A celebração dos dez anos sobre o lançamento do Semáforo Nutricional do Continente foi o mote para uma conversa com Ana Alves, que acaba de assumir a Direção Comercial de Marcas Próprias do Continente. A insígnia está focada em “robustecer” a sua gama de referências próprias e, em 2019, investirá em ‘segmentos tendência’: saúde, biológicos, transparência e sustentabilidade.
O Semáforo Nutricional do Continente foi uma das primeiras estratégias da Sonae para a promoção da Literacia Alimentar. O tema está na ordem do dia e, em entrevista à DISTRIBUIÇÃO HOJE, Ana Alves diz não ter dúvidas de que a indústria deve assumir uma posição dianteira na comunicação de melhores hábitos alimentares.
O Semáforo Nutricional do Continente está a celebrar dez anos, mas quatro em cada dez consumidores ainda tem dificuldade em entender informação nutricional. De que forma têm procurado abordar este problema?
A dificuldade de interpretação dos rótulos é uma coisa que toca um pouco a todos nós. É difícil, quando queremos escolher algum produto ou quando temos alguma necessidade específica do ponto de vista nutricional, não é fácil interpretarmos os rótulos. De facto, a maior parte das pessoas não sabe ler nem interpretar os rótulos. O semáforo não é uma substituição daquilo que é o rótulo: é um complemento.
Quando leio a composição nutricional, vejo uma tabela altamente complexa e tenho informação sobre a energia, as gorduras, o sal, o açúcar, que são, digamos assim, as informações para as quais as pessoas devem olhar e devem saber. No entanto, não sei se isto é muito, pouco, bom ou mau. O semáforo tenta fazer, no fundo, uma escala, dizendo que para um alimento ser equilibrado deve ter por cada 100 gramas determinadas quantidades de açúcar, sal e gorduras saturadas. Para além disso, alerta-nos sempre que o produto está acima dessas recomendações, com um sinal encarnado, sempre que está na média ou apenas um pouco acima, com um sinal amarelo, e sempre que está abaixo, com um sinal verde.
Isto ajuda-nos a perceber que quantidade e com que frequência podemos consumir aquele alimento. Não quer dizer que um alimento por ter um semáforo encarnado em algum dos componentes seja um alimento mau.
Do ponto de vista de mercado, é de facto uma inovação. Não é uma invenção da Sonae. O semáforo surge em Inglaterra e nós, de facto, fomos pioneiros a trazê-lo para Portugal e a colocá-lo na frente do rótulo. Posso dizer-lhe que quando o fizemos havia muito receio, algumas dúvidas e algum ceticismo em relação a este movimento, porque as pessoas diziam: “Mas só nós é que vamos ter produtos com semáforos encarnados na frente das embalagens. Mais ninguém trabalha dessa forma. O resto do mercado não está aí e vão achar que o nosso produto é pior do que os outros”.
Na verdade, o que percebemos é que o cliente quer saber e o cliente premeia a transparência.
E dez anos depois, o consumidor já sabe ler este semáforo?
O consumidor já se habituou a encontrar esta ajuda nos nossos produtos. O feedback que temos dos nossos consumidores é que, se tem uma preocupação específica com sal, ou com gordura saturada ou açúcar, sabe que facilmente encontra os produtos que pode consumir sem problemas e aqueles com que tem de ter maior cuidado.
Ajuda na tomada da decisão de compra?
Sim, ajuda na tomada da decisão de compra, e não apenas o semáforo. Nós [mercado] temos vindo a fazer um movimento. O mercado está sensibilizado para a problemática que é o excesso do consumo de açúcar, sal, gordura, e toda a indústria e o retalho têm feito um movimento de redução destes componentes nos alimentos, no entanto, adicionalmente a esse movimento, lançámos uma linha que se chama Continente Equilíbrio, onde tentamos ir um bocadinho mais longe. E isto também é uma ajuda para o cliente. Se eu tenho, de facto, uma necessidade nutricional e procuro elementos mais equilibrados, esta gama também é uma ajuda. A linha Continente Bio também ajuda quem quer adotar estes hábitos de consumo.
