O retalho de luxo no nosso país tem apresentado um crescimento positivo nos últimos anos. Aumentam as lojas em locais premium, são apresentados novos produtos e tendências, suscitando a procura de consumidores turistas e nacionais. Portugal é atrativo para grandes marcas e nem a crise beliscou o negócio. Pelo contrário.
A evolução da indústria de luxo foi positiva durante o ano que passou. A conclusão é do Business Briefing “Retalho de Luxo em Portugal”, uma publicação da Cushman&Wakefield (C&W) apresentado no passado outono. O relatório cita os últimos dados publicados pela Bain&Company que apontam o fecho do ano transato com um crescimento de 5% face ao ano anterior. O valor engloba todos os artigos de luxo transacionados no mundo, nos quais se incluem, automóveis, serviços de hotelaria e luxo e bens pessoais.
“Em Portugal, a dinâmica crescente no comércio de luxo manteve-se ao longo de 2015, muito por influência da evolução positiva do fluxo de turistas e da preparação dos retalhistas e das cidades para os receber”, pode ler-se no relatório da C&W. A Europa surge como um mercado “em ascensão” como destino de compras de luxo. Os dados da “tax-free publicados pela Global Blue demonstram mais uma vez o forte peso dos consumidores chineses, mas revelam igualmente o crescimento do mercado norte-americano, que ao longo do ano, foi beneficiado nas suas compras no velho continente pela referida questão cambial do dólar”. Portugal ganha em termos de clima, aspetos culturais e históricos, que muito têm impulsionado a economia do país. E que acabam por constituir bons aliados do retalho de luxo.
“Desde o ano de 2011, surgiram 37 novas lojas no país sendo Lisboa um dos destinos europeus mais procurados para o turismo”, confirma o Business Briefing. É na Avenida da Liberdade que a procura por parte de marcas internacionais é maior, sobretudo por aquelas que anteriormente não tinham presença em Portugal. A conhecida rua da capital “concentra 77% de toda a oferta de luxo e premium”, e é desde os anos 80, a principal porta de entrada para marcas de luxo no país. “Atualmente, conta com 80 unidades de retalho, num total de 24.200 m2, destacando-se as marcas de moda, que representam 65% da área total ocupada”. No Porto, o mercado de luxo “é inferior quando comparado com o de Lisboa”. De qualquer forma, o setor do retalho de luxo tem vindo a ganhar terreno através de outras vias. “A zona do Aviz foi a primeira localização de luxo na cidade. Localizada na zona Avenida da Boavista, acolhe 13 unidades de retalho, com cerca de 3600 m2 ocupados”, pode ler-se no relatório.
Um outro estudo, da autoria da Deloitte, intitulado “Global Powers of Luxury Goods 2015 – engaging the future Luxury Consumer”, veio demonstrar que o retalho de luxo, na sua generalidade, sobreviveu “a um difícil contexto económico registado no mercado americano, europeu e nipónico, estando agora estável ou mesmo apresentando um crescimento tímido. Continua, contudo, sujeito ao risco de contração da procura resultante da estagnação económica dos BRIC´s, da redução do preço do petróleo e da volatilidade cambial nos países emergentes”, afirma Pedro Miguel Silva, associate partner da consultora. Em Portugal, as cidades de Lisboa e Porto, apresentam algumas particularidades “que aumentam a sua atratividade para o setor, como por exemplo, custos imobiliários baixos em comparação com outras cidades europeias, a política de vistos gold, a nova lei do arrendamento que disponibilizou novos espaços no centro das grandes cidades, a predominância de um clima chamativo, a flexibilidade linguística e a propensão natural para o turismo”, sublinha o responsável. Portugal passou a ser um destino obrigatório “para os principais players internacionais. A motivação dos retalhistas advém da notoriedade e prestígio intrínseco à Avenida da Liberdade que, associada à boa performance de muitas das marcas que aqui se instalaram, servem um público diversificado de consumidores nacionais e estrangeiros”, foca Sandra Campos, partner e diretora do departamento de retalho da C&W. Por outro lado, em comparação com “qualquer outra capital europeia, as rendas praticadas nos locais mais prestigiantes da cidade de Lisboa, ficam muito aquém das suas congéneres aumentando a sua atratividade”.
Portugal pode ser considerado “um destino muito atrativo para o turista de luxo”, na opinião de Helena Amaral Neto, business development director do ISEG e coordenadora do curso Luxury Brand Management. A especialista considera que o retalho de luxo em Portugal depende do “fenómeno crescente do luxury globe-trotter, sobretudo do turista chinês, o maior cliente do retalho de luxo em Portugal, com compras médias acima dos 3.000€”.
