestrado Executivo de Marketing Management do INDEG-ISCTE, e membro do conselho editorial da DISTRIBUIÇÃO HOJE:
“Independentemente das questões legais de possível prática de dumping – se formos por esse ângulo haveria muitos exemplos de dúvidas neste campo, considero que esta ação teve para o Pingo Doce as seguintes associações:
– Positiva: ficar associado a preço baixo.
– Negativa: a escolha do 1º de Maio, dia do trabalhador que habitualmente era um dos poucos dias em que as GMS estavam fechadas, o que provocou a natural reação de alguns partidos e associações sindicais e que não está de acordo com o posicionamento de Soares dos Santos, nomeadamente nas meritórias iniciativas da sua Fundação; o mau serviço prestado aos clientes com uma enorme confusão nas lojas, contrário à prática habitual de bom serviço do Pingo Doce”.
Beatriz Imperatori,
Diretora geral da Centromarca e membro do conselho editorial da DISTRIBUIÇÃO HOJE:
“Até ao momento não temos notícia de que algum fornecedor tenha sido previamente informado sobre esta iniciativa. Desta forma esta é uma ação da única responsabilidade do Pingo Doce, e assim deverá ser financiada pelo seu autor. É importante que para além da ação da ASAE para constatação -ou não- da existência de um a ‘venda com prejuízo’ também se monitorizem as consequências para montante da cadeia, ou seja para os fornecedores, caso venham a existir pedidos de comparticipação posteriores, ou condições retroativas unilateralmente impostas. Esta questão sublinha a importância da revisão da legislação quanto às práticas, ao nível de coimas e a sua aplicação. A partilha de responsabilidades entre a ASAE e a ADC e a necessidade de articulação entre duas entidades poderá ser revista, por forma a tornar mais eficaz este processo”.
José António Rousseau,
Consultor e docente e membro do conselho editorial da DISTRIBUIÇÃO HOJE
“Foi uma ação original e inesperada que apanhou o mercado completamente de surpresa. O próprio Pingo Doce não a comunicou aos seus clientes a não ser no próprio dia e só nas lojas. Uma ação similar – descontos imediatos de 50% em todo o sortido de FMCG, em todas as lojas da insígnia e num dia feriado- nunca se havia realizado em Portugal e que eu saiba em qualquer parte do mundo.
Do ponto de vista do marketing foi brilhante e terá tido resultados até acima das melhores expectativas. Durante muito tempo a distribuição portuguesa não se irá esquecer desta ação e da polémica que suscitou. Os principais concorrentes, nomeadamente o Continente irá de certeza responder com ações igualmente espetaculares. Sim, porque o que a Jerónimo Martins fez com esta ação foi verdadeiramente….´Dar Espetáculo´. E uma boa demonstração da eficácia do boca a boca
Pode considerar-se que a própria reação dos consumidores terá sido descontrolada e um pouco histérica. Mas quem é que nunca assistiu a este tipo de reação perante os saldos de certas empresas e não só em Portugal como em todo o mundo? Quando uma promoção é reconhecida pelos consumidores como muito boa a reação é sempre esta. Até já assisti a cenas semelhantes para se receberem canetas e sacos de plástico quanto mais se forem bens de primeira necessidade!
Independentemente dos comentários positivos ou negativos que esta ação possa suscitar, nomeadamente uma eventual acusação de venda com prejuízo que terá de ser provada, penso que o Pingo Doce ficará sempre a ganhar. Tal como ganharam os consumidores que a conseguiram aproveitar”.
Luís Raimundo Schwab,
Docente do IPAM e colunista da DISTRIBUIÇÃO HOJE:
“Uma promoção de vendas é, em suma, um estímulo de curto prazo que visa uma resposta que é, normalmente, o aumento de vendas durante um período onde o efeito do estímulo se faça sentir. Olhando simplesmente para a relação estímulo-resposta, o impacto da promoção do dia 1 de maio foi altamente conseguido com a procura a reagir da forma que se conhece, a escala nacional, o que é um feito notável.
A escolha da data merece também atenção, pois coordena início do mês (rendimento disponível) com um dia feriado, onde haveria maior disponibilidade de tempo para compra. Se a data escolhida teve um impacto social negativo, a procura manifestada esclarece qualquer dúvida sobre a questão, e no nosso mundo real de tempos exigentes, promoções destas dimensões terão sempre um impacto muito forte, com consumidores que são muito racionais e tem verdadeiros ganhos em termos de poupança e outros que no frenesim da promoção compram o que é desnecessário só pelo facto de ser barato, o que configura um comportamento muito pouco racional.
