Cada vez mais consumidores optam por meios de pagamento digital (como compras e pagamentos online e mobile), não só por rapidez ou comodidade, mas também por preocupações ambientais, como a redução do consumo de plástico e papel. A indústria vai dando resposta ao que o mercado pede, lançando cartões biodegradáveis e desenvolvendo soluções digitais sustentáveis. O caminho rumo à desmaterialização dos meios de pagamento é longo, mas a pandemia vem obrigar os players a acelerá-la, para atender às exigências dos seus clientes.
Todos os anos, são produzidos em todo o mundo cerca de seis mil milhões de cartões de pagamento a partir de PVC. Estes cartões são substituídos, em média, a cada três a quatro anos, e terminam em aterros sanitários. Conscientes das consequências ambientais destes dados, avançados pela Mastercard, mais de três quartos dos cerca de dois mil inquiridos num estudo internacional realizado em maio de 2020, pela empresa, afirmam estar “muito preocupados” com o meio ambiente.
Já de acordo com um relatório da Nielsen, em 2018 a larga maioria dos consumidores, a nível mundial, manifestava que as empresas “devem fazer mais para lidar com o impacto que a sua atividade tem no planeta”. Como comenta à SUSTENTÁVEL Paulo Raposo, diretor-geral da Mastercard em Portugal, “na prática, os consumidores procuram formas alternativas de, pelos seus meios, ajudarem a combater as mudanças climáticas e, uma das formas, está, precisamente, na limitação em utilizarem plásticos de uso único”.
Cartões ainda dominam
Para lidar com esta preocupação crescente, a Mastercard desenvolveu, com os players globais da indústria, um programa sustentável destinado aos emissores de cartões. Trata-se de “um novo diretório de fornecedores de materiais sustentáveis para produtos de cartão, que pretende impulsionar a inovação através de soluções amigas do ambiente”, explica Paulo Raposo. Uma opção “preferida pelas instituições financeiras” a nível mundial, diz, considerando que mais de 60 já emitiram cartões feitos com materiais aprovados, a partir de plásticos recicláveis, de origem biológica, sem cloro e biodegradáveis, como divulga a empresa.
A tecnologia “como a base das soluções que conduzirão a indústria em direção ao futuro”, está no centro da atividade da Visa, cuja abordagem para a inovação assenta “na ideia de que pagar com Visa no mundo digital deve ser tão simples (senão mais), como usar o cartão no mundo físico”, defende Paula Antunes da Costa, Visa Portugal country manager. Cada vez mais pessoas optam por novos meios de pagamento digital – como compras online e móveis, ou pagamentos através de mobile -, o que, na sua opinião, representa “benefícios significativos para o meio ambiente, em termos de redução de emissões de carbono e menos matéria-prima usada”.
 Os consumidores exigem métodos de pagamento mais rápidos e fáceis, adotando tecnologias como o contactless, que reduzem o consumo de recibos de papel
Visa
Neste âmbito, a empresa anunciou, em junho de 2020, uma parceria com o grupo CPI Card e lançou o Earthwise High Content Card, feito com até 98% de plástico reciclado. Este lançamento global “é uma oferta exclusiva para clientes Visa e utilizadores de cartão para os próximos 18 meses”, explica Paula Antunes da Costa. Dito isto, e “embora tenhamos consciência do nosso sucesso em ajudar o setor a avançar, ainda há muito a fazer”, admite a country manager, nomeadamente no que respeita “à maneira como os consumidores agora fazem compras online e através de várias plataformas”.
A caminho da sustentabilidade, “a indústria dos pagamentos está a dar a resposta que o mercado está a pedir”, sublinha, por sua vez, Sebastião Lancastre, CEO da easypay: por um lado, “encontrando um substituto para o plástico nos cartões, que seja biodegradável para ter uma menor pegada no ambiente” e, por outro, “digitalizando os pagamentos através da desmaterialização, em que o próprio cartão vai deixar de existir”. Sebastião Lancastre acredita mesmo que, “se há uns anos já se fala que o dinheiro vai desaparecer”, com a pandemia de covid-19 “temos a confirmação de que, para além do dinheiro, também o próprio plástico poderá desaparecer muito rapidamente”.
