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Retalho

Como as lojas moldam os comportamentos dos consumidores

Sónia Marques Indiz Distribuição Hoje
Entender a fluidez dos shoppers numa determinada loja. Estudar a interação das pessoas com o espaço. Para perceber os pontos de retalho, a Indiz não escuta os consumidores, ao contrário da maioria das empresas de estudo de mercado. Coloca o espaço e o layout no palco, em lugar de destaque, retirando o protagonismo que habitualmente é dado aos clientes.

Sónia Marques lançou em 2003 uma empresa pioneira em Portugal na área de estudos de mercado. Especialista em mensagens, a Indiz significa “dentro daquilo que se diz”. A ideia surgiu de “uma certa ingenuidade” e do facto de a responsável não entender como é que ninguém entregava aos clientes um diagnóstico de mensagens. Licenciada em Sociologia pela Universidade de Coimbra e mestre em Economia do Desenvolvimento pela Universidade de Antuérpia, decidiu tirar um ano sabático. Em 2002 e 2003, frequentou um conjunto de cadeiras em Ciências da Comunicação e Antropologia na Universidade Nova de Lisboa, especializando-se em semiótica. Tornou-se na única semioticista do país. “Esta é uma área de nicho, na Europa e mesmo no mundo. Li muito, pesquisei, e só encontrei uma empresa na Austrália com os mesmos moldes. Parecia-me um vazio inacreditável”, afirma.

Ao contrário do que é convencional, a Indiz não pergunta nada ao consumidor. Pelo contrário, procura saber porque é que “há mais ou menos clientes em determinadas zonas das lojas, qual é o significado de colocar algo em cima ou em baixo, de ocupar o centro…”, explica Sónia Marques. No discurso quotidiano, a empresa faz aquilo a que dá o nome de métrica configuracional. “É algo que uma corrente de arquitetura faz há décadas e aplica a cidades para entender a fluidez das densidades de clientes em zonas comerciais”. Os mesmos princípios são aplicados para entender um shopping, um supermercado, um hipermercado ou uma zona comercial de determinada cidade. “Com isto, consegue prever e entregar números e resultados a um cliente, demonstrando quais são as zonas mais centrais e as mais periféricas, ou seja, as que concentram maior ou menor densidade de consumidores”. O layout das lojas e dos centros comerciais geram áreas com mais e menos movimento, onde os convites serão para parar, deambular ou caminhar mais depressa. “Ora, a atividade de comprar é indissociável do ato de caminhar”.

“O próprio consumidor acha-se poderoso, considera que a publicidade não o convence e que o espaço não o convida a nada”.

Os estudos de mercado, habitualmente, colocam os consumidores no palco. Isto deve-se, na opinião da diretora da Indiz, “do pressuposto cartesiano que coloca o sujeito no centro. O marketing olha para o shopper como o decisor, alguém que está no palco no momento da escolha, assumindo-o como alguém livre, que não recebeu qualquer tipo de influência. O próprio consumidor acha-se poderoso, considera que a publicidade não o convence e que o espaço não o convida a nada”. Isto acontece porque as pessoas não têm uma relação consciente com o espaço. “Nunca se pensa no sistema e na configuração da loja”. Falta assim colocar o consumidor em contexto. O espaço aparece no fundo do palco mas não pode ser visto como inerte e passivo porque é algo que convida o shopper para determinada ação”. A Indiz não faz perguntas aos shoppers devido ao facto de estes não estarem conscientes das suas decisões num determinado espaço.

Os retalhistas pensam “em metros quadrados” e os fabricantes “em centímetros de lineares”. Ou seja, na sua ótica, interessam as medidas e os espaços onde atuam. Há que estudar a visibilidade. Passar do “quanto maior, melhor” para o “quanto mais visível, melhor” e “quanto mais interligado, melhor. Sónia Marques defende que “existem alguns princípios geométricos de visibilidade que suscitam o movimento das pessoas. Um corredor mais largo irá fazer com que, à partida, caminhem mais devagar do que num mais estreito”.

Contrariar tendências

Numa primeira fase, a empresa estuda as plantas e a metodologia das mesmas. Posteriormente, avalia a maneira como os shoppers aceitam ou recusam os convites do espaço. Dessa aceitação ou recusa, “tiram-se considerações muito importantes para os clientes”. Recorrendo a um exemplo concreto, a semioticista explica que, ao colocar-se uma barreira em determinada loja, o acesso dos clientes torna-se mais difícil “e o que está por detrás da barreira, fica mais caro. A grelha é ótima para separar, péssima para juntar. Os retalhistas pensam na tipologia que permite colocar mais produto em menos espaço. Pensam na eficácia da ligação entre o produto e o metro quadrado. Quando se desenha uma loja, proporcionam-se convites para modos de consumo e para uma dada experiência de compra. Isto aplica-se a lojas, shoppings ou cidades”.

