Em 2017, o setor do presunto representou 4,5 milhões de Kg e 60,1 milhões de euros, segundo dados da Nielsen. Com 66% dos lares em Portugal Continental a comprarem a categoria no último ano, os portugueses gastaram 3,21€ por visita num consumo de 0,22 kg.
A DISTRIBUIÇÃO HOJE ouviu algumas empresas do setor e todas elas tiveram um 2017 positivo no que às vendas diz respeito. “A categoria presunto continua a crescer, tanto em valor como em volume no último ano. Sendo a saúde uma preocupação cada vez mais significativa para os consumidores portugueses, evitar alimentos processados ou produtos com muita gordura torna os produtos de charcutaria mais suscetíveis a esta realidade”, explicou Luísa Lourenço, Client Consultant Senior da Nielsen. Ressalvando no entanto que “a qualidade e a sofisticação dos produtos são também características cada vez mais valorizadas pelo consumidor que está cada vez mais confiante e com disponibilidade para gastar”.
Luísa Lourenço adiantou ainda que os dados da Nielsen indicam-nos que o preço começa a ter um peso cada vez menos como fator decisivo para a compra, isto porque os consumidores “estão dispostos a pagar um prémio por produtos com determinadas características”. Daí que “a origem e a qualidade dos produtos podem e devem ser encaradas como oportunidades e constituir uma aposta dos fabricantes presentes no mercado”, analisou a mesma fonte.
Rui Gonçalves, CEO da Armando Gonçalves & Filhos e da Probaixa, confirma que “o setor tem verificado crescimentos nos últimos anos, quer no diz respeito ao mercado interno, quer em relação às exportações”. A empresa produz e distribui presunto da Beira Baixa em todo o tipo de apresentação: com osso, sem osso em 1/2, 1/4, 1/6, 1/8, pedaços de peso fixo desde 200g até 500g, fatiado, fatia normal e finíssimos, em gramagem desde 50g até 1kg e snacks, cubos e linha culinária.
No que diz respeito às vendas de 2017, “do ponto de vista do volume de negócio, verificámos um crescimento a 2 dígitos”, frisa Rui Gonçalves, cuja empresa exporta, neste momento, para oito países, quatro da União Europeia e quatro extracomunitários neste caso dos PALOP’s.
O porta-voz considera que “a tendência tem sido por um lado de aumentar o consumo nas gramagens mais baixas nas diversas apresentações, no sentido de diminuir o esforço de compra, e por outro de se produzir um produto com cada vez menos sal e com uma cura mais prolongada”.
Para o futuro, a empresa quer “apostar cada vez mais na exportação, e desenvolver novos produtos na vertente mais inovadora que for possível, daí o estarmos neste momento a lançar uma nova linha de snacks”.
Em relação aos desafios que o setor apresenta, Rui Gonçalves ressalva: “ser suficientemente competitivo e inovador de modo a conseguir cada vez mais penetrar no mercado internacional, historicamente dominado por espanhóis e italianos”.
Concorrência espanhola
“O consumo de presunto em Portugal tem vindo a crescer pouco a pouco, mas ainda há muito trabalho a fazer. A concorrência desde Espanha é grande”, começa por sublinhar o diretor adjunto da Barrancarnes, cujo principal produto é o presunto de Barrancos DOP (Denominação Origem Protegida). Além disso, a empresa, que se dedica desde 1988 em exclusivo à produção, elaboração e cura de produtos derivados de Porco Preto de Raça Alentejana, tem ainda a paleta de Barrancos DOP, presuntos e paletas de sebo e toda uma gama de enchidos como paio lombo, chouriço ou farinheiras.
João Chamorro adianta que a empresa, que tem duas fábricas em Barrancos, exporta para muitos países: “Espanha, França, Inglaterra, Suíça, Angola e Macau principalmente”. Sobre as principais dificuldades de levar estas iguarias além fronteiras, o responsável responde que “é, sem dúvida, a burocracia que se exige a nível documental para exportar. A nossa empresa tem de fazer 140 km, ida e volta, para se deslocar ao centro da DGV mais perto que emite certificados para exportação”.
