Nasceu na África do Sul e aos 18 anos já tinha criado a sua primeira empresa. Paulo Almeida respira tecnologia, já passou pela Google e lidera hoje uma empresa que promete revolucionar a relação com o cliente nos call centers.
O que é que as empresas portuguesas têm a aprender com a forma de trabalhar da Google?
Bom, principalmente o que a Google faz, e com uma eficácia enorme, é que aquilo que não funciona deitam fora e fazem de novo. Não ficam a bater em velhos modelos que sabem comprovadamente que não funcionam. Não ficam agarrados a dogmas. Portanto a Google é uma empresa muito plástica nesse sentido e claramente orientada para o futuro. Para mim, isso é que é uma empresa que puxa para a frente e que não fica sentada no seu lugar. A outra é o empowerment que é dado às pessoas. Dentro da Google cada pessoa é contratada pelos skills que tem e por aquilo que pode dar à empresa e não para seguir instruções. É contratada para seguir uma missão e as pessoas têm uma grande liberdade operacional de como é que vão concretizar os objetivos. E a Google em particular não só fazia isso como dava a cada pessoa 10% do tempo laboral para trabalharem num projeto que entendessem. Sem definição, regulamentos, nada… 10% do vosso tempo dediquem-no ao que entenderem. O Android é dos exemplos de projetos que nasceu dessa medida. Esse estímulo à criatividade e a liberdade que é dada obviamente traduzem-se em resultados e na satisfação das pessoas que lá trabalham. Quando estava na Google as redes sociais já existiam, mas explodiram exponencialmente e eu comecei a ver, se calhar pelo meu background na área de CRM, algumas coisas interessantes: caras e nomes a falarem e a dizerem coisas. Algo que um CRM nunca teve. Um CRM tinha email, morada e um telemóvel e não tinha nada realmente palpável e tangível. Nessa altura eu e o Filipe Resende [sócio na Client Scape] começámos a olhar para as redes sociais, isto em 2010, numa altura em que todas as marcas em Portugal falavam em branding e em banners… E nós começámos a questionar-nos se aquilo não seria uma forma de marcas gerirem conversas com os clientes. Se os clientes já falam entre si, não haverá uma oportunidade para as empresas estarem nesse meio e desenvolverem um diálogo?
Sabíamos que as empresas iriam acordar para a realidade de que as redes sociais eram importantes e que era preciso ter uma presença. O Facebook evoluiu imenso, as marcas começaram a perceber as valências que tinham, mais na área do branding e não tanto na área do service, e em 2014 decidimos que estava na altura de ‘atacar’ esse problema.
Como é que isso se concretizou?
Foi como agarrar num híbrido. Pensar naquilo que é um call center, perceber como é que as operações num call center se orientam, o que é que é CRM e aquilo que são hoje em dia as metodologias das redes sociais, e como é que podemos tirar partido disso. Fundindo as três áreas temos aquilo que nós gostamos de considerar que é a Clientscape: a capacidade de operadores, ou de uma marca, estarem a servir a audiência, respondendo a necessidades, a perguntas, mas percebendo também porque é que as pessoas estão a falar e que as redes sociais são um convite ao diálogo e à opinião. Basta olhar para o lado político e perceber quão politizadas as redes sociais se tornaram. É um local de expressão e nós, seres humanos, gostamos de exalar as nossas opiniões e isso decorre sempre na relação de um cliente com uma marca. Um cliente satisfeito elogia uma marca e um cliente insatisfeito critica e reclama. Antigamente, do modo mais clássico, se eu quisesse fazer uma referência por exemplo de uma marca de carros, estaria a jantar com amigos e diria ‘Estou muito satisfeito com o meu carro, etc’. Essa circunstância ocorreria num jantar e essa conversa iria seria completamente insondável por parte de uma marca, que nunca saberia se ela aconteceu ou não. Eu até podia ser o maior embaixador do mundo dessa marca e dizer a todos os meus amigos que gostava da marca, mas a marca jamais saberia de mim e jamais me premiaria por eu ser tão adepto.
Nas redes sociais tudo muda…
Nas redes sociais, e olhando para o comportamento humano, tenho um ótimo conhecimento da vida dos meus amigos, sem jantar com eles. Acompanho no Facebook e sei que as minhas amigas vão ser mães, sei que o meu amigo foi para a Alemanha. As redes sociais permitem-me manter-me a par da minha rede social e é aí que as pessoas começam também a dialogar e a interagir.
