Soluções centradas nas pessoas. Criatividade. Trazer novidade à rotina das atividades. Integrar todos os profissionais de uma organização lideradas por quem não têm receio de mudar. Existem empresas em vários setores a co-desenhar o futuro ao integrar o Design Thinking (DT) no seu dia a dia. Também o retalho já assumiu esta nova forma de gestão com resultados satisfatórios.
É uma mudança de mindset para quem é open mind. Quer saber de que forma é que o DT pode potenciar o seu negócio? E a sua empresa, está preparada para a mudança?
É uma metodologia que já começou a ser implementada em algumas empresas em Portugal e que já chegou ao retalho. São sobretudo empresas com uma visão alargada, um bom benchmarketing, que não resistem à mudança, e procuram por métodos inovadores. Ainda assim, há quem ainda assuma o DT como «uma novidade que traria alguma “frescura” relativamente à rotina e aos processos de negócio», explica o executive coach e senior organization engineer Hugo Gonçalves.
Nascido do conceito do design, cumpre uma série de princípios, que vão desde a definição do próprio desafio ao contexto envolvente. O ponto de partida é perceber por onde se deve começar. «A partir daí, surge “a geração de ideias” e tendo em conta as conclusões a que chegámos, há que perceber quais as melhores e de que forma podem ser utilizadas. A este processo dá-se o nome de «divergente», sendo que o convergente está relacionado com as seguintes fases: «conceção de ideias, triagem e o alinhamento das ideias com o negócio», explica.
O executive coach costuma brincar e afirmar que as empresas têm de passar por dois momentos antes de implementarem o DT: estarem com a «cabeça no ar», por um lado, mas colocarem os «pés assentes no chão» para que estas ideias possam ser validadas e rentabilizadas.
Além do espírito de equipa, é necessária a utilização de templates e áreas de trabalho que permitem que estas fases sejam bem enquadradas. Para o também licenciado em Engenharia Industrial e pós graduado em gestão industrial, o DT, juntamente com o coaching e a gestão de projetos, pode ser considerado como «a nova gestão». Cada vez mais, as empresas «trabalham por projetos e não em série e esta metodologia surge como um processo criativo onde se desenham os melhores produtos e processos, tendo em conta os requisitos dos clientes, dos utilizadores e dos stakeholders».
Este pode ser um caminho interessante de promoção de discussão abrangente de soluções que «promove a empatia com as necessidades reais dos consumidores, a co-criação de soluções entre equipas heterogéneas e multidisciplinares, e a experimentação que possibilita a aprendizagem e o erro antes de grandes ciclos de investimento (tempo e recursos) em tendências tecnológicas. Dependendo do tipo de organização pode ser extremamente complexo ou intuitivo dependendo de quem lidera o processo e quão familiarizados os intervenientes estão com as técnicas de DT», alerta Guilherme Victorino, professor auxiliar convidado na NOVA Information Management School nas áreas de Marketing, Inovação e Gestão do Conhecimento e coordenador o curso de DT da Escola Doutoral da Universidade Nova de Lisboa acompanhando alunos de doutoramento em processos de inovação disruptiva.
São necessárias duas características essenciais para a definição de uma estratégia e de um modelo de gestão de inovação: foco e transformação. «Ou seja, o seu sucesso é determinado pela vontade da liderança em encontrar talento empreendedor dentro das empresas e desenvolver capacidades de resolução de problemas de forma inovadora. O objetivo do DT é esse mesmo: apoiar as organizações com abordagens inovadoras para enfrentar desafios complexos e fomentar a resolução criativa de problemas através da colaboração», acrescenta.
Formação superior… e não só
Esta é uma área que já é lecionada no ensino superior. Os futuros gestores estarão neste momento a aprender os conceitos do DT para os aplicarem amanhã em contexto de trabalho. É o caso dos alunos de doutoramento da Escola Doutoral da Universidade Nova de Lisboa, a quem é oferecido um curso de DT, onde «pessoas de áreas muito diferentes tentam encontrar soluções inovadoras para temas de investigação, desafios empresariais ou sociais», explica Guilherme Victorino.