Crescimento em perspetiva
Luxo é sonómimo de exclusividade, acessível apenas a uma pequena “fração da população mundial estando intimamente relacionado com bens e serviços de qualidade e valor elevado. É algo de aspiracional que transporta para o sonho”, defende Sandra Campos. O segmento de luxo tem demonstrado uma preferência pela localização “no comércio de rua e, pelas sinergias que cria, em zonas onde beneficie do fluxo de clientes das melhores unidades hoteleiras, edifícios de escritórios e, preferencialmente, marcadas por fortes fluxos pedonais de turistas”. Os centros comerciais, por seu turno, são locais conhecidos pelo grande consumo com a disponibilização de marcas acessíveis à população em geral, não elitistas. “O oposto daquilo que o luxo procura”, acrescenta a responsável. Ainda assim, existem experiências de sucesso em centros comerciais espalhados pela Europa que combinam o retalho de luxo com o mass market. “São, ainda assim, uma exceção e não são facilmente replicáveis”. Opinião distinta tem o brand manager da Montblanc, Nuno Teixeira, que considera que “a opção por áreas de luxo dentro de centros comerciais vai começar a ser uma realidade e cada vez mais irá fazer a diferenciação entre os centros comerciais. Saibam estas superfícies atrair e cuidar as marcas de luxo”.
O facto de uma parte significativa das vendas de luxo ser realizada a turistas, torna-se natural que estas tipologias de lojas optem “preferencialmente por zonas preferencialmente históricas, com elevado nível de acessibilidade e onde exista oferta de lazer, comércio e de serviços”, defende Pedro Miguel Silva. O responsável destaca ainda o facto de a Avenida da Liberdade “ter sido considerada em 2012 como a décima avenida mais luxuosa do mundo”.
No que respeita ao mercado mobiliário foi recentemente noticiado que os preços das casas em Lisboa e no Porto voltaram a subir tendo em conta o interesse por parte de estrangeiros. Sandra Campos explica: “É verdade que há localizações prime em Lisboa e Porto que estão a valorizar. O interesse é de compradores estrangeiros, mas também de portugueses, quer residentes quer radicados no estrangeiro. Há que ter consciência que os preços podem variar muito, não só na mesma zona, como no mesmo edifício, consoante a tipologia, acabamentos, vista, infraestrutura, entre outros parâmetros. Nas zonas menos prime, a evolução dos preços é bastante mais modesta”.
As condições naturais de luxo do país, desde o clima, à variedade cultural, à enorme hospitalidade e proximidade das principais cidades europeias, bem como “a segurança, uma questão cada vez mais crítica no contexto atual”, conforme sublinha Helena Amaral Neto, permite uma oferta interessante e variada. No entanto, “as marcas de luxo internacionais têm requisitos muito exigentes para a abertura de novos pontos de venda, o que condiciona a entrada de novas marcas no retalho em Portugal. Mas a oferta de retalho de rua nas zonas prime de Lisboa e Porto tem vindo a aumentar resultado da reabilitação urbana em curso. Daqui resulta que temos assistido a um crescimento do número de marcas de luxo em Lisboa e no Porto”, acrescenta. As perspetivas de crescimento do turismo chinês “são enormes” estimando-se que, em 2020, o número de turistas chineses “chegará aos 200 milhões”.
Omnicanalidade de luxo
De acordo com um estudo da Deloitte realizado no Reino Unido (The Luxury Opportunity), 45% dos consumidores descobrem novas marcas online e 85% dos clientes de luxo usam as redes sociais via, em média, três devices distintos. “Embora esta tendência se concretize maioritariamente no uso de devices e canais digitais para criar um maior engagement junto do consumidor, a sua aplicação poderá ser mais abrangente, constituindo um simplificador ao longo da cadeia de valor através, por exemplo, de: inovação e desenvolvimento de novos produtos; otimização de processos logísticos e gestão personalizada da interação com o consumidor via sistemas CRM”, defende Pedro Miguel Silva. O acompanhamento da revolução digital tem-se apoiado no trabalho desenvolvido nas sedes das grandes marcas sendo posteriormente replicáveis nos países onde as mesmas estão representadas. “É essencial para os operadores estar neste canal e usá-lo para fins de marketing, quer seja para melhorar a visibilidade entre os consumidores de luxo, quer seja para manter o valor da marca ou atrair uma geração mais hi-tech, interagindo com os seus clientes a qualquer hora e em qualquer local”, destaca Sandra Campos. As redes sociais integram esta comunicação digital que “veio alterar por completo a distância entre as marcas e os seus clientes atuais ou futuros”.