Obviamente que nos tornámos mais digitais na forma de interagir com os nossos amigos e conhecidos e quando queremos dizer alguma coisa é através das redes sociais. E, de repente, ser embaixador de uma marca torna-se possível, em tempo real, e as marcas conseguem perceber que determinado cliente é um promotor.
Nas redes sociais, o cliente não está diante de um estímulo forçado. Ele quando diz algo está num contexto psicológico não desviado do que é a opinião dele e faz outra coisa bastante interessante que é quando reclama torna-se mais erudito. Até uma pessoa com menos formação quando faz uma reclamação é num tom mais formal. O nível da reclamação, quando sabemos que temos pessoas a ver aquilo, e inclusivamente os nossos amigos, é mais erudito e tentamos ser pragmáticos.
O que acontece nas chamadas de call centers, quando existe insatisfação por parte do cliente, é que se chega aos insultos. Nas redes sociais há uma aparente elegância porque as pessoas são vistas por mais do que aquelas pessoas que pertencem ao nosso círculo, e quando estão a reclamar estão num espaço público.
É uma área que se analisarmos, tanto para o elogio como para a crítica, permite às marcas recolher estas métricas.
De facto esses dados estão todos disponíveis nas redes sociais, mas as empresas estão a trabalhar esses dados e a transformá-los em informação?
A resposta flagrantemente chocante é que não. Nós já devemos ter reunido com 60 a 80% das grandes empresas nacionais e a esmagadora maioria delas não faz nada em relação a estas informações. Mas fazem isso obcecadamente ao nível do call center, encomendam relatórios de posicionamento de marca e de satisfação, quando toda essa informação está toda ali à mão.
A razão pela qual não recolhem tem a ver com o facto de organicamente essas empresas não estarem estruturadas para recolher, tratar e saber o que fazer com essa informação. O que é efetivamente desafiador em ter informação é estar numa posição em que se tem que tomar decisões para agir sobre essa informação. Eu diria que é aí que existe um desfasamento muito grande entre aquilo que é o marketing tradicional, que no fundo comunica, e o marketing moderno que comunica e escuta, que recolhe informação e corrige as direções e as estratégias.
A recolha de insatisfação, na nossa opinião, é mil vezes mais importante do que a recolha dos elogios, porque essa é uma maneira fácil de viver. É só pensar nos que gostam de nós, mesmo que seja um grupo pequeno, e ignorar os que nos odeiam, um bocadinho como o Donald Trump, que não tendo ganho com maioria está satisfeitíssimo porque tem uma classe que o segue e o idolatra, ignorando que uma parte muito significativa não pode com ele e os problemas que isto traz. Nas marcas isto também acontece: amplificam o amor e ignoram a insatisfação.
Regressando aos call centers…
Quando um cliente liga para um call center, essa chamada é gerida por um operador e finda a chamada esse operador faz um report do que se passou, mas quando existem situações de pico os operadores estão esmagados de tempo e, com a pressão, a primeira coisa a sofrer é o report. E é justamente nestas situações de crise que o report tem que ser o mais exaustivo possível para perceber o que causou a crise e no futuro o que se pode fazer para evitar uma crise.
Dos relatórios que saem dos call centers, sai uma espécie de compêndio dos clientes que reclamaram sobre x ou y. Aqui entramos num modelo que é relativamente violável no sentido em que os call centers, sobretudo aqueles em regime de outsourcing, têm um modo de vida que é servir os clientes da marca e fazer um bom trabalho. Quando o trabalho por alguma razão lhes escapa, cabe-lhes a eles encontrar uma desculpa para esse facto. Os call centers começaram a oferecer um serviço omnicanal às marcas, porque já não era suficiente só responder a chamadas, era preciso responder a emails e a redes sociais, etc. O que acontece nas redes sociais é que tudo isto está a acontecer em real time e toda a comunidade está a ver. Não existem ferramentas para gerir uma explosão porque está a acontecer em tempo real.