Também para a PAGAQUI, a sustentabilidade é atualmente o caminho a ser seguido por qualquer empresa, “e a indústria de pagamentos não é exceção”. Neste sentido, a empresa “tem-se focado no desenvolvimento de soluções digitais que facilitam o dia-a-dia dos portugueses e que cumprem os objetivos sustentáveis”, garante João Barros, CEO da PAGAQUI. Entre outros serviços, a especialista lançou a ‘QUI’, “a primeira carteira digital portuguesa, que se assume como uma alternativa aos bancos tradicionais, 100% mobile, e que facilita a abertura de conta de forma rápida e simples e o pagamento de vários serviços”. Na área de soluções empresariais apostou também no meio digital, tendo, por exemplo, desenvolvido o serviço ‘Link to pay’, “que possibilita os pagamentos através de mensagem de telemóvel ou email”, explica João Barros.
 O desafio é desenvolver uma única aplicação na qual é possível realizar um conjunto diversificado de operações
PAGAQUI
Para Filipe Moura, co-CEO e co-founder da IFTHENPAY, a adoção de práticas sustentáveis pela indústria já está a acontecer, e de forma inevitável, “pois há muitas pessoas que estão a usar mais meios de pagamentos digitais e menos pagamentos com cartão de plástico”, os quais no seu final de vida, são “potencialmente nocivos para o ambiente”. Segundo este responsável, “nos pagamentos digitais destacam-se em primeiro lugar os pagamentos por homebanking, e, em segundo, os pagamentos mobile com o MB WAY”.
Apesar de até à data de fecho desta edição não ter sido possível obter depoimentos da UNICRE, em julho a empresa anunciou que o UNIBANCO acaba de disponibilizar cartões ecológicos produzidos a partir de PVC degradável. Em comunicado de imprensa, Marília Araújo, diretora do UNIBANCO, afirma que esta medida se junta “a um conjunto alargado de ações de cariz sustentável”, na senda da missão da instituição financeira para a diminuição gradual da sua pegada ambiental, que “é clara”, sublinha.
Para além deste lançamento, a empresa tem apostado na digitalização dos seus serviços, os quais “tradicionalmente requerem um consumo de papel elevado”. Nomeadamente, no que respeita à adesão a cartões e crédito pessoal (que agora pode ser feita de forma 100% digital), à adesão ao extrato digital e à aposta na app UNIBANCO, “a partir da qual os clientes podem gerir todos os seus movimentos sem deslocações”, conclui Marília Araújo.
Das apps personalizadas à face recognition
Numa sociedade que está, indubitavelmente, a tornar-se cada vez mais digitalizada, os consumidores exigem “métodos de pagamento mais rápidos e fáceis”, adotando “tecnologias como o contactless no seu dia-a-dia”, e contribuindo assim para “reduzir o consumo de recibos de papel”, como exemplifica Paula Antunes da Costa.
Não obstante, a Visa “não acredita que os cartões desaparecerão num futuro próximo, pois ainda são um elemento crucial no ecossistema de pagamentos mais amplo”, perspetiva a country manager. A visão da empresa é que os players deste setor “devem ter em consideração o que os consumidores estão, neste momento, a exigir no que diz respeito à sua experiência de pagamento”. E aquilo a que se assiste é uma procura crescente por “uma experiência perfeita que facilite a sua experiência de compra, independentemente de pagar com cartão, dinheiro ou telemóvel”.
O tempo o dirá, mas certo, para João barros, é que “o futuro será 100% digital”. Na sua opinião, na atualidade os cartões são “utilizados, essencialmente, como método de identificação e autenticação”, duas características que podem ser digitalizadas. E “por esse motivo vamos necessariamente assistir ao declínio dos cartões como os conhecemos”, conclui. Exemplo desta realidade “é a possibilidade de associação do cartão Visa Pré-Pago PAGAQUI ao sistema de Pagamento Apple Pay, tornando o telemóvel numa ferramenta de pagamentos diários”, sustenta o CEO da empresa.
Filipe Moura corrobora: nos pagamentos presenciais, “uma boa parte das pessoas já prefere usar o MB WAY a partir do seu smartphone, dispensando abrir a carteira, tirar o cartão, movimentá-lo no TPA e teclar o código”. De referir que este último passo é agora especialmente evitável, pelo risco de contágio por covid-19, nota. Por outro lado, “há uma parte dos cartões que as pessoas pedem por excesso de uso nos TPAs ou por desmagnetização. Havendo menos utilização, haverá menos destes cartões a serem pedidos”, explica. Considerando que “há mais de 20 milhões de cartões bancários ativos em Portugal”, e perspetivando que “uma razoável percentagem [dos mesmos] são derivados destes segundos pedidos, só por aí já teremos uma redução significativa de plástico”, sugere o co-founder da IFTHENPAY.
