Durante os primeiros meses do ano, como é tradicional na atividade retalhista, mais do que olhar para o que resta do ano, pois isso já foi feito antes de o ano começar, o tempo é de balanço. Com o fecho dos anos fiscais para a grande maioria das empresas, surge ao mesmo tempo um dos maiores bichos-papões do setor empresarial em geral, mas em particular, na sociedade portuguesa, do retalho. Falo, claro está, de uma única palavra: lucro.
O lucro está para a sociedade portuguesa, nomeadamente a elite política, como aquele bem que todos desejamos, mas que depois de o termos temos medo de mostrar na rua. Em Portugal, há uma aversão a empresas que conseguem ter mais benefícios que custos, como se fosse indesejado ou um erro de planeamento. Não estou a falar das desigualdades salariais ou da forma como o lucro é convertido depois para benefício de poucos, mas o lucro, por si só, não traz mal ao mundo, é, aliás, o motor que o faz movimentar-se para a frente.
À boleia da inflação, como era esperado, 2023 foi para uma boa parte das empresas um ano positivo. Os lucros foram, em alguns casos, expressivos, mas também os investimentos feitos em manter preços regulados para benefício do consumidor foram alvo de um esforço avultado. A avaliação tem de ser, se nos desligarmos de problemas setoriais, que os houve sempre, portanto, globalmente positiva.
Mas dispamos a “farda corporativa” e olhemos para a situação do país. Ignorando os completos falhanços de estratégia governativa que deixaram vários setores do país funcional completamente esvaziados e, no limite, sempre que Portugal tem um resultado positivo, ou ameaça tê-lo, e foram poucas vezes, olhamo-lo com desconfiança, como se houvesse erro de cálculo nas contas apresentadas.
Posto isto, agora que nos preparamos para uma mudança governativa, seja para manter a mesma força política ou arranjar uma nova conjugação de forças, Portugal precisa modernizar-se no que ao seu pensamento relativamente ao setor empresarial diz respeito. Normalizar o lucro, apertar a malha relativamente às discrepâncias salariais entre topo e base, ajudar a economia a robustecer-se e a oferecer melhores condições aos seus cidadãos deve ser um desígnio comum desejado por todos e para todos.
Que consigamos, nos anos que se preparam para vir, organizar melhor a nossa ideia de país para permitir o surgimento de empresas fortes, capazes de pensar e executar crescimento, capazes de rivalizar com as melhores do mundo. Que consigamos um país que sirva os seus habitantes, que seja capaz de os manter, sem discriminar, que seja capaz de respeitar os seus compromissos e estabelecer bases para um crescimento sustentado e sustentável, que dê lucro a todos e não só a alguns.