Terminada há cerca de nove meses, deixámos passar um período de reflexão e análise para sabermos o que pensam os responsáveis da Alimentaria Espanha relativamente ao evento realizado em Portugal e como olham para ele, sabendo-se, à partida, que, no futuro, deixará de usar o nome Alimentaria. Antonio Valls, responde nas vésperas da apresentação oficial da Alimentaria Barcelona.
É considerada, pela organização em Portugal, como a maior plataforma de negócios para os setores da Alimentação, Distribuição e Hotelaria no país. 15 edições depois da primeira Alimentaria, sabe-se que o nome deixará de ser utilizado pela Fundação AIP. Em 2021 surgirá uma nova feira, reinventada e renovada, segundo palavras dos responsáveis portugueses. Até lá e a meio caminho da Alimentaria Barcelona, quisemos saber junto do responsável máximo pelo evento, o que ficou desta parceria e como olham, daqui em diante para o mercado português. Tem a palavra Antonio Valls, diretor-geral da Alimentaria a nível mundial.
Terminada a Alimentaria&Horexpo Lisboa 2019 e passados estes meses, que balanço consegue fazer do evento realizado em terras portuguesas?
O evento reafirmou-se como a maior feira que se celebra em Portugal com foco na alimentação, restauração e hotelaria, como, também, a que melhor responde aos interesses e necessidades das diferentes áreas dos respetivos setores.
Participaram cerca de 800 expositores, entre participações diretas e agrupadas, representando mais de 2.400 marcas. Valorizamos o facto de termos alcançado 38% de participações internacionais, com a presença destacada de países como Espanha, Itália, França, China, Brasil, Polónia, Alemanha, Áustria, Holanda, Perú, Suíça, Tailândia, Bélgica, Luxemburgo, México e Bulgária.
Além disso, estimamos que nesta edição tivemos cerca de 24.200 visitantes, o que representa 5% mais que em 2017, procedentes, principalmente, da distribuição alimentar e foodservice.
E agora Alimentaria Lisboa?
Tem-se falado de uma possível reorganização da parceria que liga a Alimentaria Exhibitions ao evento de Portugal. Do lado português foi confirmado que a organização parte, agora, para “a fase de encontrar uma nova denominação para um evento que é muito importante para Portugal”. Quais as principais razões para esta “separação”?
A nossa relação histórica com a FIL remonta a mais de 25 anos, com uma trajetória e um balanço mais do que positivo que reforçou os laços bilaterais entre Espanha e Portugal, permitindo a entrada de numerosas empresas espanholas em Portugal e a implementação de firmas portuguesas no mercado espanhol.
Como nos negócios, os mercados evoluem e devem adaptar-se às novas realidades. O quadro de relacionamento com a FIL deve, neste sentido, iniciar um processo de inflexão no qual ambas as organizações (Alimentaria Exhibitions e Feira Internacional de Lisboa) se sintam confortáveis dentro das suas organizações e possam garantir ao máximo os negócios dos seus clientes. Por isso, estamos imersos em explorar formas de adaptação ao momento atual que garantam a relacional ideal para o benefício da indústria de alimentar e, portanto, das respetivas empresas.
Falta menos meio ano para a Alimentaria Barcelona 2020. O que espera da participação portuguesa no evento?
Efetivamente, a próxima edição da Alimentaria decorrerá entre 20 e 23 de abril de 2020 na Fira de Barcelona, com novos conteúdos que visam potenciar o caráter empresarial, projetar a gastronomia como valor diferenciador, assim como mostrar as últimas tendências na produção e consumo alimentar e bebidas. Portugal é um dos mercados de proximidade preferencial para Espanha e oferece muitos produtos e serviços de qualidade que têm espaço destacado na Alimentaria. No total, estimamos que a participação portuguesa se traduza em cerca de 1.100 m2 de superfície de exposição.
Uma aposta transibérica
Nas últimas quatro edições, exceto em 2014, tem-se verificado um aumento da participação portuguesa no evento realizado em Barcelona. A que se deve este interesse das empresas portuguesas na Alimentaria Barcelona?
A participação de empresas portuguesas registou um aumento de dois dígitos nas últimas duas edições da feira. Na Alimentaria 2018, Portugal ocupou o terceiro lugar no ranking de países com maior número de metros quadrados de participação internacional (1.052 m2), somente atrás da Itália e China.
