No marketing de influência, a fraude e os falsos seguidores são um problema cada vez mais sério. O que podem as marcas fazer para garantirem um bom investimento?
Em abril do ano passado, a fotógrafa Sara Melotti escreveu no seu blogue “Behind the Quest” um texto explosivo em que revelava todas as artimanhas usadas no Instagram para conseguir mais seguidores, mais gostos e mais atenção das marcas. Melotti, que publica fotografias de viagens, atribuiu a aparição de truques sujos por parte dos influenciadores às alterações no feed do Instagram, que deixou de ser cronológico e passou a ser governado por um algoritmo. Há algumas semanas, a fotógrafa foi mais longe e caracterizou o estado da rede social, uma das mais importantes no mundo dos influenciadores, como minada de fraude, falsidade e sem qualquer meritocracia.
O segundo texto coincidiu com o primeiro dia do festival Cannes Lion, em que o diretor de marketing da Unilever Keith Weed declarou que a marca deixaria de trabalhar com influenciadores que comprassem seguidores ou mostrassem práticas fraudulentas. Foi esse o ponto em que algumas agências de marketing dedicadas aos influenciadores perceberam que o caso era sério e requeria mudanças de fundo.
O problema está à vista de toda a gente. É muito fácil encontrar sites que vendem seguidores falsos por preços acessíveis”.
Dois meses antes, o Points North Group tinha revelado as dez empresas que mais investiram em influenciadores com seguidores falsos no Instagram durante o mês de março. A Ritz-Carlton apareceu em primeiro, porque as suas publicações patrocinadas atingiram o nível exorbitante de 78% de seguidores falsos. Na segunda posição estava a Aquaphor, com mais de metade (52%) e na terceira a L’Occitane, com 39%. Pampers, DSW, Crocs, Lulus, Neiman Marcus, gelados Magnum e Olay completaram a lista.
O problema está à vista de toda a gente. É muito fácil encontrar sites que vendem seguidores falsos por preços acessíveis; o Buzzoid, por exemplo, oferece “seguidores de qualidade” a começar nos 2,5 euros por cada 100 e a ir até 34,9 euros por pacotes de 5000. É possível comprar outro tipo de serviços, tais como gostos e comentários para subir o nível de aparente envolvimento da audiência com um conteúdo, ou estratégias como seguir/deixar de seguir utilizadores de forma aleatória e automática.
O alarme soado pela Unilever, que em Portugal controla marcas como a Olá, Dove, TRESemmé ou Skip, já começou a ter alguns efeitos nas agências internacionais. A principal alteração que está a verificar-se é uma mudança na forma como os custos são calculados: em vez de número de seguidores, algumas agências vão passar a cobrar por “impressões” em cada publicação. É algo que, segundo a Digiday, está a ser feito pela Collective Bias e Fohr, enquanto a Ahalogy decidiu acrescentar rastreio de impressões à sua plataforma e a Peersway procura agora identificar que percentagem de seguidores falsos cada influenciador tem.
O panorama em Portugal
O mercado nacional é mais pequeno e menos maduro, mas há várias marcas que apostam no trabalho com influenciadores, tais como a Huawei, NOS, Samsung, Clinique ou FILA, entre muitas outras. A Unilever FIMA também o faz., “como parte integrante do plano de comunicação das marcas”, indica Teresa Burnay, diretora de Home & Personal Care e de comunicação. “Acreditamos que o influencer marketing permite-nos impactar o consumidor de forma contextualmente mais relevante”, explica a responsável, adiantando que o alerta do diretor Keith Weed terá efeitos mas a preocupação não é de hoje.
“Desde que começámos a trabalhar com influenciadores digitais que nos preocupamos com estas questões e trabalhamos para garantir escolhas íntegras”, refere Teresa Burnay. A política internacional da companhia vai cimentar essa procura por “aqueles que cumprem requisitos de integridade e transparência.”
A questão já não passa ao lado dos especialistas que trabalham com marcas como a Unilever, que normalmente recorre a agências de marketing digital “para garantir maior segurança” na escolha dos influenciadores. “Esse é um risco que se corre sempre”, diz Fernando Batista, fundador da agência Tábua Digital, sublinhando que “nenhum influenciador pode garantir que não tem nas suas fileiras seguidores falsos.”