Alguns estudos podem levar três a quatro semanas, sobretudo se incluem observação direta. “Observa-se um determinado local num período de tempo, seguem-se os clientes discretamente para entender os seus trajetos, os momentos de paragem e os de decisão. Há que verificar onde pararam, onde hesitaram, onde foram mais lentos ou mais rápidos, se socializaram, que montras os convidaram a permanecer mais tempo e se voltaram a algum local onde já tinham estado”.

A Indiz também faz a análise de publicidade, de packaging, de lineares, de montras, entre outros. “Analisamos, por exemplo, como e que determinada embalagem perfaz um conjunto e qual a sua visibilidade. É preciso entender os porquês”.

Sónia Marques - Indiz - Distribuição Hoje (4)

Sónia Marques elogia o Pingo Doce e a sua coragem em contrariar as tendências. “Neste supermercado, os corredores são estreitos, não tem promoções e podem encontrar-se os produtos do costume. Ao contrário de outros hipermercados, são criados polos de atração onde as pessoas têm de permanecer. O Pingo Doce desperdiça espaço nos frescos, ao contrário do Jumbo e do Continente, em que a área é muito maior, mas encontra-se habitualmente vazia. Nestes dois, os clientes têm de mudar várias vezes de área para adquirir vários produtos. O Pingo Doce é um exemplo de coragem, inverteu a tendência e está a fazê-lo bem”. Potenciou a estadia do cliente na zona de frescos. “Arrisco a afirmar que este supermercado tem mais vendas no cabaz de frescos do que muitos hipermercados”.

Espaço como fonte de oportunidades

Para entender os pontos de retalho, a Indiz usa uma panóplia de técnicas e disciplinas diferentes. Fotografa utilizações, regista movimentos e paragens, mapeia percursos, avalia a visibilidade em diferentes corredores, mede o quão central e marginal são as diferentes zonas de uma dada loja, diagnostica as montras, a sinalética ou a comunicação promocional.

Além da configuração dos espaços, pode fazer sentido estudar segmentos etários.  “Mulheres e homens não têm uma relação com os espaços assim tão distinta mas existem várias diferenças etárias. As crianças e os seniores interagem com os espaços de forma muito diferenciada e é interessante estudar isso”.  Os convites das lojas não funcionam da mesma maneira com qualquer classe etária. “É inacreditável a abordagem e a forma como uma determinada montra é um convite capaz de atrair os mais novos e excluir os mais velhos”, explica Sónia Marques.

“Muitas vezes, os clientes sabem que têm um problema mas não reconhecem a causalidade. Não encaram o espaço como fonte de soluções ou oportunidades”

A Indiz tem clientes que estão na empresa desde a sua génese contando no seu portfólio com a NOS, que juntou a Zon e a Optimus. “É o cliente mais paradigmático e constante ao longo do tempo”. A estratégia de comunicação da Optimus foi alimentada com semiótica e Sónia Marques foi a consultora no processo de rebranding da marca. Na área da distribuição e do retalho, a empresa trabalha diretamente com dois retalhistas alimentares, um cliente cervejeiro com um projeto de comunicação no ponto de venda, e um shopping. A metodologia e os pressupostos de trabalho da empresa podem ser aplicados noutras áreas de negócio, como por exemplo, agências bancárias.

E como são captados novos clientes? Sobretudo “por recomendação de outros”, mas também por abordagem direta. Uma simples viagem de metro pode ser inspiradora ou constituir uma oportunidade de negócio. “Enquanto semioticista comercial, basta apanhar um metro, ver mupis e perceber que determinadas marcas estão com problemas em significarem. Posso também ver um trabalho extraordinário e identificar que os concorrentes de determinada empresa vão ter problemas futuros. Esta é a abordagem comercial da Indiz. Sónia Marques continua a presenciar “muito silêncio nas reuniões. Por vezes, há entusiasmo e interesse, mas alguma dificuldade em verbalizar as necessidades. Um gestor que nunca estudou semiótica tem alguma dificuldade em entender a nossa estratégia. Muitas vezes, os clientes sabem que têm um problema mas não reconhecem a causalidade. Não encaram o espaço como fonte de soluções ou oportunidades”. Mas a empresária não desiste. Acompanha-os no processo e agenda as reuniões necessárias até que entendam o serviço proporcionado pela Indiz. Afinal, é esse o seu dia a dia: ajudar a decifrar mensagens.

Artigo publicado na edição de julho/agosto de 2016 da revista DISTRIBUIÇÃO HOJE

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