O impacto que o turismo está a ter nas vendas a retalho é bastante positivo, segundo muitos dos players do setor. O único problema parece ser quantificá-lo. A DISTRIBUIÇÃO HOJE falou com retalhistas, entidades públicas e agências criativas para perceber quem são os turistas compradores, como atraí-los, e que diferença têm feito no volume de negócios das marcas.
Em 2018, segundo dados do Turismo de Portugal, o peso das receitas turísticas representou 8,2% do PIB português, perfazendo um total de 16,6 mil milhões de euros. O país recebeu 24,8 milhões de hóspedes, 66,1 milhões de dormidas e um RevPAR (receita por quarto disponível) de 48,6 euros, uma subida de quase dois euros comparativamente a 2017. Este ano, a tendência ascendente parece destinada a continuar: “Em 2019, as primeiras boas notícias já chegaram. De acordo com o Banco de Portugal, entre janeiro e março deste ano, as receitas turísticas atingiram os 2 732 milhões de euros, um crescimento de 5,3% comparativamente aos primeiros três meses do ano passado. Isto é especialmente relevante se considerarmos que em 2018 já tínhamos atingido os melhores resultados de sempre no turismo”, disse Luís Araújo, presidente do Turismo de Portugal, à DISTRIBUIÇÃO HOJE.
De acordo com dados deste instituto público, por influência do turismo, o fluxo nos aeroportos aumentou, assim como o número de estabelecimentos hoteleiros e as exportações de serviços e bens. Mas, qual é que tem sido o impacto nas vendas e no retalho? Mais turistas implicam maior volume de negócios?
Para Susana Santos, diretora de comunicação e relações institucionais do El Corte Inglés, a resposta é “sim”, mas com algumas condicionantes. “No nosso caso, tanto em Portugal como em Espanha, tratamos o segmento de turismo com campanhas exclusivamente direcionadas e procuramos promover a nossa oferta de compras e de experiências tanto no destino — no caso português, em Lisboa e Gaia —, como na origem”, afirma. “Esta aposta tem-se traduzido em vendas e, tal como o mercado, temos registado um crescimento considerável. No entanto, temos consciência de que o aumento do número de turistas não se reflete diretamente no aumento do volume de negócios. Nem todos os turistas gastam o mesmo, nem todos têm as mesmas motivações, pelo que a nossa aposta tem sido mais direcionada para aqueles mercados que mais gastam no nosso país”.
Para a diretora de comunicação, a resposta passa por “diversificar a capacidade de atração”, dirigindo campanhas a diferentes nacionalidades, criando serviços que valorizem a experiência e oferecendo marcas e oportunidades capazes de agradar a diferentes públicos turísticos. “Se uns preferem as grandes marcas europeias, outros escolhem os produtos tradicionais portugueses e outros ainda buscam experiências gastronómicas ou marcas exclusivas”, explica.
Vender a “portugalidade”
Aposta semelhante, embora num segmento diferente, à que tem sido feita pelo Freeport Lisboa Fashion Outlet. “Seria imprudente considerar que o cliente turista é todo igual. No caso dos turistas extracomunitários, por exemplo, existe uma forte apetência por grandes marcas internacionais que normalmente não estão presentes nos países de origem, ou, estando, são menos acessíveis. Mas cada vez mais existe também a procura pelo ‘beautiful local’ e, não só nas marcas, mas em toda a experiência”, garante Catarina Tomaz, diretora de marketing da VIA Outlets em Portugal, que detém o espaço comercial em Alcochete.
Para satisfazer estes diferentes tipos de turista, a VIA Outlets, depois da extensa remodelação do espaço comercial a sul do Tejo, em 2017, tentou aproximar a experiência de visita ao Freeport à baixa lisboeta, em aspetos como a arquitetura urbanística do espaço e a oferta gastronómica. “Apesar de o foco do cliente turista ser a nossa oferta de marcas premium de vestuário e calçado, a verdade é que não nos podemos esquecer de que eles estão a visitar um país e apreciam, também aqui, a presença de elementos de ADN e tradição nacional”, explica.