Para Sebastião Lancastre, mais do que a oportunidade de evolução de novos métodos de pagamento que a evolução tecnológica tem trazido (e que torna “expectável que continuem a aparecer novos métodos”), aquilo a que se assiste de mais inovador é “ao desenvolvimento de tecnologia que permite muita eficiência no pagamento”. Por exemplo, “a experiência de pagamento com o Apple Pay é tão simples e confortável que o consumidor estranha quando tem que voltar a utilizar o cartão ou o dinheiro, e rapidamente elege esta forma de pagamento como a preferencial”.
Na prática, “deixamos de abrir a carteira, procurar e tirar o cartão, lembrarmo-nos do pin. Basta aproximar o telemóvel, ou no caso ainda mais sofisticado de wearables, o relógio, e o pagamento faz-se sem fricção nenhuma, de forma muito confortável e rápida”, detalha o CEO da easypay. Na sua opinião, “esta realidade tem sido de tal forma transformadora que o consumidor, quando vai a um comerciante onde ainda o obrigam a colocar o cartão e o pin, acha que essa loja está totalmente desatualizada”.
Mas, e apesar de o futuro dos pagamentos passar pelos equipamentos móveis, do smartphone aos wearables, e por pagamentos sem contacto iniciados com elementos físicos ou mesmo por mensagem escrita, voz, ou gestos, “a verdade é que os cartões ainda têm uma importância fulcral na nossa indústria”, como defende Paulo Raposo. Para contrariar esta realidade, a Mastercard disponibiliza hoje cartões sustentáveis em mais de dez de países em todo o mundo, e espera, com o novo diretório que identifica materiais e fornecedores sustentáveis, impulsionar a sua estratégia, “que já leva alguns anos”, para o lançamento de um sistema de certificação global para cartões sustentáveis, explica o diretor-geral da empresa em Portugal.
 Apesar de o futuro passar pelos equipamentos móveis (do smartphone aos wearables), e por pagamentos sem contacto, os cartões ainda têm uma importância fulcral na indústria
Mastercard
Com mais esta parceria destinada a reduzir o uso de plástico de PVC na fabricação de cartões, “todos beneficiam”, diz Paulo Raposo: “é melhor para o meio ambiente, é melhor para os negócios e responde às crescentes exigências dos consumidores”. Na perspetiva do responsável, a massificação dos cartões sustentáveis “é um esforço que está a ganhar força em várias partes do mundo, inclusive em Portugal, e esperamos que mais organizações se juntem a nós, pois, coletivamente, podemos enfrentar melhor os desafios ambientais urgentes que temos pela frente”.
Com a disponibilização de cartões ecológicos produzidos a partir de PVC degradável, que vêm substituir o habitual cartão de plástico, também o UNIBANCO dá “um passo importante na sua política de responsabilidade ambiental”, divulga a UNICRE. Os cartões produzidos a partir de PVC degradável mantêm as mesmas caraterísticas dos cartões feitos em PVC tradicional (incluindo a durabilidade de cinco anos), mas agregam um conjunto de componentes que lhes permite uma aceleração do processo de decomposição e, consequentemente, um menor impacto ambiental. Para além disso, o PVC degradável pode ser reciclado e reutilizado na produção de energia, adianta a empresa. Como sublinha Marília Araújo, trata-se de “um avanço naquilo que é a crescente tendência de utilização de cartões produzidos a partir de matérias-primas amigas do ambiente”.
Avançamos na crescente tendência de utilização de cartões produzidos a partir de matérias-primas amigas do ambiente
UNIBANCO
App estão na vanguarda
Com a desmaterialização dos meios de pagamento em curso, a transição dar-se-á para as aplicações? As apps são cada vez mais utilizadas em todo o mundo e a verdade é que, como comenta João Barros, “hoje em dia qualquer serviço está disponível numa aplicação”. Mas, acrescenta, “o desafio é desenvolver uma única aplicação na qual é possível realizar um conjunto diversificado de operações”. A ‘QUI’ foi criada pela PAGAQUI com esse objetivo e dispõe de uma série de funcionalidades que têm como objetivo “facilitar a vida aos seus utilizadores, sendo a componente do pagamento a menos importante”.
