Há uma crescente consciencialização para o biológico. Este movimento pode ter começado nos produtos alimentares, mas já se alastrou para outras áreas. E nos últimos muito se tem falado nos vinhos biológicos. Mas será esta tendência apenas uma moda ou o aparecimento de um novo segmento de mercado? Terão os consumidores informações suficientes para perceber as implicações de produzir um vinho biológico? E capacidade económica para pagar o diferencial face ao vinho “normal”?
Branco, tinto, rosé, espumante, colheita tardia, moscatel… estes são talvez os tipos de vinho mais conhecidos. Mas não são os únicos. Nos últimos tempos tem surgido uma nova designação: vinhos biológicos. A ideia, como refere Alexandre Gomes, proprietário da A&D Wines, é a de ”produzir vinhos feitos a partir exclusivamente das uvas produzidas pela empresa, num espírito de intervenção mínima e integração das vinhas no ecossistema envolvente”.
Vasco Silva Reis, diretor-adjunto comercial da Real Companhia Velha vai mais longe na explicação. “Na produção e numa perspetiva de proteção unicamente preventiva, os tratamentos da vinha ficam limitados à utilização de produtos de origem natural, o que implica uma abordagem mais cautelosa e com maior número de intervenções.”
Já no caso da Fundação Eugénio de Almeida (FEA), que detém a Adega Cartuxa, como refere Pedro Baptista, enólogo e membro do conselho executivo, a produção de vinho biológico surgiu, na FEA, de uma forma absolutamente natural como consequência da reconversão de uma parte da produção de uva para modo de produção biológico, sendo que “a produção de uva biológica continua a crescer em cada ano na FEA, associando ainda práticas de Agricultura Biodinâmica”.
Sobre o vinho biológico Pedro Baptista refere que a sua produção “implica, principalmente, um maior conhecimento das plantas, do seu ciclo, do ambiente em que estão inseridas”. O que obriga a uma procura constante de um maior equilíbrio natural na cultura, potenciando as suas defesas naturais.
Esta estratégia, ou visão abrangente da produção do vinho tem um impacto financeiro. Como refere o executivo da Real Companhia Velha, “tal prática acarreta mais custos em virtude da assiduidade dos tratamentos e pelo incremento de mão de obra necessária para os executar. Acresce ainda o facto que um granjeio de vinha em modo biológico fomenta a biodiversidade na própria vinha (fator benéfico) porém, pelo facto de haver mais flora à volta das cepas provoca uma diminuição do vigor da planta, por força da competição gerada no consumo de água e nutrientes do solo, e consequentemente uma diminuição ao nível da produção de uvas.” Opinião partilhada por Alexandre Gomes, que afirma que “em termos de custo médio por litro de vinho, os vinhos biológicos são, sem dúvida, mais caros”.
Filipa Almeida, key account manager da PMC Wine & Food tem uma opinião diferente. Para esta executive está provado que “não existe um aumento dramático do custo de produção”. Filipa vai mesmo mais longe e afirma que “as produtividades se mantêm e o custo do produto final de um vinho bio está hoje ao nível dos vinhos de gama média”. É por isso que refere que, na PMC Wine & Food terem mudado para bio, implicou apenas uma “transformação das operações, passando do químico para o mecânico”.
Opinião em parte partilhada por Pedro Baptista. Para o enólogo não se trata tanto de uma questão de investimento (dado que as diferenças não têm significado), mas sim de um controlo da cultura, obrigando “de forma similar aos modos de produção mais ‘tradicionais’, um parque de máquinas e equipamentos adequado à dimensão da exploração, assim como a disponibilidade de mão-de-obra suficiente”.
Mais do que “tratar” da vinha o mudar o conceito para uma produção biológica implica mudar a forma como se vêm e tratam as coisas, nomeadamente “implica formar as pessoas para as práticas associadas a este modo de produção e cultivar uma filosofia de prevenção e de acompanhamento sistemático do sistema imunitário das vinhas”, refere Alexandre Gomes. Opinião compartilhada por Filipa Almeida que afirma que o “grande desafio está talvez na consciencialização das equipas que têm de interiorizar, de forma muito rigorosa, que não pode haver qualquer utilização química na vinha ou no processo de produção”.