A geração millennial poderá vir a ser essencial no futuro do retalho de luxo, nomeadamente no que respeita à ascensão à idade adulta da mesma, e o aumento da importância dos canais digitais. “A geração millennial veio dar um novo sentido de urgência à criação de experiências memoráveis independentemente do canal de escolha. Os ‘nativos digitais’ dominam as regras sociais e tecnológicas do mundo online, obrigando as marcas a rever o seu posicionamento de forma a permanecerem relevantes para este segmento”, acrescenta o associate partner da Deloitte. Um bom exemplo de agilidade e inovação potenciada por canais digitais é a iniciativa recentemente levada a cabo pela “Marc Jacobs: as popup tweet stores são lojas temporárias em zonas premium onde os clientes têm acesso a merchandising exclusivo da marca em troca da sua partilha em redes sociais. Desta forma, é potenciado o awareness de novas coleções e conceitos e enriquecendo o posicionamento desta marca de luxo”, afirma o responsável. Algumas marcas dão ainda os primeiros passos no mundo digital “lutando por manter a sua identidade em formatos sobre os quais detêm capacidade de controlo limitado. Estes novos conceitos obrigam também a alterações na cadeia de valor, colocando em causa processos que anteriormente não careciam de tanta granularidade e flexibilidade”.
O desafio é assim grande e há detalhes que fazem realmente a diferença. “A forma como os produtos estão expostos, o atendimento dos técnicos especializados, o cuidado na receção dos clientes, os pequenos gifts que as marcas oferecem são alguns dos fatores que fazem com que uma compra de luxo seja mais do que uma compra, seja uma experiência no ambiente de marca. Os portugueses estão cada vez mais despertos para o atendimento de excelência, imagem de marca da Montblanc”, refere o brand manager da marca. Atualmente, o consumidor é muito informado e tem um leque alargado de plataformas à sua disposição. “Apostamos de forma centralizada para que os nossos canais de comunicação tenham uma coerência para que o consumidor que nos contacta, independentemente do seu país de origem, tenha acesso ao mesmo tipo de informação global”, acrescenta. No que respeita a conteúdo local, a Montblanc desenvolve diversas ações via e-mail com a divulgação dessa informação, bem como, alerta para o lançamento em mercado dos produtos da marca. No caso da Lacoste, é feita uma monitorização em todas as lojas e clientes através do programa de “CRM, de intercâmbio com as equipas de vendas e das ferramentas informáticas, que permitem discernir as diferenças, necessidades e especificidades de forma a adequar a oferta à procura”, salienta Joaquim Fidalgo Pássaro, CEO da Lacoste UK. A marca conta com um programa de fidelização que permite ao cliente obter benefícios pela confiança depositada, “assim como adequar as respostas que melhor se coadunam com as necessidades, ajudando a definir o estilo mais adequado a cada cliente da marca”. No final de 2015, a empresa lançou o canal de e-commerce em Portugal, estando disponível também uma flagship digital. “Neste momento, os clientes portugueses têm acesso a todo o universo de produtos Lacoste não apenas nas nossas lojas mas também no canal online, que conta já com uma oferta de cerca de 1200 produtos, divididos entre vestuário, marroquinaria e calçado”, salienta. A estratégia passa por promover a construção de uma relação duradoura com os clientes, “baseada nos valores da marca, como a elegância e a autenticidade”.
Retalho de luxo imune à crise?
Este é um setor que constitui a verdadeira exceção à regra no que á conjuntura económica diz respeito. Por ser um nicho que opera com parâmetros distintos de outros setores. Os seus consumidores “têm maior poder de compra, por norma, mais resiliente às crises”, salienta Sandra Campos. Em Portugal, ao mesmo tempo que o país estava em crise, o retalho de luxo beneficiava “de uma curva ascendente no turismo, que trouxe um largo número de consumidores com forte poder de compra”. Comparativamente, enquanto que as vendas estavam em quera no “retalho mass market, vários retalhistas de luxo reportavam crescimentos na casa dos dois dígitos”. Com a confiança dos consumidores a subir, sobem também as vendas no setor, com Portugal “a apresentar um crescimento de 2,7% relativamente ao ano passado. Depois de um período de consolidação, os retalhistas estão hoje mais dispostos a expandir a sua rede de lojas; e o comércio de rua tem sido o canal preferencial de expansão”, reforça a responsável da C&W.
É certo que o turismo tem vindo a impulsionar alguns destes resultados contribuindo para o crescimento positivo dos últimos anos. “Está sobretudo centralizado em localizações premium nas grandes cidades, no caso Português e em particular de Lisboa, a Avenida da Liberdade é o destino de compras de luxo por excelência, com uma evolução notória em termos de requalificação e no mix de marcas que estão presentes. A Lacoste, acompanhando esta tendência, abriu a sua loja na Avenida da Liberdade em dezembro de 2014, introduzindo em Portugal um novo conceito premium de loja, e hoje podemos afirmar que se tratou de uma aposta muito bem-sucedida, já que superámos os objetivos de faturação definidos para o ano de 2015”, explica Joaquim Fidalgo Pássaro. Com a consolidação da sua rede de distribuição, a aposta em localizações e no upgrade dos seus pontos de venda, a marca tem conseguido alcançar “um crescimento sustentável ao longo dos últimos anos”.