A utilização de aplicações para realizar grande parte das transações “é já uma realidade” para muitos consumidores, tendo em conta que existem apps criadas especificamente para fazer pagamentos, e apps das marcas e produtos que permitem realizar pagamentos, como recorda o CEO da easypay.
Com a “significativa” taxa de penetração que os dispositivos móveis têm em Portugal, “é natural que as pessoas recorram às aplicações móveis para facilitar as suas tarefas diárias. Os pagamentos são, sem dúvida, uma destas tarefas, já que agora as pessoas têm a opção de pagar as suas compras com um simples toque num ecrã”, nota, por sua vez, a Visa. A empresa “tem estado na vanguarda desta tecnologia”, afirma Paula Antunes da Costa, garantindo que as transações são feitas “com a máxima segurança, com o auxílio de ferramentas como o Visa Token Service, que protege as informações do titular do cartão com um identificador digital único”.
Numa indústria em rápida evolução, no entender de Filipe Moura a próxima transição deverá ser para algum dispositivo que esteja sempre associado à pessoa e em que a segurança seja implícita, mas sem dar trabalho ao utilizador. Talvez seja por apps, mas talvez seja por equipamentos que tenham face recognition”, reconhece: tal como “um lojista olha para uma pessoa e sabe que a sua compra deve ser paga por ela, tendo um computador a fazer o mesmo [através de uma base de dados que regista o reconhecimento facial], este vai identificar-nos pela face e proceder ao débito na conta bancária da pessoa. Na China, já existe esta realidade nalgumas lojas”, conclui.
Nos pagamentos digitais destacam-se em primeiro lugar os pagamentos por homebanking, e, em segundo, os pagamentos mobile com MB WAY
IFTHENPAY
Desde que seja de forma segura, “pensar a tecnologia a partir da forma natural do utilizador”, significa evolução. Como defende o co-founder da IFTHENPAY, “com face recognition a funcionar bem, a identificação é automática e o débito também será. Sendo seguro, será melhor”.
O que significará, portanto, viver numa sociedade sem cartões de pagamento? De momento, e segundo o CEO da easypay, significa que “já evoluímos tanto que qualquer impressão digital nossa ou reconhecimento facial serve para confirmar” que somos realmente nós que estamos a fazer um pagamento. Sebastião Lancastre não desiste do sonho de, um dia, entrar num café e poder dizer: “Ó Siri, paga lá o café aqui ao senhor Zé”. E a Siri “sabe qual o café em que estou, o preço a pagar, a conta bancária onde debitar, e faz a transação”. A experiência diz-lhe que “já existe tecnologia para isso, mas o mercado consumidor ainda não está preparado”.
Contudo, “episódios como a covid-19 obrigam a transformar-nos”. E, face a este evento, “a easypay sentiu uma necessidade urgente de as empresas se transformarem porque o consumidor assim o exigiu”. Desta forma, se a tecnologia já existe, mas ainda não conseguiu mudar a atitude e comportamento do consumidor, “agora é ele que fica desconfortável em colocar o dedo no POS para colocar o pin, deixar que lhe toquem no cartão, etc.”, conclui Sebastião Lancastre.
Para quem, e em resumo, uma sociedade sem cartões físicos é uma sociedade com muito mais eficiência (sustentável, diríamos) nos pagamentos: sem necessidade de ter um elemento físico para identificar uma conta bancária e a pessoa, conhecer o número de contribuinte para emitir a fatura, etc.; com muito mais segurança (evoluindo para as autenticações com dados biométricos, impressão digital ou reconhecimento facial); e com muito mais conforto no processo de pagamento.
Também em resumo, para o CEO da PAGAQUI, “será uma sociedade 100% digital, adaptada aos novos hábitos e necessidades dos consumidores”. E “que assiste a uma desmaterialização progressiva dos meios de pagamento e se torna ao mesmo tempo cada vez mais responsável”.
A que distância estamos de uma indústria de pagamentos totalmente desmaterializada, é ainda uma incógnita. Mas grupos consolidados como a Mastercard e a Visa prognosticam que os cartões não serão eliminados do sistema de pagamento num futuro próximo. O que “é certamente verdade”, para a Visa, “é que os nossos hábitos de pagamento estão a mudar no sentido de uma abordagem mais digital ser agora o método preferido para milhões de consumidores”.
Em colaboração com a Revista Sustentável