De volta à margem norte do Tejo, no El Corte Inglés, Susana Santos refere que a diferenciação se faz também pelo serviço: “Dentro da loja procuramos, não só através da sinalética, mas, sobretudo, através do serviço personalizado, proporcionar um bom acolhimento e uma boa experiência de compra, associada a serviços exclusivos para turistas”.
Tal como no grande armazém espanhol, a VIA Outlets, que gere ainda o Vila do Conde Porto Fashion Outlet, no norte do país, tem tentado captar este segmento turístico há vários anos através de campanhas publicitárias. “Por essa razão, sempre registámos uma grande procura por parte do cliente turista, mas, sem dúvida, a procura tem vindo a aumentar gradualmente nos últimos anos, acompanhando a tendência do mercado nacional”, garante Catarina Tomaz.
Caracterizando estes compradores, a diretora de marketing explica que são clientes cada vez mais informados e que planeiam as suas viagens e as visitas — geralmente, fazem mais do que uma — ao centro comercial outlet.
“Temos uma grande percentagem de visitantes que viajam em grupo, de pequena e média dimensão, pelo que estamos a assistir a um crescimento cada vez maior do tamanho destes grupos, fruto da atratividade do nosso país e, sobretudo, da cidade de Lisboa para o mercado de business. Em termos de faixa etária, as idades variam entre os 25 e os 55 anos, e passam no mínimo meio dia nos nossos centros, sendo que muitos acabam por voltar no dia seguinte”.
Pela experiência dos seus 160 associados do setor retalhista, grossista e de comércio eletrónico, nas áreas alimentar e não alimentar, Gonçalo Lobo Xavier, diretor-geral da Associação Portuguesa de Empresas de Distribuição (APED), confirma o impacto positivo do turismo para o negócio de retalho: “Embora não existam dados isolados quanto ao volume de vendas feitas a turistas e visitantes, a experiência dos operadores do setor do retalho e distribuição dá nota de que, de facto, o contributo do turismo e o afluxo de cidadãos estrangeiros tem sido positivo e tem impacto nas operações”. Porém, acrescenta o diretor-geral da APED, “não se trata de uma procura massificada e transversal” ou seja, o impacto do turismo nas vendas é mais intenso consoante as regiões e épocas do ano em que se registam maiores fluxos turísticos.
Setor do retalho em crescimento
Indo ao encontro do que foi relatado pelas responsáveis do El Corte Inglés e VIA Outlets, Gonçalo Lobo Xavier explica que a adaptação dos operadores retalhistas ao crescente segmento turístico tem sido feita em duas vertentes: “Por um lado, na adaptação dos recursos humanos, em que necessariamente terão de existir cada vez mais colaboradores com formação adequada para dar respostas às necessidades dos turistas (por exemplo, no que diz respeito às questões linguísticas); por outro lado, no que concerne ao portefólio de produtos disponíveis para servir esses consumidores, que, procurando a ‘portugalidade’, também buscam referências que lhes sejam familiares”.
Apesar de não ser possível destacar o impacto do turismo nestes números, como frisou o diretor-geral da APED, o setor do retalho (alimentar e não alimentar) cresceu 3,4% em 2018, atingindo quase 21 mil milhões de euros de volume de vendas, de acordo com os dados do Barómetro de Vendas da APED.
“Concretamente, o retalho não alimentar assumiu um papel de destaque neste desempenho positivo ao crescer 4,3% em comparação a 2017, e o retalho alimentar registou um desempenho igualmente positivo, aumentando 2,8% no volume de vendas”, disse Gonçalo Lobo Xavier.
Números impressionantes, mas que podem continuar a aumentar caso o Turismo de Portugal continue a implementar com sucesso a sua estratégia. Enquanto o diretor-geral da APED se queixa de que a procura turística ainda não é massificada nem transversal, o presidente do Turismo de Portugal tem já planos para mudar a situação. “Temos como objetivo ser líderes do turismo do futuro: levar o turismo a todo o território, durante todo o ano, afirmando o setor como hub para o desenvolvimento económico, social e ambiental em todo o país. Queremos posicionar Portugal como um dos destinos turísticos mais competitivos e sustentáveis do mundo e tornar o nosso país um polo de referência na formação, inovação e na produção de bens e serviços para a indústria do turismo”, afirma Luís Araújo. “Temos procurado diversificar os projetos e ações que assegurem a sustentabilidade do turismo enquanto motor da economia nacional”, acrescenta.