Na verdade, o pensamento de Design já é estudado há várias décadas. «A empresa americana IDEO celebrizou a sua aplicação a desafios organizacionais e de desenvolvimento de produto desde finais dos anos 90 do século passado. Em Portugal, o desafio na minha opinião é perceber a sua essência e não apenas utilizar esta “buzzword” como ferramenta de venda de consultoria ou projetos. Como é uma metodologia aberta qualquer um a pode aplicar devendo, contudo, assegurar que todos os seus princípios são seguidos sob pena de rapidamente ser descartada. Deve, por isso, ser considerada uma iniciativa estratégica e não apenas para uma aplicação a um projeto concreto», sublinha o professor.
Foi em 2008 que Rita Matos Rocha ouviu falar pela primeira vez nesta metodologia, numa formação em Gestão de Design, no Centro Português de Design e do IAPMEI. Uma vez que o mesmo não foi muito explorado, optou por iniciar as suas primeiras pesquisas na internet pelo tema e por mera curiosidade. Na altura, Rita era docente do curso de Design Gráfico e de Publicidade e no curso de Design Industrial do Instituto Politécnico do Porto (IPP).
Atualmente, como consultora criativa e gestora de projetos na área do branding, comunicação e design, esta metodologia é «um processo criativo, muito pessoal e intuitivo. Isto porque as suas práticas metodológicas já eram por mim utilizadas na minha prática profissional, quer como docente universitária, quer como criativa e gestora de projetos, quer como consultora. Só me apercebi que era intuitivo em mim, como uma “nova inteligência” (precursora da inteligência emocional) orientada para a inovação e fundamentada na sensibilidade e nas práticas metodológicas do design em 2011, através de um case study feito à empresa de recursos criativos que ajudei a fundar e no qual para além de gestora de projetos criativos, desempenhava funções de COO & CMO». O case study acabaria a ser desenvolvido para uma tese de mestrado do IPAM do Porto.
Quando saiu da empresa para continuar o seu doutoramento, Rita Matos Rocha apercebeu-se que estava a ensinar aos seus alunos do IPP, os princípios do DT, na unidade curricular «Projetos Multidisciplinares» lecionada com par pedagógico de áreas diferenciadas, onde se utilizavam os “metodologias de resolução de problemas” e onde se produziam soluções realmente inovadoras e visionárias, que tinham como objetivo prioritário ter benefícios para o utilizador, ou seja, benefícios concretos para o ser humano», diz-nos.
Em 2012, deu a sua primeira palestra sobre o tema, nas Jornadas de Marketing do ISCAP / IPP, e já fazia consultora às startups incubadas na incubadora de Stúdios de Design, criada em 2011 no IPP (polo de Vila do Conde), começando a aplicar a metodologia a diferentes áreas, passando por empresas de retalho e de serviços, gestão de eventos, até à área de marketing e comunicação política.
«Aprendi com a minha prática profissional, alguns dos princípios orientadores do intuitivo e carismático designer thinker Steve Jobs. O primeiro é que a inovação é o que distingue um líder (ou uma marca líder) de um seguidor (ou de uma marca perseguidora, e que o cliente percebe, respeita e favorece sempre que possível, na sua seleção “o pioneiro /o original /o líder”, com mais clarividência do que o que se pensa», explica. Rita Matos Rocha cita o fundador da Apple ao afirmar que «as pessoas não sabem o que querem antes de lhes mostrarmos», e afirma que «as empresas não se conseguem ver de fora para dentro, sem que lhes mostremos, ou as orientemos nesse sentido. A nossa missão enquanto designers thinkers consiste em ler (ou ajudar a ler) as coisas antes de elas terem sido escritas, e a intuição e o risco, juntamente com as metodologias aplicadas, são o nosso “guia” criativo».