O reporting dos call centers era mensal ou semanal e era possível sobreviver com essa frequência. Aqui, o reporting semanal quando chega se calhar já veio tarde de mais, porque durante a semana deflagrou um problema que era preciso ser resolvido de imediato. Neste tipo de operações, os call centers têm que gerir em real time com a marca, o que muda completamente o modus operandi. Em segundo lugar, aqui não existe a capacidade de distorcer tanto da parte do cliente como da parte do operador aquilo que realmente se passou, porque está escrito. E aqui entramos numa parte muito gira. De repente, em 2017, temos uma faixa populacional cada vez mais significativa que se recusa a pegar num telefone para ligar para um call center. Não é que o telefone seja um mau meio, mas há meios mais eficazes. Nós no nosso dia-a-dia já tomámos essa decisão conscientes de que já não ligamos aos nossos amigos mas sim enviamos uma mensagem por Messenger ou pelo WhatsApp. Esse meio de comunicação é mais conveniente. A principal razão de insatisfação no call center tem muitas vezes a ver com o tempo que a chamada demora a ser atendida. E eu não disponho de cinco minutos porque estou ou no meio do trabalho ou a fazer outra coisa qualquer, e só aí já estou a encurtar muito a minha tolerância.
O facto de se ter criado um canal que não obriga as pessoas a trocar uma comunicação que só pode acontecer em real time e que passa a ser em indeferido faz com que ao longo de um tempo mais lato o assunto todo possa ser discutido. Isto nos call centers era ao contrário. Quando entra uma chamada tem que ser logo atendida, se não perde-se. No meio das mensagens, aquele contacto não se evapora. O cliente deixa a sua mensagem e fica em fila à espera de tratamento. A insatisfação do cliente não aumenta por aí. A insatisfação do cliente agora decorre de quanto tempo é que demora a dar resposta.
Importa ainda dizer que o marketing nunca tirou proveito das operações de call center. Olha-se para aquilo do ponto de vista quantitativo, mas não se conseguia, por exemplo, colocar o marketing a fazer uma chamada para um cliente insatisfeito, porque era humanamente impossível.
É aqui que a Clientscape se situa. É uma operação de gestão de clientes, mas em perfeita sintonia com o marketing, conhecendo o cliente e orientando uma estratégia de comunicação sobre estas pessoas, requalificando a experiência digital deles para que um cliente insatisfeito possa ser convertido num cliente satisfeito porque é muito mais barato converter um cliente insatisfeito em satisfeito do que adquirir um novo. Para além disso, quando uma marca faz um bom trabalho nas redes sociais, o referal é automático. Esta boa vibe é partilhada pela rede.
A TAP é um exemplo perfeito disso. A TAP tinha cerca de 400 ou 500 mil fãs quando se lembraram de começar a responder aos clientes nas redes sociais. E desde que o começaram a fazer foi engraçado ver a explosão, de repente, da quantidade de pessoas que afluem aquele canal para pedir ajuda quando a TAP nunca fez nenhuma comunicação a dizer para falarem com eles no Facebook. Foi simplesmente word of mouth de pessoas que tinham sido atendidas nas redes sociais.
E quem são estas pessoas que decidem falar com as marcas nas redes sociais? Já não são apenas os Millennials, ou são?
Não. Pegando no Facebook, que é a rede social com maior penetração em Portugal, quem está no Facebook é praticamente 83% da população nacional infoincluída. As pessoas assíduas do Facebook são de facto os Millennials, mas na faixa entre os 25 e os 40 anos, todas as pessoas utilizam o Facebook, incluindo as pessoas com níveis de escolaridade mais baixos, que utilizam imenso porque é o seu ócio.
Depois temos outro fenómeno, que são as pessoas entre os 55 e os 65 anos que são pessoas que de repente decidiram reatar velhas amizades e que a forma como o fazem é através do Facebook. Aqui temos também pessoas com filhos emigrados e que vêm no Facebook uma formas de manter contacto com os filhos. Dentro destas pessoas existem se calhar muitas delas que usam apenas o computador para trocar uns emails e para ir ao Facebook.
Quem reclama e quem fala com as marcas nas redes sociais? Todas aqueles clientes que pelo menos uma vez na sua vida já teve que enviar um email para uma marca a reclamar. Porque é que de repente se lembram de reclamar no Facebook? Porque há cerca de quatro anos para cá já se tornou numa coisa quase tão natural como enviar um email. Muitas delas na forma como escrevem é quase como se estivessem a escrever um email. As pessoas mais vocacionadas para messaging por exemplo já nem sequer fazem um post ou um comentário, vão logo para mensagem privada e juntam logo à reclamação anexos, documentos, etc, o que torna mais fácil o tratamento da reclamação.
