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Boa Safra: a editora de home design sustentável que integra o cliente no processo criativo

Boa Safra: a editora de home design sustentável que integra o cliente no processo criativo
Com três lojas no total, a Boa Safra quer apostar este ano na internacionalização, o que pode significar um crescimento de 20% nas vendas. Com o desafio de levar os clientes a perceber o preço dos produtos “naturais” comparativamente a outros existentes no mercado, o crescimento passa por estar próximo dos clientes e oferecer serviços diferenciadores, mais do que expor em feiras internacionais.

Nasceu em 2009, no Porto, mas só começou a vender produtos dois anos depois. A Boa Safra apresenta-se como uma editora de design sustentável para a casa, conta com um armazém em Gaia com serração e tem atualmente três lojas, uma na invicta e duas na capital, no Príncipe Real e no Lx Factory. Antes dos espaços físicos propriamente ditos, a Boa Safra começou por ser um negócio online.

Dez anos depois, é altura para fazer balanços. Rui Rocha, fundador e diretor da Boa Safra garante que os passos foram sendo dados com cautela. “Costumo afirmar que fomos feitos à bolina, foi um processo duro e difícil. Uma empresa com valores sustentáveis não pode entrar numa lógica de endividamento ou de crescimento muito rápido porque não tem capacidade e pode ficar dependente das circunstâncias”, conta à Distribuição Hoje (DH), o engenheiro industrial e ex diretor de produção numa indústria de mobiliário convencional, uma experiência importante para conhecer “o outro lado”. A inspiração pela madeira, essa, veio dos seus antecedentes. É que Rui pertence à quarta geração de marceneiros a trabalhar madeira maciça. Uma herança que acabou por ser determinante na profissão que abraçou e no negócio que lançou.

 

Apelida esta primeira década de empreendedor como “curiosa”. “Foi um processo de muita aprendizagem com um mercado muito restrito. Em 2011, com a crise europeia, a componente de consumo estava a colapsar, a nossa proposta surgiu e é menos vulgar. Apesar de o design de mobiliário mais natural estar a crescer, há dez anos, era algo mais raro e os pioneiros acabam por sofrer as consequências disso”, explica.

A entrevista de Rui Rocha à DH decorreu na loja do Lx Factory, em Lisboa, ampliada em dezembro de 2018, contando atualmente com um espaço mais generoso, de 200 mt2 que respondeu à necessidade de expor algumas marcas parceiras. “É uma evolução positiva e estamos muito entusiasmados. Os clientes gostam de tocar, experimentar e sentir os produtos”, sublinha o responsável.

 

A sustentabilidade é o drive desta marca 100% portuguesa regendo todas as suas práticas desde a escolha das matérias primas, passando pelo processo de fabrico, até à entrega do produto final. Os produtos são assim pensados logo de raiz no sentido de terem a menor pegada ecológica possível, não descurando a qualidade.

Valorizar o preço
Sempre que viaja para o centro da Europa, o fundador da Boa Safra denota que a cultura da madeira “é algo muito enraizado e as pessoas percebem porque é que pagam cinco vezes mais por uma mesa em madeira quando comparado com uma mesa em melanina”. Em Portugal, ainda existem desafios a enfrentar nesta área. “Por um lado, esse hábito não existe e tem de ser criado, e o nível económico nestes países é muito diferente.” As novas gerações já demonstraram que são “fãs da marca” mas compram com mais dificuldade porque ainda estão em início de carreira. “Mais tarde, quando já estiverem com uma profissão mais consolidada, sabemos que os teremos como clientes.”

 

Os turistas estrangeiros que estão a comprar casa estão no topo de quem procura os produtos Boa Safra. “Curiosamente, a perceção de que têm é que esta é uma marca barata. Começamos a ser conhecidos lá fora pelo nosso design mas algumas pessoas com algum poder económico em Portugal identificam isso como valor e status. Têm dificuldade em reconhecer valor na estética mais simples, discreta e menos emocional, o que contribui para que o nicho de clientes seja mais apertado e que a tendência cultural seja outra. Mas isso faz parte dos desafios que temos de vencer”, refere Rui Rocha.

“Pela experiência que temos, internacionalizar não é fácil e temos de estar ao nível dos melhores. Queremos crescer e ter diferenciação suficiente a nível europeu para sermos uma proposta interessante”

Relativamente à questão do preço, Rui Rocha fala da durabilidade dos produtos de madeira natural que não é comparável com outras ofertas existentes no mercado. “Uma mesa em madeira natural dará para os netos e os bisnetos… E se for bem tratada, durará o correspondente ao cuidado que se tem com a mesma. Ainda que custe cinco vezes mais, dura toda a vida”, reforça. É também aqui que surge um enorme desafio no trabalho diário: pensar na sustentabilidade incluindo uma estética que procure ser intemporal. “É algo que pedimos aos nossos criadores. Se olharmos para a história, vemos peças do início do século que são simples, têm pouco excesso de contextualização e são produtos mais contidos a nível emocional. É importante que se transmita uma certa paz com o nosso design. E por vezes, é mais fácil criar de forma simples e não ir tanto pelas tendências da época”, explica.