Logicamente, estamos muitos satisfeitos com a crescente participação de empresas portuguesas no evento, o que também é uma mostra evidente da força e potencial da indústria alimentar lusa, cuja oferta se foi sofisticando nos últimos anos, ao mesmo tempo que manteve um nível de preços muito competitivos. As empresas portuguesas comprovaram, edição após edição, que a sua presença na Alimentaria lhes traz notoriedade e, sobretudo, abre boas oportunidades de negócio e internacionalização.
Contudo, a Alimentaria Barcelona não recebe somente participação de empresas portuguesas produtoras/fabricantes. Também os retalhistas portugueses (Jerónimo Martins e Sonae), bem como filiais portuguesas do Intermarché e Mercadona (que abriu as primeiras lojas em Portugal em julho de 2019) visitam o evento? Naturalmente que o interesse de uns e outros é diferente, mas o que desperta o interesse dos retalhistas portugueses em visitar a Alimentaria Barcelona?
Portugal foi o terceiro país do mundo em número de visitantes internacionais na Alimentaria 2018, somente atrás de Itália e França. E, efetivamente, representantes de algumas das mais importantes companhias de distribuição em Portugal, como Jerónimo Martins, Sonae MC e filiais portuguesas do Intermarché, Mercadona e El Corte Inglés, também visitaram a Alimentaria 2018.
Detetámos que existem produtos espanhóis de certos nichos de mercado que estão a ter uma excelente receção no mercado português, como as carnes e enchidos, produtos gourmet e condimentos, especialmente, ervas e especiarias.
Mas os profissionais portugueses que visitam a Alimentaria não encontram somente oferta espanhola, mas uma grande variedade de países que estão no evento com a melhor produção dos seus respetivos territórios. Globalmente, como o resto dos visitantes internacionais que visitam a Alimentaria, procuram novas oportunidades de cooperação no mercado internacional e de novos lançamentos com os quais podem seduzir o mercado interno.
Em sua opinião, a participação das empresas produtoras/fabricantes portuguesas tem por objetivo o mercado espanhol ou a visita, dada a dimensão da feira, tem como alvo a exportação mais abrangente para países, inclusivamente, extra-comunitários?
Ambos os objetivos são possíveis e perfeitamente compatíveis, já que se 70% dos visitantes da Alimentaria são espanhóis, o resto provém de 156 países. Precisamente para promover as relações comerciais com profissionais internacionais, a Alimentaria pretende dar continuidade às 12.500 reuniões de negócios que se realizaram na Alimentaria y Hostelco 2018 entre os mais de 1.400 compradores-chave, importadores e distribuidores da Europa, Ásia, América Latina e EUA.
Para facilitar este objetivo, a feira contará, uma vez mais, com o programa Hosted Buyers, com o apoio da Federação Espanhola de Fabricantes Alimentares e Bebidas (FIAB), através do qual se convidam compradores-chave de 15 países estratégicos: além de Portugal, Itália, França, Alemanha, Reino Unido, Polónia, Marrocos, EUA, Canadá, México, Brasil, Argentina, Perú, China/Hong Kong e Japão.
As empresas produtoras/fabricantes portuguesas ao visitar a Alimentaria Barcelona deverão ter somente o mercado espanhol como alvo ou deverão pensar em fronteiras mais longínquas?
É claro que os expositores portugueses que visitam a Alimentaria sabem que, além de contar com visitantes espanhóis, terão acesso a milhares de profissionais de todo o mundo que têm um alto grau de decisão de compra dentro das suas organizações e vêm ao evento à procura de novas oportunidades de cooperação no mercado internacional e novos lançamentos para seduzir o seu mercado interno.
Para a edição de 2020 contará com a participação da Portugal Foods. Que importância tem esta participação e como é que ela poderá ser capitalizada pela indústria portuguesa?
A Portugal Foods tem um papel muito destacado na projeção dos produtos alimentares e bebidas portuguesas no mundo e em ter conseguido valorizar a sua grande qualidade, bem como o valor da sua tradição e as suas elevadas doses de inovação. Tal como nas edições anteriores, a sua presença na Alimentaria 2020 irá, sem dúvida, contribuir significativamente para consolidar e aumentar o seu prestígio e expansão internacional.