E que setores é que estão a apostar nessa área? Há setores, como a banca por exemplo, que sabemos que têm imensa informação sobre os clientes, mas que depois não fazem nada para trabalhar esses dados, muito menos nas redes sociais…
A banca gozou desde 2001 de um privilégio de que o dinheiro era barato e não era preciso fazer marketing… Foi um momento muito áureo e essa facilidade criou uma preguiça muito grande de se instrumentalizarem com ferramentas mais eficientes. É típico no mercado: só se começa a fazer alguma coisa quando algo corre mal e esse setor ainda está a tentar recuperar de uma década de atraso.
Hoje em dia, a banca no geral, ainda está a falar de ter ou não presenças online, mas nós já estamos um bocadinho para lá do online. Já estamos no social. E posso-lhe dizer que já falámos com algumas empresas dessa área que nos disseram ‘É proibido falar de Facebook aqui dentro’. O que eu acho engraçado, tendo em conta que há 7,8 milhões de portugueses nessa rede social… É como dizer que é proibido falar de uma forma de contacto com os nossos clientes. É negar o incontornável, mas é uma questão de posicionamento e de mentalidades. E agora começamos a olhar para uma dura realidade, porque já existem empresas que nem sequer são bancos, são entidades financeiras, mas que fazem créditos sem ter balcões e com apenas uma aplicação de mobile…
E a vossa solução?
O que nós fizemos foi transformar o customer support num branch do Marketing. E a forma como criamos a parte da nossa aplicação foi dizendo ‘Isto não é social list’, ‘não é ver feeds’, mas sim uma fileira de pedidos que são tratados por operadores.
A nossa abordagem trata os contactos como uma chamada. Um post ou comentário só pode ser gerido por um operador exclusivamente. O operador, perante aquele item, tem a responsabilidade de gestão, podendo encaminhar para alguém ou fazer triagem. De repente o processo é ao nível individual do cliente. As operações de customer care são incrivelmente importantes porque o operador vai ler aquilo e pode categorizar. E é isto que o marketing precisa, de ter categorizado e identificado o total dos diálogos que se passam nas redes sociais. O operador consegue ver todas as conversações que já teve com aquele cliente e em múltiplos canais digitais.
A nossa solução tem uma coisa que nós chamamos de work flow e que permite interrogar um departamento, o departamento responde também na nossa consola e fica tudo interligado e o operador que faça a resposta pode responder ao cliente e fechar o assunto.
Tudo isto permite ver quais são as lacunas operacionais e é de facto aqui que nós oferecemos uma solução diferenciadora. Outra área que nós também trabalhamos tem a ver com o reporting. Os call centres têm que fazer reports massivos para as marcas e para mostrar que estão a fazer um bom trabalho e esses reports dão muito trabalho porque requerem métricas daqui e dali. E o trabalho dos call centers não é serem analistas. A nossa plataforma permite criar estas análises de forma automatizada sem erro humano e de repente os operadores estão livres para responder a mais clientes e não estarem preocupados com coisas que deviam estar automatizadas. Importa dizer que um operador numa área como esta é mais do que alguém que está a fazer customer support.
A forma como vemos o futuro, é ter um call center que dá resposta às reclamações do cliente, mas que também pode cobrar um fee variável dos resultados de incremento de vendas que levam ao e-commerce.
Em Portugal já existe alguma empresa na área do retalho com esse mindset?
O El Corte Inglés, por exemplo, já está a fazer isso. Por exemplo, se um cliente disser no Facebook ‘Estive na vossa loja a experimentar estes ténis e não encontrei no meu tamanho. Há alguma coisa que possa ser feito?’, o El Corte Inglés contacta imediatamente o gestor de produto e responde de imediato a dizer ‘Estimado cliente, dentro de duas semanas teremos o produto disponível. Quer fazer uma encomenda?’. O cliente responde e é-lhe enviado um link que permite fazer a encomenda. É quase como uma força gigante de pessoas que estão ali a servir, a acelerar e a vender numa conversão eletrónica. E esta é uma conversão eletrónica um bocado diferente, porque o cliente não precisa de ir à loja online e clicar e fazer um check-out em que tem que se identificar como cliente habitual etc. Como fica ali um testemunho da compra, quase como uma chamada gravada num call center, não é preciso passar por todo este processo.