Também os consumidores terão de mudar
Mas não basta que a mudança ocorra nos produtores. Tão ou mais importante é que os consumidores percebam que mudanças são essas e as valorizem no sentido de comportarem o valor associado. E a perceção é a de que há cada vez mais consumidores conscientes. Filipa Almeida acredita que, hoje, é apenas uma parte do público, no entanto, acredita que há uma tendência de aumento, impulsionado pela “desmistificação que muitas marcas já fazem em relação a estes métodos de produção e à qualidade dos vinhos”.
Para Alexandre Gomes esta tendência é facilmente comprovada “nas prateleiras de garrafeiras e supermercados”. Aliás, como refere Filipa Almeida já há seções nas grandes superfícies dedicadas aos vinhos biológicos. “A verdade é que a oferta desta gama e o espaço no linear que ocupa são cada vez maiores”, acrescenta, apontando o facto de o preço começar a ficar alinhado com os outros vinhos de gama média, fazer com que já não se trata de um produto apenas de garrafeira. Já Pedro Baptista afirma, sem qualquer dúvida, que “sim”. “A difusão dos produtos biológicos e a qualidade que os vinhos biológicos apresentam na atualidade fazem deles um produto que pode ser partilhado em qualquer canal de distribuição. O crescente interesse do consumidor faz com que ele esteja disponível, obrigatoriamente em cada vez mais locais”, justifica.
As grandes superfícies já começam a prestar atenção a esta tendência e a disponibilizarem espaço nos seis lineares para os vinhos biológicos. Mas trata-se de uma moda ou de um movimento que veio para ficar? Não há uma resposta única, mas o executivo da A&D Wines alerta para o facto de a quantidade de vinho biológico produzido na Europa e no resto do mundo ainda ser uma pequena parte do total de vinho produzido. “Não sabemos se o vinho biológico será o futuro, no sentido de vir a superar em quantidade o vinho não biológico, mas sabemos que há futuro para o vinho biológico”. Pedro Baptista por seu lado acredita que a produção de vinho vai continuar a evoluir associado a processos produtivos cada vez mais naturais, mais respeitadores do ambiente, onde se incluem os vinhos biológicos. “A certificação biológica desses vinhos constitui a garantia do seu processo produtivo.”
Filipa Almeida considera que será o consumidor a mandar e que “os produtores de vinho deviam ouvir cada vez mais o mercado”. Mesmo porque “há modas” e o “bio está na moda”. o problema para a executiva está no facto de “muitos produtores acabam por ir atrás, sem uma estratégia bem definida, o que se pode tornar um problema posterior”. A executiva considera “sensato e normal” que para os produtores com produtores com essa capacidade a “sustentabilidade e enologia biológica sejam uma opção a curto/médio prazo”.
Mais do que o preço (que é importante) Vasco Silva Reis coloca outro argumento (ou incógnita) na equação. É que, lembra, o vinho biológico (a sua produção e custos associados) varia de região para região, pois “as condições climáticas de cada uma será fator determinante na facilidade ou dificuldade de implementar práticas de agricultura biológica”. O que leva a empresa a defender a prática de viticultura de sustentabilidade pro-orgânica. Algo que Vasco Silva Reis acredita ser um processo irreversível e que progressivamente se vai aproximando da prática integralmente biológica. De salientar, no entanto, que a Real Companhia Velha não se fica por aqui. A empresa está a trabalhar “afincadamente para encontrar soluções alternativas à utilização de sulfitos (antioxidantes) nos vinhos, que na nossa ótica, é uma questão tão ou mais importante do que a produção biológica”.