A Tábua, assim como outras agências, insiste na necessidade de olhar para lá do número de seguidores na hora de selecionar influenciadores para trabalharem com as suas marcas. “Por essa mesma razão procuramos focar na tipologia de interação e empatia com a marca”, explica. “Estes dois pontos são essenciais para obtermos um comportamento positivo por parte dos influenciadores, comportamento esse que se torna verosímil e real no seu dia a dia, garantindo à marca uma credibilidade que doutra forma não conseguiria.”
Nem todos fazem isto. Margarida Vargues, blogger à frente do Pano pra Mangas, tem assistido a um deteriorar da situação. “A questão dos falsos seguidores é uma coisa a que estou atenta”, refere. “Foi uma forma fácil que estes pseudo-influenciadores arranjaram para se tornarem conhecidos ou apetecíveis. E depois há as agências e as marcas que não fazem os trabalhos de casa como deve ser, olham apenas aos números e não aos conteúdos que são criados.”
As plataformas precisam continuar a investir em formas de combater esse problema”.
Miguel Sabino, CEO da rede Thumb Media, afirma que a possibilidade de “comprar” seguidores é uma realidade e por isso há quem o faça. No entanto, sublinha que isto pode passar-se tanto do lado das marcas como do lado dos influenciadores, e que isso é verificável. “É algo que uma marca que faça o seu trabalho de casa consegue detetar na escolha do perfil ou perfis”, afirma.
Além disso, o responsável – que representa uma rede de produção e gestão de conteúdos de influenciadores – considera que a questão dos falsos seguidores “é mais um problema das próprias plataformas do que dos influenciadores ou do mercado de influência.” Nos últimos tempos, o Facebook (que detém o Instagram), o Twitter e o YouTube têm feito purgas para tentar minimizar o problema, que põe em causa as suas estratégias comerciais. “As plataformas precisam continuar a investir em formas de combater esse problema”, sublinha o responsável, “porque só as que o conseguirem fazer se vão manter relevantes para as marcas estarem, e onde estiverem as marcas estará o investimento – e onde está o investimento estarão também os influenciadores.” Só em 2017, o mercado de marketing de influência valeu dois mil milhões de dólares, ou 1,7 mil milhões de euros.
Um problema português
Como as marcas em Portugal acordaram mais tarde para o marketing de influenciadores, ainda há muitas práticas incipientes, que nem sempre produzem os resultados esperados. De acordo com os especialistas, um dos erros é insistir num grupo restrito de influenciadores com grande número de seguidores e presença habitual nas campanhas de várias marcas. É o que aponta Miguel Sabino, para quem até existe um mercado sui generis de influenciadores em Portugal. “Temos muitos, mas as principais marcas apostam sempre nos mesmos, pois consideram serem apostas seguras, o que quer que isso queira dizer.”
Para o responsável, é possível distinguir vários tipos de influenciadores no mercado português: as celebridades, que alargaram “a sua marca pessoal para o digital”, as “wannabes que inundam o Instagram” e fazem “posts sem conteúdo rico e que possa ajudar a contar uma história sobre a marca”, os Youtubers, que “não são assim tantos os que conseguem ter impacto real”, e os bloggers, “onde temos desde micro-influenciadores a profissionais de blogging que neste momento são influenciadores/as multi-plataforma. Neste capítulo, diz Miguel Sabino, “temos muitos e bons nas diversas áreas.”
Cabe às marcas diversificarem as suas escolhas e fazerem-no de forma inteligente, o que nem sempre acontece. Hugo Ferreira da Silva, CEO da agência digital Brandtellers Studio, aponta alguns equívocos. “O mercado português já tem diversos influenciadores reconhecidos inclusive fora do mercado digital. No entanto o ‘salto’ dado de alguns influenciadores está a tornar o mercado especulativo e algumas marcas tendem a selecionar os mais badalados no offline esquecendo-se muitas vezes do novo consumidor digital.” Isto significa um certo alheamento face ao consumidor que não vê televisão nem lê jornais. “O trabalho de uma agência digital passa também por ajudar e informar as realidades de um mercado em constante mudança.”