No âmbito dos mestrados da Nova IMS, é oferecido um programa que pretende capacitar os alunos para a implementação das diferentes técnicas desta metodologia. O professor Guilherme Victorino explica quais: «observação e aprendizagem – envolvendo os utilizadores finais através de princípios de empatia e metodologias de co-criação; geração de insights e identificação de espaços de oportunidade – que consideraram múltiplas causas e perspetivas diversificadas para os problemas em questão (dimensionamento e ajuste do desafio) e experimentação e discussão das ideias – através de diferentes técnicas de ideação, prototipagem e teste de possíveis soluções (e não apenas a solução definitiva)».
Hugo Gonçalves considera que já começa a aparecer alguma oferta a nível universitário «mas que a alavanca está a ser feita pelo business e não tanto pela Academia». É precisamente na área de negócio que a IFE Formação (empresa que edita a DISTRIBUIÇÃO HOJE) trabalha. «O nosso foco está na aplicação das ferramentas e propostas do DT à gestão de projetos. Numa equipa de projeto, um dos grandes desafios coloca-se precisamente no envolvimento de todos os elementos que compõem a equipa, como trabalhar e conseguir que cada um “entregue” o seu melhor à execução do projeto. Através do DT, todos são parte do processo que é co-construído, através da geração de ideias, prototipagem, experimentação, erro, voltar a fazer, sempre com o propósito de alcançar a melhor solução», explica Irene Moreira, strategy & business developer da empresa.
Todas as etapas são visualizadas por todos os elementos da equipa que partilham, entre si, as dificuldades a ultrapassar e a compreensão de cada fase em particular. «Da parte da IFE, desenvolvemos workshops de DT aplicado à gestão de projetos, os mesmos podem ser desenhados à medida de cada organização, e para isso, temos uma equipa que colabora com cada organização no sentido de identificar como aplicar o DT. A IFE propõe também workshops, num formato aberto em que, e poderá ser este um primeiro contacto com o DT, estão presentes elementos de diferentes empresas, sendo criadas equipas para trabalhar determinado projeto, explorando e aplicando as ferramentas da metodologia. Somos também parceiros das organizações no sentido de, em conjunto, identificarmos como introduzir o DT em projetos-piloto ou ainda participar na criação de equipas multidisciplinares que atuem como disseminadoras do DT dentro da organização», sublinha a responsável.
Metodologia ao alcance de qualquer empresa
O DT pode ser aplicado em qualquer empresa de qualquer setor. Não é necessário um investimento extraordinário nem recursos megalómanos. No entanto, para Guilherme Victorino, cabe aos líderes do setor do retalho, em específico «avaliar a sua pertinência e eventualmente acelerar este processo. Para tal, e à semelhança de um designer, devem iniciar um processo intencional de desenho de estruturas organizacionais ágeis e centradas nos desafios emergentes; equipas que incentivem a resolução criativa de problemas e identifiquem o potencial inovador da organização; projetos e protótipos que privilegiam a aprendizagem e que aceitam o erro como forma de atingir o sucesso; parcerias que permitam criar um ecossistema que potencie e valorize o capital de relação com o cliente».
Para Hugo Gonçalves, o DT, em conjunto com o coaching e o desenvolvimento do capital humano vão ser os três pilares da gestão dos próximos anos. A aplicabilidade da metodologia é geral para todas as empresas, desde que existam desafios e oportunidades. «Todas as áreas de negócio, sem exceção, poderão implementá-las, desde que reúnam um conjunto de competências, quer técnicas, quer ao nível da facilitação. Depois, esta metodologia entranha-se em qualquer área de negócio, em vários departamentos e soluções», explica.