Quanto à tendência de consumo, o empresário considera que “o consumidor nacional cada vez vai tendo mais em conta a qualidade do que o preço baixo”.
João Chamorro chama ainda a atenção para a “concorrência desleal, a não regularização e o controlo efetivo do setor do porco preto, a massiva entrada de produtos espanhóis no mercado e a saída da maior parte da matéria-prima para Espanha”.
Alimento do bem
Presente no mercado desde 1980, a Salsicharia Estremocense, Lda (SEL) tem uma facturação anual de 11 milhões de euros. “Os produtos que a SEL disponibiliza são maioritariamente curados, de Porco Preto Criado a Campo no Alentejo/ Porco Alentejo, temos uma oferta bastante diversificada desde o lombo, ao cachaço, presa, presunto apresentado de diversas formas, fatiado, desossado ou moldado”, enumera Mário Arvana, responsável pelo departamento comercial e marketing.
Também o último ano foi bastante positivo com um aumento da gama de produtos da empresa que tem 130 colaboradores e cerca de três mil clientes. “Em relação ao presunto foi de tal ordem que chegamos à ruptura de stock, pois estamos a falar de um produto com um tempo médio de cura de 30 meses”, menciona Mário Arvana.
De acordo com o responsável, “o setor em Portugal está em recuperação destes três anos de retração de consumo, nota-se uma clara recuperação no poder de compra que se traduz numa maior procura de produtos de elevada qualidade, sem aditivos nem conservantes artificiais”. Mas alerta que “as empresas portuguesas têm um longo caminho pela frente no que diz respeito à qualidade na produção de presunto, mas estamos no bom caminho, houve uma clara evolução na produção do produto com a aplicação de novas tecnologias”.
A SEL exporta sobretudo para os países da Europa. Contudo “as nossas principais dificuldades são na abertura dos principais mercados de grande consumo destes produtos como USA, Japão ou China, quando chegarmos já os nossos vizinhos espanhóis já lá estão há mais de 15 anos”.
Como já vimos, em Portugal, o consumo tem aumentado, até porque o produto é cada vez mais associado a uma alimentação saudável. “Os profissionais de saúde/nutricionistas estão a recomendar o consumo de presunto em detrimento do fiambre ou outros produtos mais processados com uma lista infindável de aditivos, estamos a assistir a um movimento que de dia para dia tem vindo a ter mais adeptos “a dieta paleolítica” o consumidor está cada vez mais informado e mais exigente com os produtos que consome”, atesta o profissional.
A SEL tem como estratégia lançar já em 2018 uma gama de produtos sem aditivos nem conservantes e corantes. Mas este conceito inovador também apresenta desafios: “o principal obstáculo foi a durabilidade do produto e o aspeto atrativo no linear de compra, mas felizmente o problema foi ultrapassado com um investimento em tecnologia e conhecimento de cura do produto. Pretendemos crescer sustentavelmente criando escala para responder ao aumento de consumo quer a nível nacional e internacional de presunto e produtos curados. Produzir com menos sal, já que SEL nos últimos três anos conseguiu reduzir em 30% o teor de sal nos seus produtos. Produzir o mais tradicional/artesanal possível”, explica Mário Arvana.
Por falar em dificuldades, o entrevistado refere a “taxa de IVA 23% a que os produtos de charcutaria foram sujeitos, dando assim mais hipóteses de venda aos nossos vizinhos espanhóis com o IVA reduzido. O desafio do setor é em produzir melhor com mais qualidade apostar nos recursos humanos e formação dos mesmos”.