Nicho e de qualidade
A balança comercial entre Portugal e Espanha tem vindo a ser, nos últimos, sempre favorável a Espanha. A que se deve esta situação? Portugal simplesmente não tem os produtos que Espanha tem, a capacidade produtiva espanhola é maior, logo, o preço é mais convidativo?
É verdade que não é tão fácil para as empresas portuguesas venderem produtos alimentares e bebidas no mercado espanhol, muito devido à forte concorrência entre ambas as indústrias. Os produtos competem em qualidade e variedade com os que já existem em Espanha. Mas acho que o setor alimentar português não deve ser visto em termos de volume – já que Portugal é um país pequeno e 90% das empresas são pequenas ou micro -, mas deve focar-se na venda da excelente qualidade dos seus produtos e matérias-primas, além de preços muito competitivos.
Quais os produtos que as empresas produtoras/fabricantes portuguesas poderão ter mais facilidade em exportar para Espanha?
Considero que, por exemplo, os vinhos portugueses, devido à sua excelente qualidade e preços razoáveis, são altamente competitivos. Além disso, existem boas perspetivas para produtos destinados ao setor da restauração, produtos gourmet, conservas, laticínios e segmento de doces. De forma geral, estes são produtos delicatessen.
O consumidor espanhol tem interesse nos produtos portugueses?
A alimentação é uma das primeiras indústrias em Portugal e a sua gastronomia é reconhecida tanto em Espanha como internacionalmente pela qualidade da sua matéria-prima e pela criatividade dos seus grandes chefs. Como já avancei anteriormente, vinhos, doces, laticínios e conservas portuguesas gozam de boa aceitação no mercado espanhol.
Alimentação “tecnológica”
É responsável pela Alimentaria em todo o mundo. Que diferenças encontra entre os vários países onde organiza a feira e o que distingue esses mercados, bem como o tipo de abordagem que se deve ter?
A Alimentaria Exhibitions tem a sua origem e base em Barcelona e o que tentamos fazer, com considerável sucesso, é adaptar o modelo deste grande evento a outros mercados como Portugal, onde estamos há 20 anos, e México, no qual nos apresentamos há 14 anos e nos tornámos líderes, além de nos termos tornado numa feira de referência para a América Latina. Em ambos os casos, para a organização dos mesmos, temos parceiros locais que são especialistas conhecedores dos seus respetivos mercados, tais como a FIL, em Portugal, e a Antad, no México.
É comum neste tipo de eventos falar-se de inovação, tecnologia, hábitos de consumo e do consumidor. Quais foram as principais mudanças na última década?
A maneira de fabricar, transportar e consumir alimentos está a mudar radicalmente, especialmente, a partir do forte desenvolvimento da Internet das Coisas (IoT), da Inteligência Artificial e do Big Data. No caso da indústria alimentar, está a ocorrer uma revolução através da digitalização de processos que resultarão numa maior eficiência e flexibilidade no fabrico de alimentos (a chamada Indústria 4.0), as atividades relacionadas com a cadeia de valor e controlo da qualidade e segurança alimentar.
De facto, atualmente as novas tecnologias desempenham um papel decisivo no campo da alimentação, pois permitem produzir alimentos e bebidas que se adaptam à procura da sociedade da maneira mais segura. Assim, graças à tecnologia, a indústria aumentou a qualidade dos produtos, pode oferecer uma maior variedade de alimentos durante todo o ano, mesmo fora da estação, prolongar a vida útil e disponibilizá-los prontos para cozinhar ou consumir, fácil, cómodos e adaptados aos diferentes estilos de vida. Nesse sentido, fica evidente que o interesse dos consumidores em formatos de conveniência tem aumentado exponencialmente e, sobretudo, a sua preferência por produtos mais saudáveis e que respeitem o meio ambiente.
Quanto à distribuição, a mudança para o omnichannel tem sido decisiva para satisfazer esta nova procura.
Tudo isso junto com a imensa quantidade de informação disponível, fruto da digitalização, contribui para melhorar a tomada de decisão pelas equipas diretivas e de gestão, com um conhecimento como nunca antes se teve do consumidor, abrindo inúmeras oportunidades no campo da personalização de produtos e novas formas de interação.
As empresas têm vindo a dar as respostas adequadas a estes novos tempos e hábitos?
Para continuar a contar com a aceitação dos consumidores, a grande maioria das empresas tem-se esforçado para reinventar-se e adaptar não apenas a sua oferta, mas também processos, às mudanças vertiginosas do setor. Uma empresa que não segue nessa direção, dificilmente pode sobreviver no mercado.