É uma tendência, o ‘bio’?
Sem dúvida. Estas linhas [Equilíbrio e Bio] crescem a dois dígitos.
Saber “ler” os alimentos
E serão alargadas ao longo de 2019? Quer avançar que produtos serão lançados ao longo deste ano para responder a esta tendência de consumo?
Na linha Continente Bio começámos com uma gama muito curta e fechámos 2018 com cerca de 100 produtos. Na linha Continente Equilíbrio temos muitos mais. Esta é uma linha que já pesa 5% das nossas vendas de marca própria e queremos que ela ganhe um peso ainda maior.
Isso significa que serão as gamas em que vão investir mais? Em que vão lançar mais produtos?
Sim, e reforçar as propostas que já temos. Comunicá-la melhor, também. Dar a conhecer os produtos e os seus benefícios.
A literacia alimentar e o reforço do combate ao desperdício também vão ser uma das vossas apostas? Ainda existe a ideia de que a grande distribuição é a maior responsável pelo desperdício alimentar?
O projeto ‘À roda da Alimentação’, que recentemente lançámos, vai endereçar várias temáticas, mas pretende desmistificar temas como a questão da leitura dos rótulos, o ‘consumir até’ ou ‘preferencialmente até’ ou a importância dos frescos na base da alimentação, porque, às vezes, recorremos a alimentos processados para ter uma alimentação mais equilibrada, sem necessidade. Se não temos uma intolerância, por exemplo, basta muitas vezes reforçar aquilo que é a nossa base de alimentação.
Nos últimos anos, tem-se assistido a uma ‘luta’ contra o glúten, por exemplo, e existe a ideia de que o glúten é mau. É esse o tipo de mitos que querem desmistificar?
É isso mesmo. E também há grandes indústrias por detrás disso e acredito que também ajudem a potenciar esses fenómenos. O que acontece é que hoje há um maior conhecimento das pessoas relativamente às suas alergias e intolerâncias. Nós, do ponto de vista médico e científico, fomos evoluindo. A intolerância ao glúten é um bom exemplo: estima-se que esta intolerância afete 1% da população. Quem não é intolerante ao glúten não precisa de fazer uma dieta de glúten, mas o que acontece é que este é um componente que está naturalmente presente em alimentos que engordam: pão, bolachas, bolos. E quando fazemos uma dieta de privação de alimentos com glúten, emagrecemos. Associação direta na cabeça das pessoas: é o glúten que me engorda, portanto, vou procurar alimentos sem glúten. Mas, por exemplo, se uma bolacha for processada para não ter glúten, ela engorda tanto ou mais do que uma bolacha ‘normal’. De facto, não faz muito sentido uma pessoa que não tem uma intolerância ao glúten optar por esse tipo de produto. Às vezes, do ponto de vista nutricional, uma simples Bolacha Maria, pode ser mais saudável do que uma bolacha sem glúten. É importante explicar estas coisas, mas não conseguimos sem o esforço e envolvimento de todos. Isto começa nas escolas, em casa… a indústria tem de fazer o seu papel, o retalho também, porque quanto mais informados formos,melhores escolhas vamos fazer.
A nossa preocupação tem sido não enveredar por uma comunicação muito assente em dietas radicais e sempre na base do equilíbrio. Queremos ajudar a fazer escolhas conscientes.
Combate ao desperdício
Outra das vossas grandes apostas, que também é uma inovação no mercado, foi a gama de Economia Circular. Lançaram o Panana, os chutneys, os doces. Estão preparados para lançar novos produtos nesta linha?
Estamos. Até por uma questão da sustentabilidade do negócio. Temos uma preocupação grande com a quebra e, portanto, tentamos ajustar aquilo que é o abastecimento das lojas àquilo que são as necessidades dos consumidores, de forma a que não gere muito desperdício.