Catarina Beato, do blogue Dias de uma Princesa, assume fazer parte de um grupo de influenciadoras constantemente procuradas dentro de certas características – na faixa etária dos 40 e com vários filhos. No entanto, sublinha que “existe um mundo novo de influenciadores – eu reparo principalmente nas raparigas – na faixa etária dos 20 anos” onde vê que as marcas gostam de investir.
A predominância de certos influenciadores que parecem estar mais ativos nestas parcerias, segundo o diretor da SamyRoad Portugal, Francisco Morgado Véstia, tem várias explicações. A primeira é que a maioria das marcas recorre a agências de representação de influenciadores, celebridades e grupos de afiliação, o que faz com que os talentos disponíveis sejam aqueles que estão dentro destas redes. Por outro lado, muitas agências não usam tecnologias de identificação e planeamento, o que faz com que imitem os exemplos que já existem: os influenciadores que trabalham com marcas habitualmente são os primeiros a serem considerados para demografias e produtos semelhantes. “Existe também o fator de ‘conforto’ das marcas com caras e personalidades que reconhecem, muitas vezes, de campanhas que viram no ativo de outras marcas. O que ajuda ao fator de repetição e mímica”, explica.
Os erros que as marcas cometem
Olhar para o número de seguidores como principal métrica de escolha de um influenciador é algo que as marcas devem evitar, dizem os especialistas, mas não apenas porque podem ser números artificialmente inflacionados. Francisco Morgado Véstia admite que o problema dos influenciadores com seguidores falsos existe em Portugal, mas refere que é “apenas uma pequena parte de um problema maior: afinidade demográfica real dos influenciadores com a audiência potencial para a targetização das campanhas.”
De acordo com os especialistas, um dos erros é insistir num grupo restrito de influenciadores com grande número de seguidores e presença habitual nas campanhas de várias marcas”.
Ou seja: não é só com os olhos falsos que as marcas e agências devem preocupar-se. “O problema de uma audiência inexistente, como é o caso dos seguidores falsos, é óbvio e de fácil explicação na sua total evidência”, afirma Morgado Véstia. “Mas se acrescentarmos a isto a demografia?”
O responsável clarifica que, mesmo que um influenciador tenha muitos subscritores reais e ativos, se estes estiverem numa geografia diferente – por exemplo no Brasil – não servem de nada. “Que valor tem este criador para uma marca que vende exclusivamente em Portugal?”, questiona. Da mesma forma, uma influenciadora que produz bons conteúdos no Instagram não é apropriada para uma marca que vende produtos para mulheres entre os 25 e os 34 anos se esta demografia representar apenas 7% dos seus seguidores.
Margarida Vargues, do blogue Pano pra Mangas, aponta para este desencontro como sinal que a marca não pesquisou bem o influenciador. A blogger conta que já recebeu produtos que “não faziam sentido nenhum” no perfil do seu blogue, algo que também aconteceu a Catarina Beato – quando foi contactada por uma marca de copos menstruais numa altura em que estava grávida.
É um desencontro visível quando uma campanha parece contradizer o estilo de um influenciador. Margarida dá o exemplo: “Há [bloggers] que são apologistas da alimentação saudável e de repente estamos a vê-los numa cozinha do McDonald’s.” Depois também há o excesso: “Não há influenciador que não tenha um cupão de desconto da Prozis.”
Outra asneira frequente, considera, é quando as marcas fazem campanhas com envio de produtos em massa para vários influenciadores do mesmo segmento. “Temos, num período de dois a três dias, as pessoas a falarem dos mesmos produtos, os mesmos press releases. As palavras são as mesmas, o que para o consumidor é cansativo”, considera. Isto torna-se flagrante mesmo quando os influenciadores não revelam que se trata de um patrocínio ou parceria.
“Já deixei de seguir uma série de pessoas por causa do unboxing”, revela ainda. “Nós sabemos exatamente a que horas é que o carteiro bate à porta: 11h30, meio-dia e começa tudo a fazer unboxing do mesmo produto.”