Gama alargada
Também o CEO da Iguarias, é da opinião que o setor deverá manter a tendência de crescimento, “com uma maior procura por produtos de qualidade e um aumento do consumo por parte dos clientes tradicionais (canal Horeca). A crescente oferta de restauração, especialmente em Lisboa e Porto, o contínuo aumento do turismo, e os novos residentes internacionais, provocam um aumento da procura e um consumo mais acentuado. Este efeito também se tem feito sentir no segmento da distribuição onde a Iguarias está presente apenas no El Corte Ingles. Também neste segmento as vendas cresceram substancialmente”.
A Iguarias, que nasceu em 2010, disponibiliza para o mercado uma vasta gama de presuntos e enchidos, todos eles produzidos a partir de animais de raça ibérica. “Com uma oferta composta por cinco marcas, onde a estrela é a Joselito, considerado o Melhor Presunto do Mundo, o ano de 2017 fechou com um registo muito positivo com um crescimento de 83% face a 2016 e onde as duas principais marcas cresceram substancialmente (Joselito e Sanchez Alcaraz). De referir que o segmento de charcutaria representou, em 2017, 75% das compras da Iguarias aos seus fornecedores. Este crescimento foi possível não apenas através do crescimento junto dos habituais clientes mas também através da aquisição de um concorrente durante o primeiro trimestre de 2017”, realçou o responsável.
Para 2018, a empresa irá manter a aposta nas marcas representadas, sendo que na parte comercial há algumas novidades. “Por um lado, passamos a ter uma presença física no espaço Gourmet Experience do El Corte Ingles com a marca Joselito, e no canal Horeca estamos a reforçar a nossa presença junto dos clientes com o alargar da equipa comercial. Com esta decisão, esperamos conseguir aumentar a nossa base de clientes e continuar a crescer de forma orgânica. Os objectivos para 2018 é crescer 15% e aumentar a nossa presença no mercado de Lisboa e Cascais com um crescimento no número de clientes”, adiantou Bruno Filipe Costa.
Acrescentando que a principal dificuldade continua a ser “a relação entre os pagamentos aos nossos fornecedores e os recebimentos dos nossos clientes. Continuamos a viver uma tradição onde os pagamentos no canal Horeca são muito desfasados das nossas obrigações junto dos fornecedores e responsabilidades fiscais. Enquanto o sector mantiver práticas desrespeitadoras dos prazos de pagamento e não respeitar os seus fornecedores, inclusive com a ajuda de outros fornecedores que substituem empresas concorrentes junto de clientes com dívidas a esses mesmos fornecedores, os planos de tesouraria irão manter-se como a principal dificuldade das empresas e a estrangular o crescimento e as rentabilidades”.
Inovação e consumidores informados
França e Brasil são os principais mercados da A. Pires Lourenço & Fls. “Os grandes mercados e aqueles que maior poder de compra tem estão-nos vedados por imposição legal. O país tem feito pouca diplomacia económica para abrir novos mercados ao setor da carne. A segunda grande dificuldade está relacionada com a forma como não promovemos o setor lá fora. Não temos imagem criada, e por isso na hora de comprar presunto muitos países fazem-no em Espanha ou Itália”, salienta Mário Dias, diretor comercial da empresa. Para o porta-voz, o setor tem pontos fortes como os custos de mão de obra mais baixos, empresas organizadas, capacidade de adaptação aos requisitos dos mercados. Mas “falta-nos o mais importante: dimensão produtiva e a imagem de país exportador no setor da carne”, afirma.
A empresa dedica-se à cura e transformação de presuntos, desde 1955. Desde peças inteiras com osso e sem osso, pedaços de peso fixo e fatiados, tem no seu portefólio todas as gamas desde a profissional, food service e conveniência. Mário Dias revela que a maior facturação de sempre da empresa foi registada no último ano, com mais de nove milhões de euros, tendo especial enfoque a gama de conveniência.
Então e como vê o setor do presunto em Portugal? “Como não tem sido possível refletir nos preços o aumento do custo dos factores de produção, de mão de obra principalmente, e de investimento, dada a permanente necessidade de inovação, alguns dos produtores reduziram a sua produção. A cura de presuntos é um negócio de capital intensivo, o que pela estrutura de capital das nossas empresas limita os seus crescimentos à sua capacidade de geração de valor na actividade”, responde.