Por uma questão de cariz económico, nunca iremos potenciar o desperdício alimentar. O que estamos a fazer, neste momento, é tentar trabalhar no reaproveitamento, sabendo nós que temos de ser muito conscientes e perceber que o reaproveitamento é dentro daquilo que são condições elegíveis para o produto ser aproveitado e transformado. Estes não são produtos que nós lançamos para fazer lucro, mas que têm, sobretudo, este propósito de reaproveitar e de trabalhar a consciência de todos para a importância de reduzir o desperdício alimentar e de acabar com aquele que continua a existir.
Na área alimentar, encontramos já o Panana, os chutneys, as compotas… Com o Panana, os dados mais recentes [outubro de 2018] apontam para uma estimativa anual de 80 mil bananas reaproveitadas. Para além disso, temos um novo produto em pipeline que é uma cerveja feita a partir de excesso de pão.
E para além da cerveja, têm mais algum produto na calha para a redução do desperdício?
Sim, uma linha em que estamos a trabalhar de forma muito afincada para conseguir lançar toda a gama. É uma gama que já existe. No fundo, é substituí-la por um produto que seja de Economia Circular, numa gama inteira. Acho que vai ter algum impacto e pode vir a ser bastante relevante.
Mas não falamos apenas de desperdício alimentar. A cadeia de distribuição, como um todo, gera outros desperdícios, como os plásticos, e também aí estamos a trabalhar de forma a perceber como é que conseguimos conter este circuito, não só para reduzir as quantidades que utilizamos, mas também para reutilizar algumas delas.
Isso quer dizer, por exemplo, que estão a estudar novas soluções de embalagem sem plástico?
Sim, sendo que, por vezes, não é tão linear que a redução do plástico seja um combate em si ao desperdício. Dando um exemplo: no caso das bolachas de pequeno-almoço, muitas vezes usamos as doses individuais e há clientes que nos têm questionado porque é que usamos mais plástico para embalar três bolachas. A verdade é que sabemos que se eu abrir o pacote e consumir três e mantiver o pacote aberto, provavelmente, vou gerar desperdício alimentar. Há trade-off entre plástico e desperdício alimentar que também tem de ser feito e aqui é uma forma de assegurarmos que, indo em doses individuais, o produto é todo consumido e nada gera desperdício.
Por isso, sim, estamos a olhar em várias vertentes. Na vertente da substituição, em alguns casos, nomeadamente cuvetes e produtos que requeiram muito plástico, e na tipologia do plástico e na sua redução sempre que isso não coloque em causa a qualidade do produto ou a estanquidade da embalagem, que são, naturalmente, preocupações nossas.
Por outro lado, aquilo que é plástico gerado na operação e no negócio estamos também a estudar como é que o reincorporamos na nossa cadeia.
Na verdade, o plástico não é um mau produto, ou é? Parece que se vulgarizou esta ‘luta’ contra o plástico, mas o problema não será aquilo que fazemos após a sua utilização?
Exatamente. Porque abolirmos, pura e simplesmente, não é solução. O plástico é o derivado de uma indústria que hoje existe e tem a sua utilidade. Temos é de garantir que o fazemos de forma sustentável. A nossa preocupação é um pouco essa: a redução e a substituição, sempre que possível, por plástico reciclado. A sua reutilização é aquilo que mais nos preocupa hoje, porque a extinção pura e simples não resolve o problema, até porque a indústria do petróleo vai continuar a gerar os seus subprodutos, portanto, eles vão ter de ter uma saída e o nosso foco tem sido sempre na forma como reutilizamos e como garantimos que o circuito fecha e que o plástico não entra em contaminação na cadeia alimentar.
Para além da gama de Economia Circular, que outras gamas vão ser alvo de reforço ao longo deste ano?
Como falávamos há pouco, a gama Continente Equilíbrio é uma das que pretendemos reforçar, a Continente Bio também, e vamos reforçar a uma velocidade maior as áreas onde a marca própria ainda não tem uma quota tão grande e onde estamos mais atrasados do ponto de vista de desenvolvimento, nomeadamente nas áreas de Beleza e em Bebidas.
Diferenciação pela marca própria
Hoje em dia, os produtos de marca própria ainda são vistos pelo consumidor como produtos de menor qualidade?
