A lei confere ao titular de uma marca registada, o direito exclusivo de fruição desse sinal no comércio. A marca é um bem intangível que pode ser definida como o sinal que distingue um produto ou um serviço no comércio, permitindo, assim, a individualização desse produto ou serviço de outros da mesma espécie.
A concessão do direito exclusivo da marca confere ao titular do direito a possibilidade de impedir terceiros de, sem o seu consentimento, usarem um sinal idêntico ou semelhante ao seu em produtos ou serviços idênticos ou afins daqueles para os quais a marca foi registada no exercício de atividades económicas. A lei confere ainda ao titular de direito a possibilidade de mover uma ação civil ou criminal contra quem usurpar ou imitar a sua marca.
Com efeito, a marca tem uma função económica. Já desde o Antigo Egito, Grécia e Roma que as marcas comerciais desempenhavam um papel na vida comercial, marcando os oleiros frequentemente a sua cerâmica com sinais distintivos (designadas por “marcas de oleiro”). Onde quer que existam relíquias da vida romana, desde a Síria até à Bretanha, encontram-se nomes de fabricantes e de comerciantes, marcas pictóricas, marcas de origem local e cronogramas.
Atualmente, numa sociedade marcada pelo consumo desenfreado e pelo acesso rápido a todo o tipo de informação, as marcas com reputação e valor no mercado são, cada vez mais, alvo constante de imitação por terceiros. Os proveitos económicos da contrafação são colossais. Segundo informação que consta no website da Autoridade de Segurança Alimentar e Económica (ASAE), estima-se que o valor da contrafação global represente entre 5% e 7% do comércio mundial.
No ano transato, de acordo com o Relatório de Atividades do Grupo Anti Contrafação, no conjunto das suas ações de fiscalização, a ASAE, a Autoridade Tributária e Aduaneira, a Guarda Nacional Republicana, e a Polícia de Segurança Pública, entidades que integram o GAC, efetuaram a apreensão de 1 040 345 unidades de produtos contrafeitos ou pirateados (maioritariamente correspondentes a peças de vestuário, calçado, perfumes, cosméticos a acessórios).
A contrafação, ou seja, a comercialização de produtos com uma marca idêntica ou semelhante a uma marca registada de modo a induzir o consumidor em erro sobre a proveniência desse produto, continua a ser um tema que tem impacto no quotidiano de todos: desde o empresário de renome que vê a sua marca usurpada nas mãos de um consumidor incógnito e que é lesado no seu direito exclusivo, ao inspetor de alfândega que exerce as suas funções de controlo de fluxos de mercadoria, à cantora que vendia “réplicas originais” (citando a própria) e cujo assunto é ordem do dia.
Os dados apresentados de produtos contrafeitos são demonstrativos da falta de consciencialização da sociedade sobre as eventuais consequências por atos de apropriação indevida da propriedade intelectual e industrial de terceiros.
Apesar da proteção jurídica, conferida por lei, aos titulares de bens intangíveis de índole intelectual, há uma sensação de impunidade, como se tais atos não configurassem ilícitos puníveis criminalmente (note-se que o crime de contrafação pode ser punível até 3 anos de prisão).
Os próprios conteúdos audiovisuais que consumimos levam-nos a crer que é “usual” a compra de produtos contrafeitos, como se vê na atitude de deslumbramento da personagem Samantha Jones, na obra audiovisual Sex and the City, ao se deparar com a venda de carteiras de marcas de “luxo” falsificadas.
A célebre expressão de Voltaire de que “a originalidade não é mais do que uma imitação criteriosa”, parece ser hoje o mote para os contrafatores.
Não obstante, como o desconhecimento da lei não aproveita a ninguém, as autoridades competentes europeias têm unido esforços no combate à contrafação. Neste contexto, surgiu em 2019 a plataforma “IP Enforcement Portal”, uma ferramenta eletrónica gratuita, interativa, multilingue e segura para questões de enforcement de direitos de propriedade intelectual, concebida pelo Instituto Europeu da Propriedade Intelectual (e apoiada pela Comissão Europeia).
O IP Enforcement Portal permite que todos os titulares ou representantes de titulares de direitos de propriedade industrial, forças de segurança dos 27 Estados-Membros com poderes para atuar nesta matéria e a Comissão da União Europeia e as suas delegações acedam e partilhem informação sobre os produtos.
Adicionalmente, a plataforma permite, desde dezembro de 2021, que sejam apresentados pedidos de intervenção aduaneira (AFA – Application For Action) a qualquer um dos departamentos aduaneiros competentes dos Estados-Membros e esses pedidos sejam geridos e arquivados através do portal.
Após entrada do pedido no sistema, cada serviço aduaneiro competente, designado pelo Estado-Membro, deverá atuar em nome do titular do direito, apresentando um pedido de intervenção das alfândegas de modo a impedir que as mercadorias suspeitas circulem no mercado.
Assim, a utilização desta ferramenta pelos titulares de direitos, e pelas autoridades competentes, permite:
- A sua cooperação de forma a exporem, de forma célere, as questões sobre a autenticidade dos produtos eventualmente contrafeitos;
- O envio de alertas às alfândegas e à polícia sobre as novas tendências ou casos de infração, incluindo diretamente o link da página Web que comercialize eventuais produtos contrafeitos;
- Comunicar sobre as detenções efetuadas.
Em suma, o objetivo da plataforma é tornar mais fácil às autoridades identificarem as contrafações e atuarem de forma rápida e eficaz.
Face ao exposto, cremos que o portal é uma ferramenta importante na defesa dos direitos de propriedade intelectual, incluindo o direito das marcas, e os titulares de direitos de propriedade intelectual que ainda não começaram a fazer uso da mesma (nomeadamente para registar informações relacionadas com os seus direitos junto das autoridades responsáveis) deverão considerar seriamente a possibilidade de o fazer no decurso do ano de 2023.