Foco no consumidor
Cada vez mais são as questões ligadas à saúde e bem-estar, mas também sustentabilidade e ambiente que preocupam empresas e consumidores. Tem havido uma correlação entre todas estas questões? Ou seja, a indústria tem ouvido o consumidor?
Os principais drivers no alimentar e bebidas continuam a ser a saúde e a conveniência, seguidos pelo prazer. Assim, tudo indica que a alimentação saudável continuará a ganhar peso como o grande pilar da dinamização do grande consumo, com lineares cada vez mais verdes que marcam o status atual do setor. Nesse sentido, na Alimentaria trabalhamos com empresas, organizações e instituições para alinhar a cadeia alimentar com o compromisso de oferecer e promover uma alimentação mais saudável e acessível a todos.
Em paralelo, uma das características que definem cada vez mais os lançamentos do setor é a sua sofisticação: pratos preparados (conveniência) com ingredientes orgânicos (saúde), tabletes de chocolate com atributos de prazer, premium e ecológicos, refrigerantes (prazer) com adoçantes naturais (saúde) …
É o consumidor que dita hoje as regras?
Certamente. Os consumidores de hoje têm um papel fundamental e é impensável tomar decisões sem colocá-los no centro. Eles são os que ditam todas as tendências.
Novos compradores exigem às marcas que combinem inovação, solidariedade, responsabilidade social, tecnologia, comodidade e sustentabilidade, sem renunciar à tradição e à proximidade.
Seguir os interesses e as preferências dos consumidores com atenção e dar resposta o mais rápido possível é vital para o sucesso de qualquer projeto de negócios e, mais ainda, no setor alimentar e bebidas. Nenhum lançamento ou inovação pode funcionar sem dar prioridade à opinião do consumidor.
O consumidor está muito bem informado e mais exigente, embora esteja disposto a recompensar as marcas que demonstram valores semelhantes aos seus com a sua fidelidade.
Os avanços tecnológicos também têm sido um dos fatores que mais têm sido apontados à indústria agroalimentar. Também aqui, tem havido benefícios para o consumidor? Em que aspetos?
É muito importante que a sociedade conheça os benefícios do desenvolvimento da tecnologia alimentar, tanto na disponibilidade de bons alimentos como na saúde das pessoas, no meio ambiente e na economia. Ao longo da história, as inovações tecnológicas na indústria alimentar sempre tiveram um impacto positivo na sociedade. Atualmente, as novas tecnologias desempenham um papel decisivo no campo da alimentação, pois permitem produzir alimentos e bebidas que se adaptam à procura da sociedade da maneira mais segura. A tecnologia permite aumentar a qualidade dos nossos produtos, ter uma maior variedade de alimentos ao longo do ano, mesmo fora da época, prolongar a vida útil dos mesmos e prepará-los para cozinhar ou consumir, de maneira fácil, cómoda e adaptada aos diferentes estilos de vida.
Relativamente à inovação, esta deixou de ser vista como um custo e mais como uma obrigação para a indústria agroalimentar?
Acredito que a inovação é, antes de mais, uma obrigação para a indústria alimentar e que não há melhor maneira de o fazer do que ir de mãos dadas com o consumidor, ouvindo as suas preferências e necessidades. A inovação é uma condição necessária para manter a competitividade da indústria alimentar.
Isso quer dizer que, quem não tiver na sua estratégia uma política constante de inovação, morre?
A velocidade de mudança que o setor enfrenta é enorme. Devemos estar preparados para atender à procura de novos perfis demográficos, sociais e culturais, novos tipos de lares. Perante este desafio, a maneira mais segura de gerar valor, é através de inovações focadas nos produtos, consumidores e multicanalidade. As empresas que seguirem este caminho terão muito mais opções para seguir em frente.
Como é que as próximas gerações irão ditar as regras e que transformação irão exigir aos produtos, tal como os conhecemos hoje?
Parece claro que a transformação digital será a grande revolução nos próximos 5 a 10 anos no campo da alimentação. Temos de ter consciência de que haverá uma enorme rutura nos modelos de consumo tradicionais, especialmente como resultado da entrada no setor de novos grandes players, como Amazon ou Google, e de formas inovadoras de adquirir produtos.