As marcas próprias evoluíram imenso. Há um investimento muito grande no lançamento de produtos que sejam novos no mercado. Por exemplo, quando nós chegámos com Skyr Líquido, ninguém tinha. Não havia marca nenhuma que tivesse e o cliente gosta e ganha gosto pela marca. É verdade que existe sempre aquela componente económica e o consumidor percebe que é algo que, do ponto de vista do valor que eu dou pelo retorno que tenho, é uma escolha smart.
Mas também já há muita afinidade com a marca. Nós, para desenvolvermos os produtos, e sendo uma empresa nacional, recorremos aos nossos clientes. São eles que nos inspiram nos sabores e testamos com painéis de consumidores para garantir que o produto sai ao gosto do consumidor português. E isso não é imediato, mas no longo prazo tem trazido essa afinidade com a marca. O cliente premeia a surpresa e a inovação e o facto de o produto ter a qualidade que ele espera.
Quanto vão investir este ano em marca própria?
Não lhe posso dizer, mas posso dizer-lhe que é um eixo estratégico para nós e acredito que também para os nossos concorrentes, porque diferencia. Obviamente, somos uma casa de marcas e vamos sempre privilegiar a profundidade da nossa gama e garantir que um cliente que entra no Continente encontra sempre o produto que procura, seja da marca que for e do formato que for. Queremos uma largura de gama e as marcas de fornecedor, e todas as suas inovações, para nós são superimportantes, mas percebemos que aquilo que distingue verdadeiramente uma cadeia de outra é a sua marca. É a única marca que é diferente e que só existe naquela insígnia. Para nós é estratégica. Por outro lado, é uma forma de nós irmos avançando mais rapidamente naquilo que percebemos que são as tendências do consumidor. A questão do sal, das gorduras e do açúcar, que há pouco falávamos, é uma coisa que nós também procuramos influenciar junto dos nossos fornecedores, mas Portugal tem o tamanho que tem, por isso, nós também vamos ‘bebendo’ daquilo que a indústria vai fazendo de forma transversal no mundo inteiro.
Na marca própria, temos a vantagem de podermos acelerar esse caminho e não esperarmos pelo resto da indústria, como fizemos com o semáforo nutricional. Não vamos esperar que os outros façam. Vamos avançar nós neste caminho de transparência. Temos equipa reforçada e dedicada à marca própria, temos um plano estratégico e objetivos ambiciosos para a marca própria que passam muito pelo robustecimento da proposta de valor. Já não estamos a falar de um período de grandes lançamentos em termos de quantidade de produtos ou de quotas muito baixas e de caminhos árduos para percorrer, mas de produtos cada vez mais competentes, porque concorrem com produtos também cada vez mais competentes. Vamos robustecer naquilo que são as tendências e no que o consumidor procura: os temas da saúde, da transparência, da sustentabilidade e do quão responsável é a marca.
Marca própria Continente em números*
- 4000 referências;
- 1 lançamento de produto por dia (entre novidades, melhorias, substituições);
- 60% das unidades vendidas de marcas próprias do Continente são produzidas em fábricas portuguesas;
- 40% das unidades vendidas, em volume, são de marca própria. Em valor, a percentagem é de cerca de 30%;
- Até ao final de setembro de 2018:
- 90% do leite vendido já era nacional, tendo sido comprados mais de 23 milhões de litros de leite fabricado em Portugal;
- foram vendidos mais de 100 milhões de iogurtes feitos com leite nacional, fabricados em Portugal na fábrica em Castelo Branco;
- foram compradas mais de 62 milhões de cápsulas de café de produção nacional. 100% das cápsulas de café são produzidas em fábricas portuguesas (Continente e Seleção);
- 100% do gel de banho e sabonetes líquidos são produzidos em Portugal;
- 100% dos molhos de mesa da marca são produzidos em Portugal;
- 100% das batatas fritas são produzidas em fábricas portuguesas;
- 99% das conservas de peixe vendidas são produzidas em fábricas portuguesas;
- 100% da água engarrafada da marca Continente é produzida em fábricas portuguesas.
*dados referentes a 2018