Marco Gil, fotógrafo e cronista, escreveu um artigo, em 2016, com o título “Dificilmente voltarei a gostar do Natal”, que continha a seguinte passagem: “Hoje não gosto do Natal, da correria, da preocupação, do enredo à volta de um presente, da ostentação, de quem vai dar ou receber o melhor, da pressa levada às lojas, do consumismo louco e sem regras. […] As prendas já não têm horário para serem abertas, têm é que existir — e se forem mais melhor. Até já se perdeu a piada de se receber aquele par de meias num embrulho maior que elas.”
Para o autor o Natal verdadeiro será sempre o Natal da sua infância, passada na casa dos avós com “uma mesa cheia, de pessoas e comida, de gargalhadas”.
A maioria de nós associa o Natal à família, à infância, à “terra”, a presentes e a comida. Para mim era ir em criança à casa de cada uma das minhas avós em Vizela (ambos os meus avôs morreram novos), comer bolinhol e ver toda a família, incluindo os tios emigrados em França.
Parece ser assim com a maioria dos europeus. Dos 461 euros que, em média, as famílias europeias estimam gastar nesta quadra natalícia (387 em Portugal), 193 (159) destinam-se a presentes, 131 (107) a comida, 86 (81) a viagens e 51 (40) a outros eventos como concertos ou outros espetáculos.
Estes valores foram apurados no Estudo do Natal deste ano, um estudo que a Deloitte conduz há 22 anos consecutivos para analisar as expetativas, atitudes e comportamentos dos consumidores europeus imediatamente antes da quadra natalícia. A edição deste ano abrangeu 8 países (Alemanha, Holanda, Espanha, Itália, Polónia, Portugal, Reino Unido e Rússia) e contou com a participação de 7.190 inquiridos, dos quais 786 residentes em Portugal.
Outra conclusão do estudo é que Portugal volta a ser o país mais otimista dos inquiridos, com 72% dos inquiridos a classificar a nossa situação económica como estável ou em crescimento e 77% com uma perceção neutra ou favorável à evolução do seu poder de compra. Já fomos dos mais pessimistas, principalmente até 2012, mas vimos ficando cada vez mais confiantes no futuro desde então.
Notamos também que esse aumento de confiança não se traduz necessariamente em mais ou maiores atos de consumo, pelo menos durante a quadra natalícia. Utilizando o ano de 2009 como base de comparação para dois dos indicadores medidos no estudo – perceção do poder de compra e consumo esperado na quadra natalícia – observamos que, depois de um período em que ambos evoluem de forma quase síncrona, a partir de 2013 parece desaparecer qualquer possível correlação entre a forma como é avaliado o poder de compra das famílias e a disponibilidade para o consumo durante a quadra festiva.
O nível estimado de gasto durante a quadra natalícia mantém-se mesmo estável nos últimos 5 anos em valores inferiores a metade do que se observava em 2009.
O que mudou então?
Poderá a crise financeira de 2010 a 2014 ter mudado estruturalmente os hábitos de consumo, tornando-nos mais ponderados e menos impulsivos?
Poderá a nossa cultura de consumo estar a mudar em direção a práticas mais sustentáveis e menos consumidoras dos recursos finitos do planeta?
Ou poderá simplesmente o consumo ter-se transferido para outros momentos no ano, atraído pela promessa de saldos e promoções?
Qualquer que seja a causa, parece claro que o Natal será sempre algo mais que apenas a correria aos centros comerciais, a ida ao circo ou a fila para comprar o bolo-rei.
Mais do que o que fazemos, é com quem o faremos: com os pais, os filhos ou os avós; com os primos e os tios emigrados; com os amigos que se vê uma vez por ano e que te recebem como se te tivessem visto ontem.
Por todos eles vale a pena gostar do Natal.