O vinho biológico veio para ficar. Os consumidores estão mais conscientes e exigentes em relação ao que consome. E isso nota-se no linear da distribuição. O que antes era algo exclusivo das garrafeiras começa a ganhar espaço nos super e hipermercados. O que não significa que o vinho “normal” vá desaparecer. não só porque a produção de vinho biológico ainda é reduzida e não se adapta a todas as regiões vitivinícolas, mas também, como lembra, Filipa Almeida, Portugal tem (felizmente) um mercado muito heterogéneo, na oferta e na procura. “Nem todos querem vinhos complexos do Douro ou Alentejo, também se procuram outras regiões vínicas (e temos tantas e tão boas!), e nem todos procuram vinhos Reserva ou brancos leves para tomar à beira da piscina.”
Ribafreixa aposta no vinho vegan
Há uma outra alternativa aos vinhos biológicos. Os vinhos vegan. A Ribafreixo é um dos produtores que optou por esta opção. Em que consiste? Simplesmente na não utilização de qualquer componente animal na produção dos vinhos.
Tudo começou há cerca de cinco anos, nos Estados Unidos, quando se detetou vinhos com um símbolo novo: vinho vegan. Depois de uma pesquisa a Ribafreixo descobriu que tinha tudo menos a certificação. Em termos técnicos significa que a clarificação do vinho (a separação da parte líquida da parte sólida) não é feita através de gelatina animal ou clara de ovo (como é habitual). Ou seja, são utilizados elementos alternativos, de origem mineral ou vegetal, que fazem exatamente a mesma função.
Sendo que biológico e vegan não são antagónicos. Pelo contrário. Podem ser complementares. Como referiu a Ribafreixo na impossibilidade do biológico optou-se por uma produção integrada com cuidados extra na produção do vinho.
Depois de devidamente auditados pela Vegan Society a companhia obteve, em 2016, a certificação. Embora recente os efeitos são notórios. A Ribafreixo revelou que quase todas as semanas recebe contactos de restaurantes vegans. Porque há uma procura crescente por este tipo de produtos.
Os contactos (principalmente a nível internacional) levaram a Ribafreixo a considerar que a certificação é um fator diferencial. O que inicialmente era apenas para ser colocado no contrarrótulo é hoje uma parte essencial da comunicação.
Conhecer para fazer escolha consciente
Jean Hervé, produtor francês do champagne Jacquesson, não tem dúvidas. O futuro está no vinho biológico. Em França, por exemplo, os supermercados já aderiram e dão cada vez mais espaço a este tipo de vinho.
No entanto há questões que poderão ser incontornáveis. Diga-se, nem todas as regiões são passíveis de serem utilizadas na produção de vinho biológico. E alerta que passar de uma vinicultura “normal” para uma biológica é mais do que passar do preto para o branco. “A vida é mais complicada do que isso”. E o míldio pode ser um entrave à produção de vinho biológico. Porque pode acontecer, volta e meia, que se perca toda a produção. Os produtores que não estejam capacitados para esta possível situação podem ter o seu negócio em risco.
Mas isto é algo que não ocorre em todo o lado. Jean Hervé recorda um amigo produtor na Córsega que não tem esse problema.
A produção de vinho biológico é um processo contínuo e muito exigente. Onde a certificação tem todo sentido. E basta falhar um ano ou uma fase do processo para tudo começar do zero.
E depois há ainda a questão da produção biodinâmica. O recurso à própria natureza para combater os potenciais malefícios que possam causar dano à vinha. Algo usado em tempos idos e que está de regresso. No entanto Jean Hervé não apoia os produtores que “adicionam coisas” no início da produção do vinho com o intuito de o tornar “mais natural”. É o fazer o vinho na vinha e não na adega (diga-se, com a adição de materiais não naturais). Basicamente é apostar na qualidade da matéria-prima.
Já em relação aos chamados vinhos naturais Jean Hervé não concorda com a denominação, porque o vinho é feito não naturalmente, mas através de um processo encetado pelo homem. De forma provocatória Jean Hervé refere que quem quiser fazer vinho natural, deve parar de fazer vinho.
É certo que o consumidor está mais sensível para as questões da sustentabilidade. No entanto, Jean Hervé acredita que ainda não sabem o suficiente, para distinguir os tipos de vinho (biológico e orgânico, por exemplo) e fazerem uma escolha consciente. Em Portugal isso é notório quando a maioria das compras ainda é feita em função do preço.