2016: um ano de novidades
A Loja das Meias aposta em alguns serviços diferenciadores e exclusivos, consubstanciados, nas “chamadas telefónicas na chegada das coleções, entregas ao domicílio, arranjos de costura personalizados com serviço de alfaiataria no caso dos homens, cuidados especiais na data dos aniversários dos clientes, etc.”, afirma Pedro Miguel Costa, administrador do grupo Loja das Meias e também bisneto do fundador da loja. O envio de SMS e de newsletters regulares bem como a divulgação de novidades via Facebook fazem parte da estratégia digital da marca. “Apesar de ainda não estarmos a fazer vendas online e de ser também um dos nossos objetivos para 2016, temos presente a necessidade de integrar na nossa estratégia, a omnicanalidade, ou seja, promover a coerência da nossa presença nos vários canais, sejam as lojas físicas, seja o nosso site, as comunicações online via redes sociais ou as newsletters que enviamos aos nossos clientes”. A ponderação é a palavra de ordem para que o cliente não perca a imagem de marca de moda, de luxo, baseada num serviço de excelência, que tradicionalmente tem caracterizado a Loja das Meias.
O turista tem relevância para a Lacoste mas a marca quer continuar a estar “presente no coração dos portugueses e todo o trabalho, quer ao nível do produto, quer na comunicação, pretende colocar a Lacoste como sinal distintivo de um estilo de vida autêntico, passando muitas vezes de pais para filhos, de fazer parte das fotografias de família, no fundo, um luxo descontraído não intrusivo ou exibicionista mas sim natural associado aos bons valores do sport casual nomeadamente do fair play e do winning but with style”, salienta Joaquim Fidalgo Pássaro. Embora o segmento com maior peso seja o homem, que representa “cerca de 60% das vendas da marca, as categorias de senhora e de criança são igualmente importantes em termos comerciais bem como para a construção de todo o storytelling da mesma”. Homens com idades entre os 36 e os 55 anos constituem o perfil da marca em Portugal. “Em termos de nacionalidades, durante o ano de 2015, e com base em dados de refund do tax free, podemos destacar os angolanos e os brasileiros, sendo que os clientes chineses têm relevado um crescimento bastante acentuado e temos inclusivamente previsto no nosso plano de marketing ações específicas para este target”. Tanto os portugueses como os turistas têm um perfil interessante para a Loja das Meias. “O consumidor português é muito interessante e está cada vez mais sensível e informado sobre as tendências de moda e os grandes estilistas nacionais e estrangeiros. Os turistas ou público estrangeiro são importantes pelo poder de compra têm, porque conhecem as marcas que comercializamos, tendo grande apetência por elas”, revela Pedro Miguel Costa.
O presente ano será de novidades para as três marcas. A Lacoste pretende continuar a implementar um conjunto de ações aos mais variados níveis. “Efetuámos no final de 2015 a renovação de dois dos nossos corners concessionados no El Corte Inglês, como parte da nossa estratégia de upgrade dos pontos de venda, que continuará em curso durante o ano de 2016”. Será ainda lançado em Portugal, possivelmente ainda no decorrer deste ano, “um novo segmento de produto underwear masculino, que irá acrescentar mais um nível de oferta e reforçar o carácter lifestyle da marca”, desvenda o CEO da Lacoste UK. Todos os anos, a marca Monblanc lança mais de “400 artigos” divididos nas suas quatro categorias de produto: relojoaria, escrita, marroquinaria e joalharia, o que perfaz “um artigo por dia do ano”, salienta o brand manager. Este ano vai ser um ano especial dado que a marca assinala os 110 anos de existência “e em cada uma das linhas de produto estão previstas novidades dedicadas para celebrar este momento”.
Já em março, a Loja das Meias irá inaugurar a sua nova loja na Avenida da Liberdade que pretende dar resposta a um público nacional e internacional que escolhe esta localização para as suas compras. Pedro Miguel Costa levanta a ponta do véu: “A nova loja irá disponibilizar uma oferta multimarca de luxo, com elevada qualidade e peças inovadoras, e com um serviço de excelência no atendimento e aconselhamento ao cliente, que faz parte do ADN da marca”. O novo espaço contará com “corners das marcas Dior e Celine no piso principal e de acesso direto à Avenida, que irão marcar a imagem deste novo espaço. A estratégia de expansão e inovação da Loja das Meias tem marcado a história desta casa centenária e a abertura deste novo espaço é mais um passo na concretização dessa estratégia, depois da abertura da conceptstore das Amoreiras em 2014”. O investimento global desta nova loja é de cerca de “um milhão de euros” conforme divulgado num comunicado de imprensa recente.