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Agroalimentar

Valorização do nacional e artesanal “é a salvação da nossa economia”

APCV passa a Cervejeiros de Portugal
Na semana em que se realiza nos jardins do Casino do Estoril o ‘The Beer Promenade Cascais’, festival que celebra a cerveja artesanal, a DISTRIBUIÇÃO HOJE falou com Rui Rosa Dias, Professor no IPAM, para perceber como está a evoluir o consumo deste tipo de cervejas. Para o docente universitário, o rejuvenescimento em torno de “alimentos com terroir”, “mais do que uma moda, é uma tendência” que pode muito bem alavancar a economia nacional.

Nos últimos anos têm surgido no mercado português, e também a nível internacional, diversas marcas de cerveja artesanal. É apenas uma moda passageira ou estamos perante uma nova dinâmica de consumo?

O mercado português agroalimentar é, em muitos casos, um reflexo daquilo que acontece noutros mercados mais dinâmicos, com mais ADN para Investigação & Desenvolvimento e Inovação deste cluster. É conhecida a apatia do nosso tecido empresarial no que respeita à Investigação e Inovação no setor agroalimentar. Há exceções que apenas confirmam a regra, por exemplo nas frutas e polpas.

Os mercados e os produtos têm por norma um ciclo de vida cuja curva é representada entre a interceção do eixo ‘Y’ (volume de vendas) e o eixo ‘X (tempo), determinando as diferentes fases em que os produtos e/ou setores se encontram: Introdução, Crescimento, Maturidade e Declínio.

Se há uns 20 anos atrás no setor agroalimentar os produtos percorriam as diferentes fases do Product Life Cycle em períodos de tempo alargados (quer pela ausência de foco na inovação, quer porque os produtos cumpriam na íntegra o seu papel, quer ainda, porque havia uma clara fidelização às marcas). Hoje, nenhum daqueles critérios corresponde ao que os consumidores, cada vez mais exigentes e informados, desejam. A inovação é uma saída nos mercados, quando os produtos se apresentam nas fases de maturidade e declínio.

O crescimento do segmento das cervejas artesanais é demonstrativo de uma procura e comportamento de consumo, cujos padrões, estilos de vida e desejos, fazem-nos crer que estamos perante uma tendência. Quer os novos espaços que abrem com esta oferta diferenciada, quer os eventos relacionados com este tipo de produtos, são claros indicadores de que os consumidores desejam cada vez mais, produtos verdadeiros, produtos com uma história, um rosto, cujas matérias-primas, e a origem, sejam de facto, algo credível, genuíno e diferente.

A cerveja foi durante anos a fio, um produto, tal como o leite e outras bebidas, dadas como banais, sem valor e ‘sem alma’, sem diferenciação, no fundo, sem vida. Quer a cerveja, quer o leite, ambos, na sua essência, são produtos que devem preservar um património físico-químico com vida própria. O que se fez durante anos, foi retirar-lhes a vida, para aumentar a longevidade dos produtos e mais tempo nas prateleiras dos supermercados e hipermercados. As cadeias logísticas tornaram-se demasiadamente complexas. Agora, verifica-se um claro rejuvenescimento em torno dos alimentos diferentes, dos alimentos com alma, dos alimentos com terroir. Mais do que uma moda, é uma tendência.

 E a que se deve este novo interesse dos consumidores por produtos com ‘terroir’?

Os consumidores estão interessados cada vez mais no que é local, quando se fala em alimentos. As cadeias de valor curtas serão uma clara vantagem competitiva para as marcas.

O local em sintonia com a origem, a identidade com os atributos das marcas que retratem um storeytelling agroalimentar verdadeiro, ditarão e despertarão cada vez mais interesse no seio dos segmentos de consumo que se interessam pela verdade do marketing agroalimentar.

Já não bastará às marcas agroalimentares contarem ‘histórias’ bonitas ao consumidor, se na verdade a realidade da cadeia de valor demonstra outras práticas. O produto agroalimentar, a alimentação e os momentos de consumo, deverão ser encarados como fatores de uma estratégia de ‘verdade comunicacional’.

A Visão, a Missão e os Valores nas empresas agroalimentares deverão alavancar mais do que cosmética empresarial para fazer cumprir requisitos dos manuais de qualidade das empresas certificadas. A estratégia da empresa deve refletir, se possível, com emoção, a verdade daquilo que faz de bem para o consumidor.

As marcas nacionais estão a saber reconhecer esta nova tendência de consumo?

Parece-me que sim, embora não assumam a liderança neste processo. É mais uma clara tentativa de ajustamento empresarial do que propriamente liderança pela diferenciação em produtos de pequena escala, para segmentos muito específicos. As grandes empresas agroalimentares têm como lema e core a eficiência dos recursos, sejam produtivos (matérias-primas e transformação), logísticos (armazenamento, transporte e embalagem de grandes formatos), financeiros e económicos (vendas, quotas, ROI´s, VAL´s, investimentos, capital acionista…) de marketing (vendas, comunicação, canais, preços e promoções, portefólios…).

A que outras áreas do agroalimentar é que esta tendência de valorização do ‘artesanal’ e ‘nacional’ poderá estender-se?

 Creio que lenta, mas determinadamente, a todo o setor agro e alimentar. É apenas uma questão de tempo. Será a nossa salvação. É a salvação da nossa economia. É a melhor prova de que Portugal poderá fazer a diferença. Temos um longo caminho pela frente. A nossa identidade agroalimentar é única, é exclusiva e assenta num património enogastronómico, agrícola e florestal invejável.

Os consumidores veem os produtos nacionais como produtos de maior qualidade? Ou há algo mais por detrás?

Sim, tem. Mas há algo mais. As nossas condições edafoclimatéricas são únicas. Apelar aos cinco sentidos do produto agroalimentar, será o próximo passo das empresas da vanguarda. Apelar à experimentação.

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