As boas práticas, segundo os especialistas
Se o investimento em influenciadores não produzir os resultados esperados, isso é mau para o mercado como um todo – as marcas desperdiçaram dinheiro, as agências perderam o cliente e os influenciadores não conseguiram demonstrar influência. “O trabalho de identificação dos influenciadores para as marcas é mais importante que um influenciador com muitos seguidores”, resume Hugo Ferreira da Silva. As questões a fazer são estas, diz: “Qual o público-alvo, o que se pretende comunicar e qual o tom da marca?”.
A SamyRoad Portugal dedica-se a este alinhamento entre marcas e influenciadores com uma tecnologia proprietária de planeamento, a ShineBuzz, que inclui algoritmos de medição. A agência emprega dois métodos: usa a ferramenta para planear campanhas com influenciadores “escolhidos não com base na sua audiência potencial na forma de seguidores, mas com outros KPI e métricas mais pertinentes” e combina com critérios qualitativos que são validados pela equipa. “Se numa primeira fase, o recurso a influenciadores representa em si mesmo uma novidade e disrupção, o futuro mostra como otimização dos mesmos para chegar a nichos demográficos, ou para passar uma presença menos óbvia da marca, será o driver de maior investimento no sector por parte dos clientes.”
Na Tábua Digital de Fernando Batista, a metodologia centra-se em ter respostas claras em três questões: “os valores e visão da marca, qual a mensagem que se pretende difundir da marca, que objetivos se pretende atingir.” O resto, explica, é análise de potenciais influenciadores – o tal trabalho de casa.
Isto inclui conferir se não existem incompatibilidades óbvias, como convidar um fã do iPhone a fazer campanha por um smartphone rival. Ou considerar um influenciador que não gosta de chocolate para uma marca de chocolates: “Parece um exagero, mas é algo que já aconteceu – com outros produtos diferentes de chocolate, naturalmente”, conta Miguel Sabino. O responsável da Thumb Media sugere também que as marcas têm de compreender que “o influenciador é ele próprio uma marca”, que deve ser respeitada. “A marca só tem a ganhar se colaborar com o influenciador não só na definição da estratégia, como – principalmente – na produção do conteúdo.”
Os influenciadores são os novos meios do ‘product placement’”.
O indicador mais fiável na hora da escolha deve ser a análise do volume e qualidade das interações dos seguidores, diz Fernando Batista. Alguém que tem um milhão de seguidores legítimos mas não apresenta muitos comentários ou tem uma percentagem de gostos inferior ao esperado tem baixo envolvimento, o que é mau para uma parceria.
É importante, por isso, definir os objetivos da campanha desde o início, para que as expectativas não sejam defraudadas. Hugo Ferreira da Silva refere que “o retorno de investimento consegue ser medido mais eficazmente do que os meios tradicionais”, dada a quantidade de dados em tempo real que são extraídos das publicações. As marcas, sublinha, procuram mais que notoriedade. Querem resultados quantificáveis e muitas vezes imediatos, medidos em visualizações, cliques, visitas ao site, compras, subscrições e outras ações concretas. Quando os objetivos são mais tradicionais, então as métricas aproximam-se das que são usadas nos outros tipos de campanhas publicitárias.
“Os influenciadores são os novos meios do ‘product placement’”, declara o responsável. “Se antigamente víamos como alvos do ‘product placement’ as telenovelas e séries televisivas, atualmente os espaços geridos e criados pelos influenciadores são os espaços desejados pelas marcas.” Fernando Batista vai ainda mais longe e diz que “Neste momento, o tema influenciadores online parece ser encarado como o ‘El Dorado’”. Só que há riscos no exagero, e não passam só por desperdiçar dinheiro com seguidores falsos. O executivo acredita que vamos começar a ver, a curto prazo, “muitas marcas a deixar cair por terra estratégias de comunicação centradas ou baseadas em influenciadores online”, por não conseguirem medir ou obterem resultados pouco relevantes. “O trabalho com os influenciadores tem de ser encarado como algo que tem o seu papel de destaque e com relevo, quando incluído de forma concertada com um plano de comunicação e marketing integrado.”