 

Com o aumento de pessoas que se identificam e gostam da marca, a aposta na internacionalização pode ser uma realidade em 2019. França e Alemanha são mercados estudados e possíveis. “Pela experiência que temos, internacionalizar não é fácil e temos de estar ao nível dos melhores. Queremos crescer e ter diferenciação suficiente a nível europeu para sermos uma proposta interessante.” No entanto, o futuro não passa pela participação em feiras internacionais, o que implica um investimento que o engenheiro industrial considera “pouco sustentável e uma forma ultrapassada de chegar aos clientes”.

Com uma equipa de 12 pessoas, internacionalizar pode originar a entrada de mais dois elementos.

Os clientes como parte do processo criativo
Para chegar aos clientes, a Boa Safra recorre-se das redes sociais e do digital. “Temos ainda um desafio em estudo que passará por aproveitar e rentabilizar a vinda dos turistas que visitam Lisboa e fazê-las perceber o que é que andamos a fazer e o que é o design sustentável.” Passar da sensibilização das pessoas relativamente aos temas da sustentabilidade para um fator decisivo de compra é também um dos desafios. E isso passa por comunicar os valores da marca que nem sempre são “fáceis de explicar”.

Outra das dificuldades a enfrentar é ultrapassar o excesso de autoria e trazer o cliente como parte integrante do processo criativo. “O cliente, por vezes, é visto como um impedimento à criação e na Boa Safra procuramos que seja que seja incluído neste processo. Primeiro, tentamos percebê-lo através de um método que desenvolvemos internamente e que procura perceber o perfil estético a partir de um diagnóstico que fazemos num briefing inicial e que permite que o designer compreenda melhor para quem está a trabalhar. Depois, o cliente tem de sentir que a obra também é dele, o que gera alguns desafios do ponto de vista de cultura de design. Os designers são educados para serem autores e o que procuramos demonstrar é que não é necessariamente assim. Conseguir chegar aos outros é um desafio tremendo”, salienta Rui Rocha.

Nesta preocupação de integrar os clientes nos vários processos, um dos serviços diferenciadores da marca intitula-se “myHOME”. Através de uma metodologia criada com uma base psicológica, consiste em consultoria na organização e na arrumação da casa. A equipa vai perceber quais são as cores e os padrões com os quais o cliente se identifica, passando a criar os vários “moods” nos produtos. “Quem experimenta percebe que é um processo diferente do habitual. Conseguimos assim integrar os vários produtos consoante os gostos dos clientes considerando uma visão sistémica.” A metodologia, assegura o fundador, tem permitido resolver alguns “conflitos” entre casais que passam a ter a perceção de que é normal e válido ter perfis estéticos distintos. Os clientes passam a ser então elementos da equipa.

Preocupações sustentáveis do começo ao fim
Todos os produtos editados pela marca dispõem de uma etiqueta de avaliação de sustentabilidade. Nesta etiqueta, os produtos são analisados relativamente a oito parâmetros: boa gestão de recursos, baixo consumo energético, ausência de substâncias tóxicas, reciclável, de origem local, biodegradável, comércio justo e baixo em resíduos, permitindo assim uma proposta transparente e uma escolha informada. Isa Moreira é mulher de Rui Rocha e partilha a fundação da Boa Safra com o marido. Por ser engenheira do ambiente, acaba por ter um papel fundamental no processo de conceção e desenvolvimento do produto. “Esta é uma classificação interna, feita por quem sabe e que tem como objetivo levar o cliente a compreender um pouco melhor o nível de sustentabilidade do produto que está a comprar, porque é que por vezes existe disparidade nos preços e porque é que faz sentido – ou não – comprar determinado produto”, explica o responsável. A metodologia já levou a que alguns fornecedores alterassem o fabrico para cumprir os vários parâmetros. “Acaba por ser um contágio positivo e cria-se assim uma sinergia interessante.”

“Temos vindo a crescer e fechámos o ano passado com vendas que se aproximam do meio milhão de euros. Contamos faturar mais 20% no final de 2019, valor que esperamos que seja alavancado pela internacionalização”

Também no que respeita ao envio de produtos, a sustentabilidade marca presença através das embalagens mais sustentáveis [eco packs]. “Antigamente, o mobiliário era entregue com cobertores da cama. Colocavam-se os produtos dentro dos carros, chegava-se a casa dos clientes, tirava-se o cobertor e entregava-se a mercadoria. O cobertor daria depois para novas entregas. O que fazemos é usar material com base em resíduos têxteis. Temos uma manta de desperdício têxtil que utilizamos com o devido cuidado com a proteção dos cantos. Não se adequa a todos os tipos de produtos, é uma embalagem relativamente simples, que por si só é reciclável, mas que acaba por ser diferenciadora e por reduzir a pegada, sempre que possível”, assinala Rui Rocha.

Além da aposta na internacionalização, está a ser testado um novo serviço de organização da casa muito baseado na valorização dos objetos. Não se trata apenas de minimizar ou ‘destralhar’ como está tão em voga atualmente. “A partir do momento em que definirmos e maximizarmos um valor aos objetos, vamos usar um método com princípios que nos vão permitir otimizar e arrumar.”

A Boa Safra tem vindo a crescer sustentadamente. “Não queremos dar passos apressados”, garante o fundador. “Temos vindo a crescer e fechámos o ano passado com vendas que se aproximam do meio milhão de euros. Contamos faturar mais 20% no final de 2019, valor que esperamos que seja alavancado pela internacionalização”, conclui.

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