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Retalho

“Esta pandemia fez com que muitas pessoas experimentassem, pela primeira vez, uma compra online”

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Tiago Oom, diretor da REDUNIQ

Tiago Oom, diretor da REDUNIQ

Com fim do confinamento, começam-se a fazer as contas e a desenhar algumas tendências que poderão desenhar o futuro. Com o e-commerce a ganhar protagonismo, o diretor da REDUNIQ, Tiago Oom, acredita que o contacless e cashless também ganharão protagonismo.

Os relatórios do REDUNIQ Insights indicaram, durante algum tempo, uma realidade “anormal”. Com o confinamento, o comércio digital disparou, assim como a adesão a métodos de pagamento já existentes, mas, até aqui, pouco explorados. A verdade é que este “novo normal” pode ser o “kick-off” para todos os agentes modernizarem os métodos e formas de pagamento.

Com a passagem do Estado de Emergência (EE) a Estado de Calamidade (EC) e consequente desconfinamento, registou-se um aumento das transações. Olhando para o panorama global, comparado com a mesma realidade de 2019, que análise poderá ser feita deste período COVID-19?

 

Face a 2019 podemos notar que o e-commerce e o contactless cresceram bastante, superando em larga escala os números de 2019.

No primeiro caso, comparando abril de 2020 com o período homólogo, as vendas online em lojas de retalho registaram um aumento de 241% na faturação, e um aumento de 25% no ticket médio (passando de 90,24€ para 112,73€). Acreditamos que esta evolução é o reflexo de dois fenómenos que se têm manifestado junto dos comerciantes e com próprios consumidores: em primeiro lugar, os negócios reinventaram-se e passaram de negócios físicos a negócios online, tendo havido um crescimento de 333% entre os dias 13 de março e 25 de abril, comparando ao período homólogo; depois, porque os consumidores começaram a gastar mais em cada compra que efetuavam no online, tendo o ticket médio alcançado quase 105€, também entre 13 de março e 25 de abril deste ano, enquanto que no mesmo período de 2019 esse valor estava nos 72,74€.

 

Já em relação ao contactless, este teve um aumento histórico de 157% em abril de 2020, face ao período homólogo.

A facilidade, segurança e transparência da digitalização dos pagamentos é incontornável

O consumidor português alterou, de facto, os seus hábitos ou será uma fase passageira que, com o desconfinamento, voltará ao normal pré-COVID-19?

 

Estamos seguros que alterou. Após o final do Estado de Emergência, assistimos a um breve desacelerar de compras via e-commerce, que nos parece natural, dado que as pessoas já podem ir às lojas. Não obstante desse facto, estamos acima dos dados de 2019, o que mostra que este hábito de consumo se está a enraizar junto dos consumidores.

E o destaque vai para o retalho

 

Quais foram os negócios/atividades em maior destaque, tanto pela positiva como pela negativa?

Durante o Estado de Emergência, assistimos a impactos bastante distinto entre setores, em torno de 3 grupos, sendo o primeiro os que evidenciaram uma expressiva resiliência (Retalho Alimentar Tradicional, Hiper & Supermercados, Farmácias, e Eletrodomésticos & Tecnologia), os setores que, ainda que impactados por quebras de consumo, apresentaram reduções contidas face ao contexto (Combustíveis, Acessórios Automóveis e Oficinas) e, finalmente, os que praticamente deixaram de faturar (Papelarias, Livrarias e Tabacarias, Saúde, Restauração, Hotelaria & Atividades Turísticas, Moda, e Perfumarias).

No momento inicial de desconfinamento, é de realçar o aumento do volume nos cabeleireiros. Na primeira semana de desconfinamento este setor registou um aumento da faturação de 1039%, estando agora a estabilizar a sua atividade (atualmente com 106% do total faturado no período pré-pandemia, mostrando a sua capacidade de recuperação). Já na semana passada a restauração foi a grande destacada, registando mais 65% de estabelecimentos abertos e 54% de faturação global.

No caso da saúde e das papelarias e tabacarias, estas têm evidenciado uma contínua capacidade de recuperação (mais 54 e 44 pontos percentuais, respetivamente, em relação à última semana do Estado de Emergência), que prevemos que se prolongue no futuro próximo, sobretudo no caso da saúde. Por outro lado, a cosmética e as perfumarias, demonstraram uma menor capacidade de recuperação, tendo estagnado num nível que equivale a uma perda de 75% face ao período pré COVID-19.

Que análise fazem do número de transações realizadas durante o Estado de Emergência e que levou a que as compras tivessem uma forte componente online?

Analisando a realidade do e-commerce, em abril registámos um aumento de 30% no ticket médio, ou seja, do valor médio gasto por compra, face ao período homólogo (passando de 74,89€ para 96,67€).

Na semana de 22 de março, acreditamos que perante a perspetiva de que os tempos de confinamento seriam longos, e pelo facto de muitos pontos de venda estarem fechados, os consumidores começaram a aumentar expressivamente o recurso ao online (para construir stocks de produtos alimentares e adquirir equipamentos tecnológicos e eletrodomésticos).

Certamente que esta pandemia fez com que muitas pessoas experimentassem, pela primeira vez, uma compra online, e tendo sido esta uma experiência positiva após perceber os benefícios desta experiência, muitos dos consumidores passarão a adotar este método para muitas das compras que, até aqui, eram físicas. 

Conseguem fazer uma extração dessas transações por tipologia de loja (supermercado, hipermercado, loja de proximidade/bairro)? Onde é que o crescimento foi, na realidade, sabendo-se que no e-commerce a base era muito baixa?