Outro fenómeno menos referido, mas que importa ficar muito atento, é o que podemos denominar de buzz marketing, que é como praticamente sem publicidade tradicional da insígnia, a mensagem passou rapidamente entre as pessoas, com um efeito similar ao de uma flash mob, o que dá que pensar no contexto das formas de comunicação e do comportamento do consumidor atual, sobretudo se imaginarmos que efeitos como o das flash mobs são muito concentrados em segmentos jovens da sociedade e o fenómeno que ocorreu ontem foi completamente transversal em termos sociodemográficos.
Quanto às questões relacionadas com dumping parece-me que vivemos num país com leis de consumo bem definidas e é extremamente simples: se existiram irregularidades, a empresa deverá obviamente arcar com as consequências, se não, a empresa poderá regozijar-se com uma das promoções com maior impacto de que há memória no retalho português”.
João Barros,
Docente e membro do Conselho Editorial da DISTRIBUIÇÃO HOJE
“Em termos de notoriedade creio que não existe a mínima dúvida que esta foi uma ação de enorme sucesso. No entanto, em termos puros de negócio, e tendo em atenção a margem média da insígnia, já não será possível afirmar o mesmo com tal segurança.
Também ficam algumas dúvidas, quanto ao efeito da ação naquilo que se apelida de “atitude relativamente à marca”. Ou seja, terá a ação contribuído para que os consumidores se tornem mais fãs da marca Pingo Doce ou, pelo contrário, poderá ter trazido elementos negativos que a prejudiquem no futuro? Uma coisa me parece mais certa, a ação enquadra-se nos valores da marca – focalizados nos preços baixos – e aí o Pingo Doce foi, no mínimo, coerente.
Gostaria, ainda, de deixar uma nota curiosa: uma das ações promocionais mais fortes dos últimos anos é feita por uma insígnia que, na sua comunicação, afirma frequentemente que não faz promoções. Esta sim é a parte menos coerente e que reafirma algo que qualquer pessoa que se debruce minimamente sobre estas matérias sabe: as promoções são técnicas demasiado importantes para que qualquer marca possa afirmar que não as usa ou usará”.
Rui Calafate,
Consultor de comunicação e diretor geral da Special One Comunicação
“O Dia Mundial do Pingo Doce é assim que o caracterizo, pois até ultrapassou, como é hábito, a cobertura das celebrações do Dia do Trabalhador. Isso terá sido bom para a Marca?
A notoriedade foi arrasadora, mas o buzz não foi positivo.
O Pingo Doce teve uma cobertura total, mas esqueceu-se que hoje o que se passa, passa nas redes sociais. E aí as opiniões foram arrasadoras para a marca. O Pingo Doce criou uma linha coerente de comunicação de ser o que tem os preços mais baixos. O 1º de Maio criou uma brecha no seu “brand“. A exploração das graves dificuldades que atravessam os portugueses, criou uma onda de desagrado que poderá ter consequências para o Pingo Doce. Manobra genial ou manobra pífia? O tempo o dirá…”
Rui Ventura,
Presidente da Associação Portuguesa de Profissionais de Marketing (APPM):
“Muito já se escreveu sobre esta famosa Promoção, e sobre se a mesma é positiva ou negativa para a marca. Na minha opinião entre o deve e o haver, esta ação foi claramente positiva, embora tenham existido alguns pontos negativos que podem ser melhorados.
Do ponto de vista do impacto da ação junto dos consumidores, os resultados mostram, apesar de alguns episódios de caos reportados, que a ação foi um sucesso e de facto, 50% de desconto nos dias que correm é algo verdadeiramente importante para os consumidores seja qual for a marca a anunciar.
Do lado da notoriedade da marca, o sucesso parece-me claro. Desde os Media, aos principais opinion leaders, Humoristas, bloggers, políticos e consumidores em geral, todos fazem menção à marca nas suas colunas de opinião, rubricas ou conversas com amigos e se o Pingo Doce já era top-of-mind, esta promoção reforçou ainda mais esta realidade.
Do lado dos pontos negativos destaco o fato desta promoção ir contra a proposta de valor do Pingo Doce, que sempre passou pelas seguintes mensagens: “preços baixos o ano inteiro” e “não fazemos promoções nem descontos”, e ao fazer uma promoção desta natureza, está a fragilizar a consistência da marca”.