Além da taxa do IVA a 23%, sendo que em Espanha é de 10%, “a concentração da oferta de matéria-prima, o que nos deixa um reduzido peso negocial; a escassez de mão de obra qualificada para trabalhar no setor, a dificuldade em competir com a concorrência espanhola quando a nossa taxa de IVA é de 23% e a de Espanha é de 10%. Principalmente nas regiões fronteiriças, este último fator faz-se notar de forma bastante séria”, refere.
Conhecedor dos dados, Mário Dias é da opinião que além do consumidor ver o presunto como um alimento seguro, saudável, e natural. “O aumento da oferta na gama de conveniência e a deflação real verificadas ajudarão também a explicar esse aumento de consumo de presunto”.
Para o futuro, a empresa quer “manter a aposta na inovação das formas de apresentação e consumo do presunto. Manter os consumidores informados sobre as vantagens do presunto numa dieta cuidada e equilibrada”. Além disso, Mário Dias considera que as empresas “devem especializar-se, para terem massa crítica e se focarem em melhorar cada vez mais aquilo que já fazem bem. Neste setor, a diversificação de produtos é cada vez mais inimiga da perfeição. Há que ganhar escala, e fazê-lo bem feito, à primeira. Só assim poderemos aumentar os níveis de confiança de quem não nos conhece”.
“A categoria do presunto é das mais dinâmicas”
A Damatta iniciou a sua produção e comercialização de presuntos em 1907, na localidade de Envendos, no concelho de Mação. Com mais de cem anos no mercado, para Marco Andrade, Marketing Manager do Grupo Montalva, que detém as marcas Izidoro, Damatta e Montalva, “o segredo do seu sucesso está nas características ambientais e climáticas muito próprias de Mação, com um microclima favorável à produção e secagem do presunto e o seu ‘saber fazer’ ancestral associado aos processos de salga e cura”. O portfólio de presunto da marca estende-se desde uma gama extensa de fatiados até às pernas de presunto, sempre com diferentes meses de cura.
Relativamente às vendas de 2017, a marca Damatta, que também se encontra em África, América do norte e Europa, “registou excelentes resultados com as inovações, destacando-se um presunto reserva embalado a vácuo. Globalmente e fruto de uma diminuição acentuada da intensidade promocional, não conseguiu o crescimento que vinha a registar nos últimos anos, mas manteve, ainda assim, a liderança na categoria”, esclarece o responsável. Esclarecendo que “a categoria do presunto é das mais dinâmicas dentro da área da charcutaria e tem crescimentos nos últimos três anos, tanto em valor como em volume, registando em 2017 um crescimento superior a 10%. Trata-se de um setor bastante pulverizado, ou seja, com muitos players, em que a presença de marcas espanholas tem vindo a crescer, bem como o peso das marcas de distribuição. Em termos de oferta, tem-se assistido a um incremento mais forte no embalado a uma maior procura de produtos de maior valor”.
Segundo Marco Andrade, este crescimento na categoria deve-se em muito ao “investimento que as marcas e os principais players da distribuição têm feito mas, acima de tudo, demonstram que esta categoria está cada vez mais presente nos hábitos alimentares dos portugueses, quer sob a forma de petiscos quer numa vertente mais ‘gourmet’”.
Aliás, quando perguntamos sobre o futuro, inovação e comunicação são as palavras de ordem. O objetivo é “continuar a desenvolver novos formatos e novas gramagens, com o objetivo de antecipar e responder às novas tendências de consumo e às exigência do shopper, inovando com propostas de valor que combinem sabor, tradição e qualidade que, a par do controlo da cadeia de valor desde a sua origem, são o ADN da marca Damatta. Aproximar a marca dos consumidores apostando, num reforço da comunicação omnicanal, na relevância e amplificação das mensagens e numa boa experiência de consumo, que permita fidelizar os consumidores”, adianta.