E deixa exemplos: o lançamento, já este ano, do Programa de Ação para o Enoturismo 2019-2021, que visa potenciar o cross-selling entre vinho e turismo, induzir boas práticas e contribuir para a valorização de destinos e rotas de enoturismo; e o investimento de 200 mil euros numa campanha específica para o mercado britânico, a #Brelcome, criada para mitigar as consequências de uma eventual saída da União Europeia da parte do Reino Unido, que, sublinha Luís Araújo, é o “maior mercado emissor de turistas para Portugal”. A campanha foi alvo de críticas na Internet e redes sociais, mas parece estar a funcionar: segundo o presidente do Turismo de Portugal, “os números do Banco de Portugal indicam que, nos primeiros três meses deste ano, as receitas turísticas do mercado do Reino Unido em Portugal cresceram mais de 10%”.
Publicidade para turistas
Curiosamente, a falta de transversalidade territorial mencionada pelo diretor-geral da APED e que o Turismo de Portugal está empenhado em combater parece aplicar-se às próprias campanhas publicitárias para atrair o público estrangeiro. Pelo menos, esta é a opinião de Luís Pereira Santos, CEO da agência publicitária McCann Lisbon. Questionado sobre se as marcas nacionais estão direcionadas para a captação do mercado estrangeiro, a resposta não é animadora: “Excetuando obviamente o setor do turismo, e para ser sincero, não muito. Há alguma preocupação no setor do retalho, principalmente para o formato de proximidade e no dos bens de consumo rápido, mas parece ainda ser um fenómeno centrado em Lisboa. Começa é a haver mais foco nas novas comunidades imigrantes do que somente nos turistas”, explica.
Segundo o CEO, que admite que “há muito trabalho a fazer para este target”, as poucas campanhas existentes adaptam a sua linguagem e imagem, mas o grande desafio não é captar o consumidor em Portugal e, sim, no estrangeiro, quando este regressa a casa. “Aí as dificuldades são enormes, porque são raras as exceções das marcas portuguesas que exportam verdadeiramente para lá do mercado da saudade”, afirma Luís Pereira Santos.
Visão mais positiva tem Ricardo Miranda, metade da dupla criativa responsável pela agência de publicidade e branding lisboeta Wonder\Why, que criou em 2016, com Filipa Robalo. Com clientes como o Super Bock Group ou a Bensaude Hotels Collection, o cofundador da Wonder\Why acredita que o mindset empresarial mudou desde 2011, altura em que o país se encontrava em plena recessão económica. “Não há nenhum português hoje, que, quando lança uma marca, não pense no público internacional. Há muita faturação que pode vir daí. Somos um país pequeno e precisamos de sítios para crescer”, explica Ricardo Miranda.
O criativo salienta ainda a atitude “pró-estrangeiro” das empresas portuguesas, que não conseguiriam crescer se não tivessem um público de consumidores turistas. Ainda assim, admite que este fenómeno “é um pouco sazonal e não se sabe quanto dura”. O que é certo, garante, é que esta preocupação com a internacionalização das campanhas já se verifica a montante, isto é, há um esforço de preparação das marcas para construir plataformas que lhes permitam comunicar com o mundo inteiro. “Estamos a falar de marcas que contratam estrangeiros para captar essas nacionalidades e preparar a marca em si para ter essa cultura e valores, para ser capaz de captar outros mercados internacionais”, conta.
Na opinião de Luís Araújo, é também este esforço que muito tem contribuído para o sucesso turístico do país: “É importante sublinhar que todos os êxitos que o setor do turismo tem vindo a alcançar só foram possíveis graças à excelência das empresas, incluindo aqui, merecidamente, as empresas da hotelaria e retalho. Os números provam-no. Em 2018, foram 898 as empresas do turismo que receberam o emblema PME Líder e, destas, 472 atingiram o estatuto de Excelência”, refere o presidente do Turismo de Portugal. “Esta dinâmica empresarial, em consonância com a estratégia já referida, explica muito do crescimento que o turismo em Portugal tem tido nos últimos anos”.
Este artigo foi originalmente publicado na edição 475 da revista DISTRIBUIÇÃO HOJE.