Como podemos analisar nos nossos relatórios do REDUNIQ Insights, o retalho alimentar tradicional (onde estão incluídos estabelecimentos de bairro), registou um forte crescimento das suas vendas após o decreto do primeiro Estado de Emergência em Portugal, com uma subida de 44,8% face ao período pré-pandemia, tendo-se mantido sempre uma performance acima dos níveis habituais durante todo o período de confinamento obrigatório. Acreditamos que o facto é justificado pela preferência dos consumidores a negócios de proximidade durante o confinamento, por serem estabelecimentos com menos afluência.

Qual foi o ticket médio durante os 3 períodos de Estado de Emergência? Este sofreu alterações ao longo da sua vigência?

No cômputo geral houve um aumento do ticket médio em mais de 25%, tendo atingindo os 41,34€ no final de março (mantendo-se atualmente em valores superiores aos observados antes do Estado de Emergência). Em alguns setores específicos, como é o caso dos Hiper & Supermercados e no Retalho Alimentar Tradicional, o ticket médio atingiu o seu valor máximo (44,70€ e 27,72€, respetivamente) na semana de 5 a 11 de abril, correspondendo a um crescimento de 61% e 50% face à primeira semana de março. No caso dos Hiper & Supermercados, grande parte do crescimento da faturação é ditada por um aumento do ticket médio.

O caminho de adoção do contactless já foi iniciado

Com o desconfinamento e abertura da atividade do comércio, qual a vossa perceção relativamente aos próximos tempos?

Acredito que os próximos tempos sejam de regresso, com alguma calma, à normalidade. No que toca a bens essenciais, julgo que assistiremos a uma estabilização do ticket médio por cliente, que apresenta um decréscimo face ao período de Estado de Emergência, na medida em que a necessidade de acumulação de stocks poderá ser refreada. Quanto aos restantes setores, na sua grande maioria, acreditamos que assistirão a um crescimento gradual, fruto do retomar da confiança na segurança dos negócios e na economia em geral. O setor que acreditamos que possa vir a sentir mais tardiamente esta tendência de recuperação será o turismo. Embora haja muitos portugueses a fazer férias no nosso país, e ainda bem, esse aumento poderá não fazer face ao turismo que temos vindo a receber nos últimos anos, e para o qual o setor estava preparado.

Cada vez mais “less”

O facto de os portugueses terem aderido aos pagamentos via cartão faz crer que caminharemos mais rapidamente para o cashless?

Sem dúvida que sim. Os pagamentos por cartão, smartphone ou wearable são uma solução mais cómoda e segura de pagar. Também para os negócios a utilização de cartão é mais positiva, evitando manuseamento de dinheiro, erros em trocos ou mesmo roubos.

Esta vertente cashless significa, igualmente, que o consumidor português está também contactless ou isso é pedir demais tão rapidamente?

Acreditamos que sim, e que o caminho de adoção do contactless já foi iniciado. Atualmente este método de pagamento representa mais de 23% da faturação da REDUNIQ em lojas físicas e acreditamos que a tendência será para crescer de forma contínua, sendo um dos métodos mais seguros, simples e rápidos de pagamentos, para comerciantes ou clientes finais.

E as transações de estrangeiros em Portugal, que diferenças foi possível identificar? Foi, de facto, aqui que houve a maior descida?

De facto, a queda de transações de cartões estrangeiros foi enorme – o consumo por cartões estrangeiros desapareceu de forma quase integral após o Estado de Emergência (chegando a cair cerca de 85% face a período pré-COVID). Neste momento, mantemos uma queda de cerca de 75%, e acreditamos que na sua maioria sejam estrangeiros residentes.

O online registou uma “explosão”. Contudo, os dados também mostram que o comércio de proximidade foi um dos “vencedores” da realidade vivida depois do dia 18 de março de 2020. Com o desconfinamento e a abertura gradual dos comércios, poder-se-á ver um maior crescimento do local vs online?

Na verdade, acredito que estes dois hábitos de consumo não são mutuamente exclusivos. Podemos manter um crescimento do online, que se mostra uma tendência de crescimento que temos vindo a acompanhar, mesmo antes desta pandemia, eventualmente até em substituição do consumo em grandes superfícies comerciais, mas nas suas compras do dia a dia os consumidores poderão manter a sua escolha do comércio de proximidade e, deste modo, continuarmos a assistir a um crescimento destas duas formas de consumo.

Esta realidade vivida com a COVID-19 poderá ser o “kick-off” para todos os agentes modernizarem os métodos e formas de pagamento?

Acreditamos que sim. A facilidade, segurança e transparência da digitalização dos pagamentos é incontornável. Não só os negócios se aperceberam que através do pagamento por cartão, especialmente por contactless em transações de mais baixo valor (o contactless, neste momento, aceita pagamentos até 50€ sem necessidade de introdução de PIN) as compras são mais rápidas, como também se evita a acumulação de filas, e a própria gestão do negócio passa a ser mais simples.

Fala-se muito da possibilidade de uma 2.ª vaga do surto para o final do ano. Que preparação poderá ser feita em termos de transações e pagamentos?

Não só a manutenção do contactless nos negócios e o reforço da utilização do mesmo pode ser uma forma de evitar o contágio, como a maioria dos negócios pode aceitar pagamentos online, preparando-se para a eventualidade dos consumidores voltarem a evitar sair de casa.

*Artigo publicado originalmente na edição de junho da revista DISTRIBUIÇÃO HOJE

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