E se é gestor e considera que isto implica o envolvimento de muitos recursos materiais, temos uma boa notícia. O que o DT pretende é mesmo «uma mudança de mindset», de empresas que tenham tempo para pensar e para olhar, de forma alinhada, com o que está à sua volta. «De nada vale utilizar a criatividade, a inovação, as ideias, se não definirmos o que pretendemos e o que é que poderá surgir de novo. Nem todas as empresas criam esses espaços de parar para pensar ou têm essa consciência. É preciso criar espaços, no dia a dia, para que isso aconteça. Temos de perceber como conseguimos, de forma descontraída e através de jogos, post-its, templates, e bom ambiente, trabalhar coisas sérias (ver caixa sobre os materiais que necessita para implementar esta metodologia na sua empresa). Não é à toa que as reuniões, numa empresa, são das atividades com menor valor acrescentado e em que o retorno de investimento é praticamente nulo», acrescenta o executive coach.
Uma das vantagens desta nova forma de pensar a gestão é integrar todos os profissionais. É dada assim a possibilidade de quem participa de «co-desenhar o futuro que ainda não chegou e é profundamente valorizada pelos colaboradores promovendo igualmente a aprendizagem para os desafios do presente. O pensamento de design é uma abordagem centrada nas pessoas, que leva a soluções que são progressivamente analisadas através de um processo interativo. As soluções emergem das próprias equipas e valorizam a confiança criativa dos colaboradores permitindo aumentar o conhecimento organizacional e gerar entusiasmo em relação aos desafios», sublinha Guilherme Victorino.
Mais do que investimento financeiro, é necessária atitude e vontade. Mas também tempo. «Devem ser experienciadas todas as etapas do DT e ter um propósito. Por outro lado, é fundamental que os colaboradores conheçam e saibam utilizar as ferramentas do DT e a adesão a estas novas práticas seja trabalhada nas equipas, não esquecendo que são utilizados muitos recursos visuais», explica Irene Moreira.
O que se propõe é «empatia» que, segundo Rita Matos Rocha, tem vindo a desaparecer das empresas à medida do seu exponencial crescimento. «O topo deixa de ouvir as partes, as partes tornam-se competitivas entre si, focando-se mais nos números e menos nos clientes, esquecendo que o seu objetivo principal é o seu cliente e utilizador final e as suas potenciais necessidades, deixando as inovações na gaveta porque, por vezes, ser criativo e inovador não traz qualquer reconhecimento para si. Por outro lado, fecha-se o seu ser criativo na gaveta, concentrando-se mais no sentido da venda, do que na estratégia e experiência da mesma, achando que a fidelização começa no ato de aquisição e não na emoção que a aquisição pode trazer a curto, médio e longo prazo, através das experiencias sentidas e no contacto direto, com tudo o que diz respeito à empresa», afirma.
As empresas necessitam então de ter a capacidade de lidar com as mudanças culturais, Mas também os funcionários. E porquê? «O pensamento de design cria incerteza. Dentro da equipa ou da gerência pode haver muita resistência», explica a consultora. Vendo pelo aspeto positivo e das vantagens desta dúvida permanente, as empresas ganham na capacidade de gerir incerteza e mudanças culturais. Todos os dias, combatemos a enorme resistência à mudança, e não é só no seio empresarial português. No continente europeu, ainda somos muito convencionais e não arriscamos muito», defende.
Muito mais do que os materiais necessários para implementar o DT, caberá aos líderes das organizações correr riscos. «É preciso estabelecer uma cultura open mind, aberta ao novo e ao imprevisível. Vejamos, é menos arriscado para uma grande empresa considerar que “o impossível inspira” do que para uma micro empresa», diz Rita Matos Rocha. Refletir e humanizar os negócios pode ser «uma excelente estratégia para inovação, mas obviamente não resolve tudo, no entanto, pode ajudar as pessoas e as organizações atravessar situações complexas», acrescenta.
Leia o artigo completo na edição em papel da Distribuição Hoje (fevereiro de 2018)